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Introdução ao Método Teológico

Iniciação à Ciência Sagrada

Num certo sentido, a teologia e a filosofia compõem as chamadas "ciências sagradas". Diversamente das demais disciplinas, que estudam um recorte da realidade, teologia e filosofia procuram contemplar o mundo de um ponto vista mais abrangente; os pensadores cristãos, com efeito, perceberam tratar-se de duas ciências afins cujo objeto de estudo é encarado à luz de dois princípios complementares: a razão natural e a fé sobrenatural.

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I. Apresentação

1. Objetivo do curso. — Tendo em vista as diretrizes do Magistério e as polêmicas com que hoje em dia se depara todo fiel cristão, este curso propõe-se apresentar, de modo conciso e sumário, todas as principais disciplinas teológicas, a fim de que o aluno, adquirida uma cultura teológica básica, possa ulteriormente se orientar e aprofundar na fé desde sempre professada e ensinada pela Igreja Católica.

2. Estrutura do curso. — O curso compõe-se de duas partes. Na primeira (aulas 2 a 7), sob uma perspectiva diacrônica, procuraremos situar e enraizar o aluno na Tradição da Igreja mediante uma breve e sintética revista da história da teologia e das diversas escolas que encontraram na Verdade, que é Cristo, o seu fermento; o nosso intuito, com efeito, será demonstrar a harmoniosa continuidade do pensamento teológico ao longo da história, a despeito das muitas disputas e divergências entre autores e correntes. Na segunda parte (aulas 8 a 14), sob um olhar sincrônico, tentaremos sistematizar as informações fornecidas na primeira e, por meio dum trabalho propriamente teológico, oferecer subsídios positivos a respeito dos pressupostos da pesquisa em teologia.

Esta primeira aula será dedicada a estabelecer alguns conceitos e distinções elementares, a saber: divisões da teologia em razão da matéria; semelhanças e diferenças entre teologia, filosofia e fé; pré-requisitos morais e sobrenaturais aos que desejam aplicar-se ao estudo da sacra doctrina.

II. Introdução ao Método Teológico

3. Divisão da Teologia. — A Teologia, ciência sobrenatural que trata de Deus e de Suas obras na medida em que a Ele se referem como princípio e fim [1], costuma dividir-se em diversas partes, que nada mais são do que modos específicos de se perscrutar a Revelação [2]. Os três tratados teológicos capitais, dentre os quais nos ocuparemos nesse curso apenas do primeiro, são:

  1. Teologia Fundamental, ou Apologética, que se ocupa da credibilidade mesma da religião cristã e de seus artigos. Chama-se, por isso, «ciência dos motivos de credibilidade»; trata-se de uma disciplina preparatória, em que a inteligência humana, agora em contato com os dados revelados, procura razões para, depois de iluminada pelo dom gratuito da fé e sob a moção da vontade, crer com fé divina e católica em Deus e, por força de Sua autoridade, em tudo o que Ele próprio nos quis manifestar.
  2. Teologia Dogmática, ou Sistemática, cuja finalidade é (a) teorética, enquanto reflexão sobre os dogmas da fé e solução das dificuldades por eles suscitadas, e (b) polêmica, na medida em que, ao defender esses mesmos dogmas, refuta as objeções que se podem aduzir contra a fé da Igreja [3]. É o que costumeiramente se entende por teologia.
  3. Teologia Moral, é dizer, «o estudo científico da atividade humana em relação, mediante os princípios da fé e da razão, à consecução do fim último sobrenatural do homem.» [4]

Esses são os pilares básicos da teologia, ainda que haja, naturalmente, muitos outros campos de pesquisa, como, por exemplo, a Teologia Pastoral, a Teologia Bíblica e suas ciências auxiliares, o Direito Canônico etc. À guisa de introdução, contudo, estudaremos a seguir apenas alguns pontos-chaves de Teologia Fundamental.

4. Natureza científica da Teologia. — A Teologia se nos apresenta, antes de mais, como verdadeira ciência tanto natural quanto sobrenatural e, portanto, distinta da fé em que se alicerça. Ora, a diferença radical entre filosofia e teologia consiste no fato de que, embora ambas considerem a realidade dum ponto de vista global—diferentemente das demais ciências, que se ocupam de determinada classe de entes—, a primeira serve-se tão-só das forças naturais da razão, ao passo que a segunda utiliza a razão ilustrada pela luz sobrenatural da fé (sub lumine fidei supernaturali); numa palavra, investiga as coisas na medida em que se podem conhecer à luz da Revelação Divina [5]. Podemos, portanto, definir o conhecimento teológico como a sabedoria que «procede das verdades reveladas e conhecidas sob a luz sobrenatural da fé» [6].

