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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 1, 1-4; 4, 14-21)

Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra. Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo. Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste.

Naquele tempo, Jesus voltou para a Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza. Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam. E veio à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga, no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.

O Evangelho deste 3.º Domingo do Tempo Comum é tirado de duas partes do evangelista São Lucas. São os primeiros versículos que introduzem o Evangelho, o prólogo de São Lucas, em que ele diz para o seu leitor, Teófilo, o “excelentíssimo Teófilo”, que tudo o que ele vai ler nesse Evangelho foi feito a partir de uma pesquisa em que ele foi atrás das fontes primárias. Ou seja, ele foi atrás, de fato, das testemunhas oculares, das pessoas que viram aquilo que ele vai narrar.

Isso por uma razão muito simples: o evangelista São Lucas não é testemunha ocular de nada do que aconteceu aqui. Ele é o evangelista que não conheceu Jesus pessoalmente, mas ele foi atrás de quem viu as coisas. Por exemplo, toda a narrativa da infância de Jesus, São Lucas certamente a ouviu da própria Virgem Maria. A gente vê claramente que a narrativa traz coisas que só Maria poderia saber: por exemplo, “Maria guardava todas essas coisas em seu coração”. Como ele sabe disso? Porque foi ela quem contou isso para ele.

Pois bem, terminada a narrativa da infância, Jesus é batizado no Jordão, tentado no deserto e começa a fazer a sua pregação. Aí começa o versículo 14 do capítulo 4, onde se resume o que está acontecendo. Jesus voltou para a Galiléia: “com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza. Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam”. Isso quer dizer que Jesus começou a sua atividade, a sua vida pública, a sua pregação. Vejam, é interessante notar que São Lucas, que, dos quatro evangelistas, é aquele que salienta mais a presença do Espírito Santo, diz que Jesus volta de lá do deserto onde foi tentado pelo diabo, movido pelo Espírito Santo.

É interessante notar essa presença insistente do Espírito Santo no evangelho de São Lucas. São Lucas fala do Espírito Santo quando o anjo anuncia à Virgem Maria; São Lucas fala do Espírito Santo quando Isabel recebe a notícia da presença e a saudação da Virgem Maria; São Lucas diz que foi o Espírito Santo quem desceu sobre Jesus no batismo; São Lucas diz que foi o Espírito Santo quem conduziu Jesus para ser tentado no deserto. Agora, novamente, São Lucas diz que o Espírito Santo manda Jesus para a Galiléia.

Estou fazendo aqui um breve elenco, uma lista da realidade do Espírito Santo no evangelho de São Lucas até agora, para que você entenda o que vai aparecer depois, o que vai ser lido, porque Jesus, depois que está ensinando e certamente fazendo milagres em todos os lugares, finalmente volta para o povoado no qual Ele cresceu, no qual Ele foi criado. Então, “conforme era o seu costume”, e isso quer dizer que Jesus não passou trinta anos sem ir à sinagoga, era costume dele ir à sinagoga, Ele entrou na sinagoga num dia de sábado e levantou-se para fazer a leitura.

É interessante que a pessoa que lê na sinagoga é sorteada do número das pessoas que entram. Quando entra a pessoa, já dizem: “É você”. Então, é interessante notar aqui a ação da Providência divina que fez Jesus ser sorteado para ler. E não somente: a própria passagem que Ele irá ler, foi a Providência divina quem a preparou. Vejam o que diz o Evangelho. Vamos continuar lendo: “Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim”. Vejam, trata-se do capítulo 61 do livro do profeta Isaías.

É interessante a gente notar o seguinte: Jesus abriu o livro, mas não quer dizer que Jesus pegou (como temos hoje as nossas Bíblias), ou que Jesus foi lá, abriu a Bíblia na passagem que Ele queria. Não. Jesus abriu na passagem que estava já pronta para ser lida. Por quê? Porque, na época de Jesus, os livros não eram encadernados como os livros que temos hoje, em forma de códice. Ou seja, atualmente você pega um livro seu e você o pode abrir em qualquer página que quiser, em qualquer momento. Eu estou aqui com a minha Bíblia e eu posso abrir na página número 1, na página 50, na página 300, na página que eu quiser.

