Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo João
(Jo 1, 6-8.19-28)
No Domingo da Alegria, a Igreja propõe como meditação o mistério da alegria cristã. A antífona de entrada da Liturgia diz: “Gaudete in Domino semper – Alegrai-vos sempre no Senhor”, e a oração da coleta pede “ut valeámus ad tantæ salútis gáudia perveníre, et ea votis sollémnibus álacri semper lætítia celebráre”. Só nesta frase se encontram três palavras latinas diferentes para “alegria”: gáudia, álacre e lætítia. Nas leituras, o profeta Isaías diz: “Exulto de alegria no Senhor e minh’alma regozija-se em meu Deus”, e o Apóstolo pede aos Tessalonicenses: “Estai sempre alegres!”. No responsório, repetem-se as palavras do Magnificat: “A minh’alma se alegra no meu Deus”.
Mas, o que é, afinal, a alegria? Trata-se de uma paixão, uma dessas energias básicas presentes no ser humano e que, portanto, não é em si mesma nem boa nem má. Santo Tomás de Aquino, ao falar dela, insiste em que se trata de uma paixão racional e, por isso, os animais não a possuem.
“A alegria [gaudium], como diz Avicena no seu livro De Anima, é uma espécie de prazer [species delectationis]. Ora, devemos considerar que, assim como certas concupiscências são naturais e certas não-naturais e consequentes à razão, com já dissemos, assim também uns prazeres são naturais e outros, não-naturais e acompanhados da razão; ou, como dizem Damasceno e Gregório Nisseno, certos são corpóreos e certos, animais, o que vem a dar no mesmo. Pois, nós nos deleitamos com o que, sendo naturalmente desejado, é adquirido; e com o que desejamos segundo a razão. Ora, o nome de alegria não se aplica senão ao prazer consequente à razão. Por onde, não atribuímos a alegria aos brutos, senão só o prazer. Por outro lado, tudo o que desejamos, segundo a natureza, também podemos desejar com o deleite da razão, mas não inversamente. Portanto, tudo o que causa prazer pode também causar alegria, em se tratando de seres racionais, embora nem tudo possa causar a alegria; assim, às vezes o que nos causa um prazer corpóreo não nos causa alegria, segundo a razão. Donde se conclui que o prazer abraça domínio mais vasto que a alegria.” [1]
Então, o deleite – ou o prazer – não é o mesmo que a alegria. Esta está ligada à razão, a qual só o ser humano possui. Consiste propriamente no movimento da alma que encontra o objeto amado. Por isso, a alegria está intimamente ligada ao amor – seja o amor mundano, seja o sobrenatural. No que diz respeito à alegria cristã, no entanto, acontece algo incomum. Como a verdadeira caridade tem como objeto o próprio Deus, o gaudium que advém do encontro com Ele também é divino, uma realidade infusa por Ele mesmo em nossos corações. Não sem razão o Apóstolo fala do “amor de Deus [que] foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” [2] e, alhures, lista a alegria como um dos frutos do Espírito Santo [3].
O mundo, no entanto, acusa os cristãos de serem tristes. E muitos cristãos, mesmo sabendo que o Cristianismo é a religião do amor e da alegria, muitas vezes não conseguem lidar com a tristeza e mesmo com a doença da depressão.
Para enfrentar essas situações, é preciso crescer na fé. Para além do tratamento físico e psíquico que exige a depressão, é importante um cuidar-se espiritualmente, alimentar a própria fé no amor de Deus, que desceu dos céus, de Sua alegria perfeita, para vir à Terra e trazer alegria aos homens. São João da Cruz – cuja memória se faz neste dia 14 –, em um de seus poemas, retratou com beleza o mistério do nascimento do Verbo:
“Quando foi chegado o tempo
Em que de nascer havia,
Assim como o desposado,
Do seu tálamo saía
Abraçado à sua esposa,
Que em seus braços a trazia;
Ao qual a bendita Mãe
Em um presépio poria
Entre pobres animais
Que então por ali havia.
Os homens davam cantares,
Os anjos a melodia,
Festejando o desposório
Que entre aqueles dois havia.
Deus, porém, no presépio
Ali chorava e gemia;
Eram jóias que a esposa
Ao desposório trazia;
E a Mãe se assombrava
Da troca que ali se via:
O pranto do homem em Deus,
E no homem a alegria;
Coisas que num e no outro
Tão diferente ser soía.” [4]
“E a Mãe se assombrava/ Da troca que ali se via:/ O pranto do homem em Deus,/ E no homem a alegria”. Em verdade, quando os anjos anunciaram aos pastores o nascimento de Cristo, referiram-se à notícia como “uma grande alegria”: “Ecce enim evangelizo vobis gaudium magnum, (...) quia natus est vobis hodie Salvator, qui est Christus Dominus – Eu vos anuncio uma grande alegria (...): hoje nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor!” [5]. O próprio Deus vem chorar e gemer em uma manjedoura, a fim de dar a alegria ao ser humano. O Céu se abriu e Ele veio chorar com a humanidade as suas tristezas e as suas misérias. Por isso, é possível dizer que o homem nunca chora sozinho.
Ao mesmo tempo, importa lembrar o dever que todos têm de alegrar-se. “Gaudete!”, diz o Apóstolo. Sabendo que foi amado deste modo, o ser humano não pode responder a Deus senão com gratidão, generosidade e grande alegria – alegria sobrenatural. Porque a alegria dos carnavais e dos folguedos mundanos passa como um “sorriso amarelo”; a alegria cristã, ao contrário, é firme, porque construída na certeza do amor de Deus.
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