Feita esta precisão, notemos que a teologia atende às três condições que toda verdadeira ciência deve cumprir. De fato, ela contém [7]:

  1. princípios certos em que se possa basear, quer dizer, as verdades por Deus reveladas fazem as vezes de premissas a partir das quais se podem inferir outras verdades;
  2. método adequado a tirar conclusões a partir desses princípios;
  3. capacidade de coligir tais conclusões num corpo coeso e unitário.

Além disso, trata-se aqui, como se afirmou acima, de uma ciência tanto natural quanto sobrenatural. Diz-se natural toda ciência ou hábito que se adquire por um esforço meramente humano; ora, a teologia, enquanto ciência, exige um empenho por parte do homem em extrair conclusões a partir dos dogmas da fé com apoio da razão e dum método conveniente [8]. É também ciência sobrenatural sob tríplice título: (a) em razão de seu objeto, pois versa sobre verdades reveladas; (b) em razão de sua luz, que é a da fé; e (c) em razão de adesão, porquanto, auxiliada pela mesma fé, a teologia opera com mais segurança e nos ajuda a assentir com mais firmeza aos seus resultados [9].

5. Diferença entre Teologia e Fé. — A fé é uma virtude sobrenatural e infusa por Deus na alma. Com efeito, crer «só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo» [10]; este dom recebido por Deus nos faz prontos e dispostos a aquiescer firmemente a tudo quando Ele nos revelou, não porque «as verdades reveladas apareçam como verdadeiras e inteligíveis à luz de nossa razão» [11], mas antes «por causa da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-Se nem enganar-nos» [12].

Tendo isso presente, podemos distinguir a teologia da fé sob três aspectos: (a) objeto sobre o qual versam; (b) motivo por que fazem aderir à verdade; (c) modo por que apreendem o seu objeto [13]. Esquematicamente,

  • Objeto. A fé se ocupa de verdades divinamente reveladas; a teologia, dessas mesmas verdades e das conclusões delas inferidas.
  • Motivo. A fé crê por força da autoridade de Deus, ao passo que a teologia se baseia no valor e na coerência da ilação lógica.
  • Modo. A fê crê mediante um ato simples do intelecto; a teologia procede por meios discursivos (análise, síntese, comparação e dedução).

6. Disposições necessárias aos estudos teológicos. — Assim como as práticas desportivas exigem do atleta um corpo sadio e condicionado à atividade a que ele se quer dedicar, do mesmo modo as ciências pressupõem certos hábitos intelectuais que predisponham o pesquisador a encontrar e abraçar de modo seguro a verdade; e isso se faz tanto mais necessário quanto mais nobre é o objeto de que tratam as várias ciências. Ora, a ciência sagrada, por ter por objeto a Deus mesmo, requer não apenas tais hábitos, mas, sobretudo, a fé sobrenatural e as disposições morais necessárias a todo estudioso [14]:

I. Unidade de vida: a vida moral não pode divorciar-se da intelectual. A teologia é uma realidade eclesial, quer dizer, é uma atividade feita na e em consonância com a Igreja, Corpo místico de Cristo. Com efeito, não é possível ser teólogo sem um sincero e constante esforço por converter-se e configurar-se a Nosso Senhor, por guardar a fé recebida no seio de Sua Esposa por ocasião do batismo, por buscar aproximar-se de Deus e tornar-se Seu amigo. O Cardeal Ratzinger lembra-nos que

[...] a conversão é algo muito mais radical do que, digamos, a revisão de algumas opiniões e atitudes, é um processo de morte. Dito com outras palavras, é uma mudança de sujeito, o eu deixa de ser um sujeito autônomo, um sujeito que subsiste em si mesmo; ele é arrancado de si próprio e introduzido num novo sujeito. Não que o eu simplesmente desapareça, mas, de fato, ele tem que deixar-se cair inteiramente para, em seguida, ser concebido novamente num eu maior e juntamente com este. [15]

Trata-se, ademais, de

[...] um processo sacramental, isto é, de Igreja. O passivo de tornar-se cristão exige o ativo da ação da Igreja, onde a unidade do sujeito do fiel se apresenta corporal e historicamente e só a partir daqui é que pode ser adequadamente entendida a palavra paulina da Igreja como corpo de Cristo, ela se identifica com o revestir-se de Cristo, com o ser revestido de Cristo em que essa nova veste que ao mesmo tempo protege e liberta o cristão é o corpo de Cristo ressuscitado. Isso só é possível pelo batismo. [16]

A cisão entre vida e pensamento—vício hoje infelizmente alastrado em muitos meios acadêmicos—que hoje experimentam muitos intelectuais e cientistas deve servir-nos de aviso de que não é possível fazer nem filosofia, nem Teologia, nem ciência sem virtudes humanas e coerência.