Mas, na época de Jesus, os livros eram conservados nas sinagogas em rolos, e esses rolos eram “o livro”, enrolado em dois bastões, mais ou menos como se fosse uma espécie de fita cassete: a pessoa ia girando os bastões e desenrolando o livro, até que chegava na passagem. É evidente que Jesus, aqui, já recebeu o livro aberto em Isaías 61. Ou seja, a Providência divina, Deus, quis que Jesus lesse essa passagem naquele dia. Já estava lá. Jesus não escolheu. Isso é muito claro no texto grego de São Lucas, porque está dito lá. Quando diz: “Jesus, abrindo o livro” ou seja, “Jesus, desenrolando o livro” (era um rolo, e Ele tinha de ler aquela passagem. Não havia outra alternativa.), Jesus vai e lê: “O Espírito do Senhor está sobre mim”.

Logo mais, comentaremos com mais em detalhes essa leitura que Jesus fez; mas, só para você entender o Evangelho todo: quando Jesus finalmente fecha o livro e o entrega para o servente da sinagoga, ele se senta, que é a posição do mestre que vai ensinar (é importante lembrar isso: o discípulo fala de pé; o mestre fala sentado, ele fala da cátedra, sentado na cadeira), Jesus se senta, e todo o mundo tinha os olhos fixos nele na sinagoga. Por quê? Porque, é claro, Ele tinha sido criado ali, eles conheciam Jesus. No entanto, agora, de repente, volta para Nazaré um Jesus de que eles nunca tinham ouvido falar, um Jesus que era pregador, um Jesus que fazia milagres, um Jesus diferente. Eles sabiam que Jesus era filho de José e vão ficar escandalizados com isso: “Não é esse o filho de José? Como ele vem com essa postura agora?”

Pois bem, Jesus estava ali e todos com os olhos fixos nele. Certamente, se passasse uma mosca na sinagoga, daria para ouvir o barulho da mosca pelo silêncio que se fez… Aí, então, Jesus diz essa palavra bombástica. Ele diz: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. No grego, ao pé da letra, está escrito: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura em vossos ouvidos”. O que quer dizer isso? Jesus está dizendo com todas as palavras claras: “Eu sou o Messias”, “Eu sou o Ungido de Deus, o Esperado”. Jesus está dizendo aqui, logo no início do seu ministério, quem Ele é, deixando com clareza a sua identidade.

Vamos entender isso aqui. Vamos pegar o contexto das coisas. Trata-se do capítulo 61 do Livro do profeta Isaías. O que é isso? O Livro de Isaías é dividido em três partes. A primeira parte fala do período anterior ao exílio. O profeta diz: “Olhem, vocês se convertam, pelo amor de Deus, porque senão vai vir o castigo”. O povo não se converte, aí vem o exílio. Quando o povo é exilado, aí vem a segunda parte do profeta Isaías, que é o livro da consolação. Deus começa a consolar o povo. O povo está exilado no cativeiro, “deixa-me consolar o meu povo”. Aí vem a terceira parte, quando o profeta anuncia o retorno do povo do exílio, e é exatamente isso aqui que está sendo lido.

Vejam só, no sentido literal e histórico, o que aconteceu lá atrás, 700 anos antes de Cristo? Aconteceu que o profeta anunciou para o povo: “O Espírito do Senhor está sobre mim. Ele me consagrou com uma unção”. O que é isso? É o Messias. O profeta está dizendo assim: “Eu sou o Ungido, eu sou o Messias, vim para anunciar a Boa-nova aos pobres”. Quem são esses pobres? O povo que está no exílio. “E enviou-me para proclamar a libertação dos cativos”. Que cativos? O povo que estava exilado. “E aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.

