Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 10, 1-9)
Naquele tempo,o Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir. E dizia-lhes: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita.
Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não passeis de casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’”.
Com grande alegria celebramos hoje a festa do evangelista São Lucas, que nos deu um evangelho bastante especial porque certamente contém informações do contato direto com a Virgem Maria. Quem foi esse evangelista? Sabemos poucos detalhes da vida de São Lucas, mas muitas coisas podemos deduzir. Em primeiro lugar, sabemos pelo testemunho de São Paulo que Lucas era médico. É o que lemos na Carta aos Colossenses: “Nosso querido médico, Lucas” (4, 14).
Além disso, sabemos que São Lucas, tanto por seu nome como pela forma como escreve em grego, não era de origem judaica. Ao contrário dos outros três evangelistas, era grego, e isso já fornece alguns indícios interessantes. Os outros evangelistas, Mateus, Marcos e João, eram de origem judaica e conheceram Jesus: Mateus e João foram Apóstolos; Marcos, segundo a tradição, teria conhecido Jesus no Horto das Oliveiras, no momento da prisão. Já São Lucas é bem possível e provável que não o tenha conhecido. Uma tradição diz que ele fazia parte dos setenta e dois discípulos enviados em missão, por isso o Evangelho de hoje é de Lucas, capítulo 10, onde é narrado o envio desses discípulos. Mas trata-se de uma tradição, e é muito pouco provável que Lucas tenha conhecido Jesus pessoalmente. Podemos deduzir isso porque, no início do seu evangelho, Lucas diz ter feito longa pesquisa nas fontes diretas, consultando as testemunhas, uma das quais foi Nossa Senhora. Por isso o evangelho da infância escrito por ele tem uma presença tão significativa de acontecimentos referentes a Maria.
Sabendo que Lucas era médico, grego e que não conheceu Jesus, perguntamos como ele ouviu falar de Cristo. Sabemos pelos Atos dos Apóstolos que ele era um dos companheiros de São Paulo em suas viagens apostólicas. Por isso existe a hipótese de que São Lucas seria um médico formado na famosa escola de Tarso, justamente a cidade natal de São Paulo. Na época, havia pouquíssimas escolas de medicina famosas. Havia uma em Alexandria, outra em Atenas, e uma em Tarso. Logo, é plausível que Lucas, como Paulo, tenha morado em Tarso, onde ambos teriam se conhecido.
Vamos imaginar que foi exatamente assim. São Lucas, grego, foi tornando-se prosélito judeu, ou seja, foi conhecendo as práticas do judaísmo, indo à sinagoga, ouvindo pregações... Embora não fosse cristão, um belo dia ouviu a pregação do Evangelho pela boca de São Paulo. Você vai dizer assim: “Padre Paulo, o senhor não está imaginando demais? Como o senhor sabe que Lucas era prosélito judeu?” É preciso observar que, no Evangelho, ele também mostra conhecer profundamente o Antigo Testamento através da tradução grega dos LXX. Ou seja, era um conhecedor da religião judaica.
Aqui temos uma pista a respeito da vida deste santo: Lucas era um médico de origem grega que estava buscando a verdade, começou a seguir a religião do Antigo Testamento e foi sendo preparado por Deus até que finalmente se encontrou com o converso São Paulo, e acabou também ele se convertendo.
Começamos, portanto, a ter algumas indicações do que São Lucas pode nos ensinar. Hoje é dia dos médicos, dos quais São Lucas é padroeiro. Você que é médico ou médica pode aprender de São Lucas o seguinte — buscar a verdade, ter coragem de, como ele, receber uma formação científica verdadeiramente profunda, sabendo que isso também pode levar a procurar de forma mais profunda ainda a verdade.
A verdade do ser humano não se reduz à sua dimensão corpórea, não se limita ao funcionamento do corpo, mas abarca também uma realidade espiritual que os médicos não enxergam, cujos efeitos, porém, eles podem constatar. Qualquer bom médico enxerga que o ser humano não é somente corpo e que, se o homem não estiver bem espiritualmente, o corpo inteiro começa a dar sinais de adoecimento. Qualquer bom médico enxerga que o problema não é só psicológico-afetivo porque, senão, os macacos teriam somatizações como nós. O nosso problema, às vezes, é espiritual: a falta de sentido da vida, a falta de um porquê para a nossa existência, a falta de encontrar o amor de Deus, que foi exatamente o que São Lucas encontrou graças a São Paulo. Lucas começou a seguir Paulo de perto, a ponto de passar por grandes perigos, perseguições e dificuldades. Ele tinha tudo para se preocupar somente com sua carreira mundana e ser um bom médico, mas preferiu abraçar a verdade. Às vezes, os médicos têm de fazer isso também, porque a classe médica, além de ser uma classe de pessoas que procuram curar os outros, às vezes se converte numa espécie de prisão para os próprios médicos, ou seja, por respeito humano, para não descontentar os colegas, muitas vezes os médicos terminam quebrando o juramento de não fazer mal ao paciente, de indicar os melhores tratamentos etc. Um médico precisa ter a coragem de São Lucas, coragem de ser mártir, coragem de seguir a verdade, mesmo que não seja muito popular.
Até para seguir a verdade científica hoje em dia é preciso ter a coragem de um mártir. Num mundo que vive de ideologias e oportunidades políticas, seguir Cristo na verdade — seja pela luz sobrenatural da fé na religião, seja pela luz natural da razão, através da ciência —, é sempre um martírio. São Lucas mostrou com sua vida que ele quis buscar a fundo a verdade; tanto, que escreveu dois livros: não somente o Evangelho, no qual conta a vida de Cristo, mas também os Atos dos Apóstolos, nos quais conta a vida da Igreja nascente. Investigou a verdade, pagou o preço da verdade. Você que é médico faça o mesmo: busque, investigue a verdade, mesmo que seja preciso, como Lucas, entregar a vida no martírio.
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