II. Reta intenção: a motivação precípua do teólogo não deve ser outra senão o desejo ardente de promover a glória de Deus e o zelo pela salvação de todas as almas. Assim resume o comentário ao Cântico dos Cânticos arrolado entre as obras de São Bernardo: «Há quem deseje saber simplesmente por saber, e isto é vã curiosidade; há os que desejam conhecer apenas para serem conhecidos, e isto é vaidade; há os que querem aprender a fim de vender sua ciência por dinheiro ou honrarias, e isto é ganância. Há porém os que desejam conhecer para edificar os outros: é a caridade; há também os que buscam o conhecimento a fim de se edificarem a si próprios: é a prudência.» [17]

III. Sincero amor pela verdade: ao defrontar-se com argumentos contrários à fé, o teólogo deve compreender e expô-los conforme o sentido que os seus propugnadores lhes atribuem. Como adverte A. Tanquerey, «não faltam teólogos que atenuam as objeções de seus contraditores a fim de mais facilmente as poder dirimir; ou que distorcem o sentido de textos e fatos com o fito de responder sem embaraço; ou mesmo que dão demasiado crédito a argumentos meramente prováveis. Ora, tudo isso é estranho à perfeita sinceridade [...]. A verdade, para defender-se, não precisa de nossas mentiras.» [18]

IV. Humildade: fundada sobre a autoridade de Deus, a teologia demanda que obedeçamos docilmente às decisões do Magistério e aceitemos os seus ensinamentos; exige-nos também reverência ao que sentem e ensinam os Santos e Doutores da Igreja a respeito de determinado problema ou questão.

V. Perseverança: «a ninguém será possível progredir nos estudos teológicos, se não desejar aplicar-se-lhes constante e ardentemente. Não se diga que nada há de novo a descobrir em matéria teológica; ainda que as verdades de fé sejam perenes, podem sempre ser expostas e professadas de modos novos, mais adequados à linguagem dos homens do nosso tempo.» [19]

Referências

  1. Cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, I, q. 1, a. 3.
  2. Cf. A. Tanquerey, Synopsis Theologiæ Fundamentalis. Typis Societatis Sancti Joannis Evangelistæ. Paris: Descleé & Socii, 1943, t. 2, p. 189, n. 331.
  3. Cf. A. Knoll, Institutiones Theologiæ Theoreticæ seu Dogmatico-Polemicæ. Augustae Taurinorum, ex Pontificia Typographia, Petri Marietti, 1865, vol. 1, p. 4, §1.
  4. Teodoro da T. Del Greco, Teologia Moral. Trad. port. de Mons. J. Lafayette Álvares e Pe. Estêvão Bêntia. São Paulo: Paulinas, 1959, p. 23.
  5. Cf. A. Tanquerey, op. cit., p. 189, n. 332; v. G. Lahousse, Summa Philosophica ad Mentem D. Thomæ in Usum Alumnorum Seminariorum. Lovanii, Car. Peeters, 1892, vol. 1, p. 2, n. 2.
  6. I. Gredt, Elementa Philosophiæ Aristotelico-Thomisticæ. 13.ª ed., Barcelona: Herder, 1961, vol. 1, p. 3, n. 1: «Theologia procedit ex veritatibus revelatis, sub lumine supernaturali fidei cognitis.»
  7. Cf. A. Tanquerey, op. cit., p. 190, n. 333.
  8. Cf. Id., p. 191, n. 336.
  9. Cf. Id., p. 191, n. 337.
  10. Catecismo da Igreja Católica, n. 154
  11. Id., n. 156
  12. DS 3008.
  13. Cf. A. Tanquerey, op. cit., p. 191, n. 338.
  14. Cf. Id., pp. 219-221, nn. 379-382.
  15. J. Ratzinger, Natureza e Missão da Teologia. Trad. port. de Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 44 (grifo nosso).
  16. Id., p. 45.
  17. Serm. XXXVI in Cantic., 3 (trad. nossa).
  18. A. Tanquerey, op. cit., p. 220, n. 380.
  19. Id., p. 221, n. 382.
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