Então, o que o profeta está anunciando é a redenção, ou seja, o povo está no cativeiro e agora vai ser redimido. Foi isso o que aconteceu há cerca de 700 anos antes de Cristo. Acontece, porém, que a tradição judaica enxergou nessa passagem do profeta Isaías, uma profecia que anunciava o Messias que viria libertar Israel. Quem é o Messias? Quem o povo estava esperando? O povo estava esperando um libertador, um homem ungido de Deus, e a palavra “ungido” em grego é “Khristós”, “Cristo”. O povo estava esperando um Cristo, um ungido; o povo estava esperando um ungido de Deus, e a palavra “ungido” em hebraico é “Mâshiyach”, “Messias”. Esse era o previsto, era aquele que tinha sido anunciado, o esperado pelo povo de Israel, que viria para libertá-lo.

Então, na época de Jesus, todo o povo de Israel esperava que viesse esse libertador, porque o povo estava novamente no cativeiro, estava sofrendo sob o domínio do Império Romano. O que o povo não sabia é que o libertador que viria iria nos libertar de uma coisa muito mais tremenda, muito pior do que o Império Romano: do pecado e do diabo. O imperador romano é um nada perto do diabo; a opressão política dos romanos é ínfima diante da opressão horrorosa que o pecado realiza em nós.

Nós temos de entender que somos um povo que anda nas trevas e que vivemos na pior de todas as escravidões possíveis, na pior de todas as ditaduras imagináveis: é a ditadura do diabo e do pecado. As correntes que nos amarram são muito mais graves, muito mais sérias do que qualquer ditador que jamais acorrentou um povo ou jamais acorrentará. Vamos supor. Está todo o mundo falando da implantação de uma ditadura mundial que virá, porque os globalistas irão implantar um governo mundial, ditatorial, nos moldes da ditadura da China. Essa história de “aplicativo de vacina”, de “passaporte vacinal”, tudo isso daí vem para fazer um “grande ‘reset’”, onde vai se colocar uma opressão e uma ditadura mundial.

Tudo isso é terrível, e é claro que devemos lutar contra isso. Só que acontece que há outra ditadura que está aí faz horas, e as pessoas não estão lutando contra ela. É uma ditadura muito pior: a ditadura de Satanás. A ditadura opressora mundial vai ser possível porque Satanás já está como ditador no coração das pessoas, e as pessoas fazem de tudo para não sair dessa sua opressão. Nós somos exilados, nós somos subjugados, estamos debaixo das piores correntes. Por quê? Porque esse nosso ditador, esse déspota que nos mantém acorrentados, Satanás com seus demônios, quer implantar uma ditadura, não uma ditadura mundial; ele quer implantar uma ditadura eterna, que chama-se inferno. O inferno é para sempre! É o pior sofrimento e a pior opressão que nós poderíamos sofrer!

Então, vejam só o Evangelho, a Boa-nova que Jesus está anunciando nesse contexto. Na sinagoga de Nazaré, Jesus manifesta quem Ele é. Quem é Jesus? Jesus é Deus que se fez homem. A humanidade de Cristo está tão unida à natureza divina pela união hipostática, que Ele é o Cristo, o Ungido, o Messias. É isso o que Jesus está dizendo aqui: “O Espírito do Senhor está sobre mim”. É isso o que o profeta Isaías anuncia: “Ruah Adonai alai”, ou seja, “O Espírito do Senhor está em mim”! Isso aqui, gente, é muito importante, muito profundo.

O Espírito do Senhor está em Jesus porque Ele é o próprio Deus, Ele é o Messias. É evidente que isso é um escândalo para os nazarenos, para os habitantes de Nazaré. “Como pode ser que esse menino que nós vimos brincando em nossas ruas, o filho do carpinteiro, como ele pode ser o Messias? Foi ele quem fez a porta lá de casa, foi ele quem fez esta mesa e aquela cadeira. Ele passou aqui trinta anos, vindo à sinagoga todos os sábados, e nunca abriu a boca. De onde vem essa sabedoria agora? De onde vem essa coisa de que Ele é o Messias?”

