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Você está na Igreja para não ser incomodado?

Viver a fé de forma cômoda, seguindo à risca a cartilha ideológica do mundo, mas fazendo-se de desentendido em relação aos ensinamentos da Igreja. Infelizmente, essa é a atitude de muitos que se dizem católicos, mas que agem como os fariseus da época de Jesus.

Texto do episódio
1063

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 7,1-8.14-15.21-23)

Naquele tempo, os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?” Jesus respondeu: “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”. Em seguida, Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem”.

Neste 22º Domingo do Tempo Comum, em que lemos o início do capítulo 7 do Evangelho de São Marcos, vemos Nosso Senhor envolvido em uma controvérsia com os fariseus e com os mestres da Lei, que vieram de Jerusalém. Jesus começou o seu ministério e a sua pregação não no centro do poder, que era Jerusalém, mas na terra onde viveu, Nazaré. E ali, diante dele, estavam os mestres da Lei que vieram para interpelá-lo. 

Ao fazer suas pregações e realizar milagres, Nosso Senhor começou a chamar a atenção, atraindo uma multidão. Dessa forma, era evidente que os oficiais políticos e religiosos da região começariam a ficar incomodados com as pregações de Jesus, passando a investigá-lo para descobrir quem Ele era. Assim, ao ir à Galiléia, onde estava Jesus, os mestres da Lei notaram que esse “rabi” não ensinava como os fariseus ensinavam. 

À época de Jesus, em Israel, havia diversos preceitos, pequenas regras que precisavam ser seguidas. São Marcos — que escreveu seu Evangelho às pessoas que não entendiam da cultura judaica e daquelas pequenas leis que os judeus observavam — explica o seguinte: 

Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre (Mc 7, 3-4). 

Nesse trecho, São Marcos apresenta-nos uma nota cultural para que saibamos onde está a divergência em relação à atitude de Jesus. Nosso Senhor olha para os fariseus e repreende-os, usando as palavras do Antigo Testamento — presentes na Lei e nos Profetas. Justamente para aquele povo que se considera tão fiel a Moisés e à Bíblia, Jesus utiliza as palavras do profeta Isaías: “Esse povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Is 29, 13). Aqui, Nosso Senhor está recordando a realidade de que, já no Antigo Testamento, Deus Pai instituiu a religião — com seus rituais e preceitos — para uma finalidade. 

O objetivo da Lei era mudar o coração do povo. É isso que Deus quer fazer também hoje conosco: quer mudar o nosso coração. Afinal, todo pai ou toda mãe educa o seu filho, não para que ele tenha um bom comportamento só enquanto estiver sob o seu olhar, mas para que esteja convencido do valor daquilo que foi ensinado, de modo que se porte bem onde quer que esteja. 

O sinal mais evidente de que a educação de um filho foi bem-sucedida é quando a criança obedece até mesmo nos momentos em que não está sendo observada. Isso é um sinal claro de que aquele ensinamento entrou no coração dela, faz parte do seu interior. É dessa forma que o processo educacional alcança a alma da criança. E, à medida que vamos nos tornando adultos, nós nos aprofundamos cada vez mais nessa lei do amor — ficamos “livres” das leis externas para viver a lei do amor. 

Por exemplo, se alguém disser: “Você está proibido de matar a sua mãe”. É evidente que esse Mandamento é válido, pois consta entre os Dez Mandamentos, mais especificamente no 4º e no 5º: “Honrar pai e mãe” e “Não matar”. Se você matar a sua própria mãe, a verdade é que você estará pecando duas vezes. Evidentemente, você, que ama sua mãe, jamais cogitou a hipótese de matá-la. Nunca sequer experimentou a tentação de um dia fazer isso. 

Mas por qual motivo? Ora, porque você a ama; e quem ama torna-se livre da Lei. O Criador nos dá leis, e em nós tem início o processo pedagógico natural às crianças. Deus nos dá leis externas; porém, Ele quer a interiorização dessas leis, quer que o nosso coração seja transformado. É isso o que Nosso Senhor diz, por exemplo, no Sermão da Montanha: “Ouvistes o que foi dito: ‘Não matarás’. Mas quem disser para o seu irmão, ‘tolo’, ‘idiota’, ‘imbecil’, já será réu do julgamento” (Mt 5, 21-22), isto é, aqui houve uma interiorização do preceito. Nosso Senhor nos faz perceber que, antes de matarmos alguém fisicamente, nós já o matamos no coração. 