E, no entanto, Jesus é o Messias. Ele Deus que se fez homem e revestiu essa humanidade de Cristo com uma unção para anunciar a Boa-nova aos pobres. Pobres de quê? Pobres espiritualmente, pobres porque desprovidos da graça. Deixem-me usar esta expressão forte: “Eu vim dar a boa notícia aos desgraçados!” Sim, aos desgraçados! Nós somos os desgraçados, nós somos os escravos de Satanás no pecado, os desgraçados a quem ele veio anunciar a Boa-nova. Ele veio para proclamar a libertação aos cativos, àqueles que estão oprimidos pelo pecado, por Satanás. Aqui, Nosso Senhor diz uma coisa que não está no original hebraico: “E aos cegos a recuperação da vista”. Ou seja, Ele veio para nos dar a fé, a nós que estávamos sem fé veio nos dar a visão; libertar os oprimidos, aquelas pessoas que têm um coração que é contrito. Essa é a realidade que Ele veio proclamar. Ele veio nos dar tudo isso.

Meus queridos, é uma grande alegria para nós saber que, de fato, nós temos um Salvador, mas a grande miséria da humanidade é que ela não se acha necessitada de um Salvador. O povo da sinagoga de Nazaré, dois mil anos atrás, quando Jesus leu essa passagem, era um povo que esperava um Salvador, mas eles rejeitaram Jesus porque não combinava com a ideia de Salvador que eles tinham na cabeça. Nós estamos numa situação bem pior porque nem sequer esperamos um Salvador, nem sequer nos damos conta de que estamos oprimidos, de que estamos verdadeiramente acorrentados debaixo de uma ditadura das mais tremendas.

Jesus vem e vem para nos libertar. Essa é a verdadeira “teologia da libertação”, aquela que nos liberta do pecado. Jesus vem para nos resgatar, e esse resgate significa o seguinte: você não nasceu para ser egoísta; você nasceu para amar. A gente vê tantas e tantas pregações dentro da Igreja onde as pessoas dizem assim: “Imagine! Não precisa dessa visão negativa, porque Deus é amor, Deus é bom, Deus é misericórdia”. Mas, quando você vai ver a vida dessas pessoas, é a vida de quem se acomodou e não quer amar. “Ah! Deus é amor, então eu não preciso amar. Eu posso ser egoísta, mentiroso, sem-vergonha, trapaceiro, impuro, adúltero”. Como assim “Deus é amor”, e você é esse tipo de escória?! Não, Deus é amor e Ele vem para libertar você da escravidão do pecado, para sair da miséria do seu egoísmo.

Você precisa entender isso: que, se Deus é amor, você precisa ser amor também, você precisa sair de si mesmo. Como Deus é o Deus da libertação, e você é um sequaz da escravidão mais imunda e mais porca, do egoísmo, da impureza, da dependência do sexo, da mentira, do dinheiro, dos prazeres mundanos?! Como Deus é libertação, e você, que diz que segue a “libertação”, vive nesse tipo de escravidão nojenta? Não! Isso está errado! Jesus veio para anunciar a Boa-nova e veio, portanto, para mudar a sua vida, veio para incomodar você; mas não é possível abraçar a libertação que Cristo vem trazer se você não se der conta de que precisa ser salvo, de que necessita de um Salvador.

Que a graça de Cristo toque o seu coração e que verdadeiramente aconteça isso que está profetizado pelo profeta Isaías e que foi lido na sinagoga de Nazaré. Que o Espírito do Senhor esteja sobre você. Que você receba essa iluminação interior de enxergar: “Chega! Chega de ser egoísta! Chega de ser pecador! Chega de estar mancomunado com a pior espécie de gente que rejeita Cristo e que rejeita o seu Evangelho!” Coragem! Vamos abraçar Aquele que vem para nos salvar. Não interessa se o povo de Nazaré vai nos rejeitar e vai querer nos expulsar. O que interessa é que precisamos estar com Jesus, porque Ele foi enviado para nós, e nós podemos rejeitá-lo.

Precisamos aceitar o Evangelho, um Evangelho que nos incomoda, que nos desafia e que pede mudança de vida, libertação da escravidão do pecado, do egoísmo e da miséria, para abraçar o Deus de verdadeira misericórida que nos desafia para o amor, que nos dá a graça de abandonar o pecado e mudar de vida. Procure a unção do Espírito Santo no sacramento da Confissão. Então, você receberá o anúncio da Boa-nova destinada aos pobres desgraçados que se dispõem a voltar para a graça.

Comentário

Explicação do texto.E foi a Nazaré, onde se tinha criado, e, segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga. Segundo de Bruges, o evangelista refere-se ao costume de frequentar a sinagoga, que Jesus observara desde pequeno; outros pensam que se trata do costume de ensinar todos os sábados na sinagoga, como é dito pouco antes (v. 15): Ensinava nas sinagogas deles etc. — E levantou-se, oferecendo-se espontaneamente ou a pedido do arquisinagogo, para fazer a leitura.

V. 17. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías, e quando desenrolou (lt. explicuit) o livro etc. A lição gr. criticamente mais provável é ἀνοίξας = ‘como abrisse’; contudo, a lição da Vg exprime melhor a ideia (gr. ἀναπτύξας, cf. v. 20: πτύξας), pois os livros dos hebreus tinham formato de rolo. Jesus encontrou (gr. εὗρεν, lt. invenit) o lugar não por acaso, mas de propósito, embora sem esforço.

V. 18. O Espírito do Senhor repousou sobre mim etc. As palavras são tiradas de Is 61,1s, mas um pouco modificadas (do v. 1, omite-se: curar os de coração despedaçado, e do v. 2: o dia da vingança do nosso Deus; acrescenta-se de Is 58,6: deixar ir livres os que estão oprimidos). Ali, o Servo de Javé expõe o plano da futura obra da redenção. Eleito pelo Senhor (Javé) e investido de uma missão oficial (gr. ἔχρισέν με, lt. unxit me), foi enviado (gr. ἀπέσταλκέν με) para pregar um ano de indulgência divina, trazer aos miseráveis e afltios (gr. πτωχοῖς, hebr. anawîm = pobres, desprezados) a alegre notícia de uma nova era; a libertação e a manumissão aos cativos (aos que estavam detidos em cativeiro pelos gentios ou, em sentido espiritual, aos que estão aprosionados sob o poder do pecado e de Satanás), e aos cegos, i.e. aos que desejam luz por estarem sentados nas trevas e na sombra da morte (cf. Is 9,2; 42,7; 49,6), a vista, i.e. a luz da felicidade e da liberdade (ou, em sentido material por metonímia, aos que são afligidos por doenças e dores corporais a cura, i.e. pondo uma só espécie por todo o gênero); aos que são oprimidos pela força (gr. τεθραυσμένους, lt. confractos) a esperança e o conforto da libertação (in remissionem).

Numa palavra, exprime a missão de que foi encarregado: Pregar o ano favorável (gr. δεκτόν = aceito, grato, i.e. cheio de graça e benevolência) do Senhor, i.e. um ano (= um tempo) em que Javé estará maximamente disposto a perdoar e atender. A nova era é comparada a um ano sabático ou a um ano jubilar (cf. Lc 25,10.39ss; Dt 15; Jr 34,8ss), no qual todos recuperavam o patrimônio perdido e os servos eram postos em liberdade (1). De fato, o advento de Cristo constitui o jubileu perfeitíssimo e definitivo, no qual os escravos do pecado recuperam a antiga liberdade e, antes expulsos da herança paterna, voltam ao estado de graça e de eterna bem-aventurança (cf. Is 49,8; 2Cor 6,2) (2).