E Ele continua explicando: “Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu porém vos digo: quem olhar para uma mulher e desejá-la no seu coração, já cometeu adultério com ela” (Mt 5, 27-28). Eis a realidade da interiorização. Vemos claramente que não se trata só de não ter relações sexuais com outra mulher, mas de você amar tão verdadeiramente a sua esposa, que até mesmo o fato de olhar para outra mulher já será uma agressão para você. Esta é a beleza: a Lei de Deus vai, gradativamente, tornando-nos livres, pois a obediência à Lei transforma o nosso coração — mas tudo isso é fruto de um processo. 

Vemos, portanto, que o cristianismo é esse êxodo, essa passagem, da Lei para a liberdade do amor, de modo que os preceitos divinos vão sendo introjetados cada vez mais em nosso coração. Antes, ficávamos fazendo cálculos, dando a Deus só o mínimo necessário. Contudo, depois que a Lei de Deus alcançou o nosso coração, tornamo-nos generosos, fazendo muito mais do que era a nossa obrigação.

A generosidade não tem limites, pois a medida do amor é amar sem medidas. Era precisamente isso o que Deus queria no Antigo Testamento. E nós vemos Nosso Senhor completamente constrangido e contrariado com a atitude dos fariseus e mestres da Lei — que supostamente ensinavam a Lei ao povo. No entanto, a bem da verdade, eles perderam a razão de ser da Lei, que não é outra coisa senão o amor, a liberdade do amor. 

Mas quando isso acontecerá realmente? Quando estivermos no Céu. Observemos a vida dos santos: eles são incapazes de pecar. No Céu, os santos são plenamente livres, pois não podem mais fazer o mal; eles só podem amar. O amor torna-nos verdadeiramente livres e generosos. Essa é a realidade que Nosso Senhor gostaria que as pessoas entendessem. 

No entanto, os mestres da Lei e os fariseus não estavam entendendo. Por isso, Jesus disse: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7, 6-7). Ou seja, eles pegaram os preceitos divinos, revelados no Antigo Testamento, e os transformaram em rituais humanos. 

Podemos aplicar essa realidade à nossa vida atual: há, por exemplo, um preceito verdadeiramente divino, o 3º Mandamento: “Guardar domingos e festas”. A Igreja, a fim de esclarecer essa forma de guardar o Dia do Senhor e os dias santos, diz que devemos participar da Missa nesses dias. Assim, cabe a pergunta: o preceito dominical foi feito para quê? Ora, para mudar o nosso coração.

No entanto, se nós vamos à Igreja unicamente para cumprir um rito, algo meramente exterior, se nós vamos à Missa e nada do que ouvimos nos incomoda, então há algo errado. Mas pode ser pior: às vezes, o próprio pregador não está incomodando, por ter uma pregação de viés mundano, ou seja, não está pregando o Evangelho verdadeiro. 

Entretanto, ocorre também que a pregação não nos incomoda porque não queremos ouvir. Ao fazer isso, nós estamos pegando um preceito divino e transformando-o em uma realidade meramente humana. É como se quiséssemos ficar livres de Deus. Ora, se alimentarmos esse tipo de pensamento, terminaremos vendo que não há distinção alguma entre uma pessoa que vai à Igreja no domingo e outra que simplesmente não vai. Trágica e miseravelmente, isso acontece com frequência. 

Infelizmente, muitas pessoas que estão sentadas nos bancos das igrejas no domingo, em nada se distinguem daquelas que levam uma vida mundana e materialista. Fora da Igreja, as pessoas vivem à procura de dinheiro. E então, observamos o católico que vai à Missa no domingo, e percebemos que na cabeça dele acontece a mesma coisa: ele também só vive em busca de dinheiro. As pessoas que estão fora da Igreja têm uma mentalidade politicamente correta, querendo agradar só aos homens — e não a Deus. Para elas, o importante é não incomodar e também não serem incomodadas. E o católico de Missa dominical tem essa mesma mentalidade, seguindo à risca as regras do politicamente correto. 

No mundo, as pessoas praticam o aborto sem nenhuma preocupação; e quanto ao católico que vai à Missa aos domingos? Será que ele também faz aborto? Talvez não tenhamos chegado a esse ponto, mas há abortos menores, abortos microscópios, os chamados abortos ocultos, causados pelo anticoncepcional, pela pílula do dia seguinte e pelo DIU. Mesmo assim, essas pessoas estão celebrando, estão felizes como se nada estivesse acontecendo. Lá fora, o mundo faz tudo isso, inclusive vasectomia e laqueadura; enquanto os católicos que vão à Missa no domingo, em sua maioria, fazem as mesmas coisas.

No mundo, as pessoas fazem sexo antes do casamento, e o católico de Missa dominical também; no mundo, as pessoas veem pornografia e praticam masturbação, e o católico também; o mundo aceita com tranquilidade a “desorientação homossexual”, e o católico dentro da Igreja também. Lamentavelmente, desse modo, nós transformamos a Lei divina em mero preceito humano. Deus queria nos arrancar do nosso egoísmo, mudar o nosso coração, mas nós não queremos ser mudados — não queremos ser incomodados. 

Infelizmente, as pessoas vão à Igreja e não querem ser incomodadas. É como se dissessem: “Padre, o senhor é muito polêmico. Não fale desses assuntos”. Mas não se trata de criar polêmica, senão de educar para a realidade do amor. Jesus, depois de chamar os escribas e os fariseus de hipócritas, trouxe a multidão para si, pois queria instruí-la também: 

Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem (Mc 7, 15.21-23).

Aqui nós vemos o quanto Nosso Senhor incomoda, pois sua pregação toca na ferida. Jesus é bastante politicamente incorreto. 

Ele incomoda as pessoas que estão ao seu redor, pois quer que elas mudem de vida. Cristo não quer apenas os nossos ritos externos; mas quer que essas práticas externas, ao serem assimiladas, passem a mudar o nosso coração, inquietando-nos. Mas por quê? Ora, porque todos nós fomos feitos para o amor. Desse modo, não se trata de um moralismo esmagador; mas de viver o amor. Quando pedimos às pessoas que sejam castas, honestas, mansas e humildes, não estamos sendo moralistas. 

Há um convite para o amor que diz: “Você não enxerga? Você não vê que é muito melhor começar esse processo de transformação e resolver amar?”. Obviamente, vai doer, vai incomodar, mas será a oportunidade de amar.

O mês de setembro, no Brasil, é dedicado à Bíblia. Somos convidados a criar na nossa vida o hábito de meditar a Palavra de Deus — seja diretamente por meio da Bíblia ou por meio de livros de meditação que tiram os seus ensinamentos da Sagrada Escritura. 

É preciso assumir esse propósito de permitir que a Palavra de Deus fecunde e transforme nossa vida. Essa é, aliás, a religião que realmente agrada a Deus; esse é o culto que agrada a Deus. Não é meramente o culto prestado com os lábios, mas aquele que, embora seja prestado com os lábios, começa a verdadeiramente transformar o homem interior até configurá-lo a Cristo. Desse modo, nós somos chamados a amar; não somente com as nossas forças, senão principalmente com a força da graça — Deus se antecipa e está em nosso coração pedindo o nosso amor. 

A bem da verdade, é Deus quem acompanha tudo que fazemos; Ele torna frutífero todos os atos de amor que nós realizamos. Por isso, somos convidados a nos entregar a Ele. Essa polêmica entre Nosso Senhor e os mestres da Lei mostra-nos que não há outro meio: Deus quer o nosso coração. Não adianta disfarçar ou querer mudar apenas o nosso comportamento externo, mas manter uma desobediência interior. Seria como nos preocuparmos somente em pintar o túmulo, quando, na verdade, tudo dentro dele está apodrecido. 

Que Deus nos conceda a graça de, verdadeiramente, ouvirmos a sua Palavra, de modo que o nosso coração seja transformado, e que em todas as nossas práticas espirituais e ritos exteriores saibamos dar prioridade ao amor.

Nós católicos não desprezamos os rituais externos, mas sabemos que eles têm uma finalidade: transformar nosso coração, para que, um dia no Céu, possamos amar a Deus definitivamente. No Céu seremos livres, poderemos amar, seremos incapazes de praticar o mal. Esse é o nosso futuro; o plano de Deus para nós, e Ele pode operar tal transformação em nós.

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