V. 21. Hoje se cumpriu esta escritura (este lugar da Escritura) em vossos ouvidos, i.e. o que acabais de ouvir: ‘nesta mesma hora em que a ouvistes ela começou a se cumprir’, ou ‘já está cumprida’. O autor sagrado nos deixou apenas o início e o tema do sermão, mas passou em silêncio, pelo que se pode supor, a belíssima explicação da profecia. Que, no entanto, tenha sido belíssima, pode-se inferi-lo do v. seguinte. Com efeito:

V. 22a. Todos lhe admiravam a habilidade para falar, a suavidade, a elegância e a força persuasiva das palavras (verba gratiæ); não só isso, manifestavam também aprovação (gr. ἐμαρτύρουν, lt. testimonium illi dabant) ao que era dito por ele. Segundo Mt e Mc, admiravam-se por causa da doutrina, da sabedoria e das virtudes, i.e. dos milagres de Cristo; de fato, consta por Mc 6,5 que ele já realizara ali alguns milagres, poucos embora.

V. 22b. Mas, tendo-se lembrado da condição modesta de seus pais e de seu passado humilde, os nazarenos imediatamente converteram em desprezo o que antes fora admiração, e diziam: Não é este o filho de José? Em Mt: Porventura não é este o filho do carpinteiro, i.e. de um simples plebeu? Em Mc: Não é este o carpinteiro, filho de Maria . . . ? Era-lhes forçoso testemunhar sua ciência, virtude etc.; mas, como vissem que era de origem e condição humilde, ficavam escandalizados com ele (Mt 13,57: gr. σκανδαλίζοντο ἐν αὐτῷ, lt. scandalizabantur in eo), i.e. parecia-lhes um excesso que Jesus se arrogasse a dignidade messiânica e se proclamasse enviado por Deus.

V. 23. Mas Jesus está preparado para responder a tais preconceitos: Sem dúvida que vós me aplicareis esta semelhança (gr. παραβολήν, lt. similitudinem = provérbio): Médico, cura-te a ti mesmo (3). Este v. se pode explicar de um duplo modo: a) relativamente ao projeto messiânico antes apresentado: ‘Se queres, como o Messias, remediar os males de outros, então cumpre primeiro em ti e em tua casa as resoluções e deveres que te atribuis’; ou b) no sentido referido pelas palavras seguintes: Todas aquelas grandes coisas que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum etc., i.e. ‘parece justo que por tua cidade, Nazaré, realizes os mesmos sinais que ouvimos realizastes para os habitantes de Cafarnaum, uma cidade para ti estrangeira’.

V. 24. Jesus, porém, responde a essa objeção com outro provérbio: Na verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua pátria; os homens, com efeito, costumam admirar as coisas raras e exóticas, e desprezar as cotidianas e familiares, ainda que sejam grandes (Teofilacto), pois, como diz o ditado, assueta vilescunt, o costumeiro torna-se banal. Nos outros sinóticos lê-se: Não há profeta sem prestígio senão na sua pátria, na sua casa (Mt e Mc) e entre os seus parentes (Mc).

V. 25ss. No tempo da carestia, durante o reinado de Acab, o profeta Elias não foi enviado a nenhuma das viúvas de Israel, mas apenas a uma viúva pagã de Sarepta (hoje Sarafand), no território da Sidônia, para lhe multiplicar a farinha e o óleo (cf. 1Rs 17,9ss). Deus manifesta seu poder onde bem lhe apraz, não onde prefeririam os homens, e nisto não faz qualquer injustiça. — Durante três anos e seis meses; indica o mesmo número Tg 5,18. O que se lê em 1Rs 17,1 e 18,1, sc.: que choveu no terceiro ano, deve-se entender em referência ao tempo transcorrido desde a estadia de Elias na casa da viúva em Sarepta; mas, antes dessa estadia, passara já algum intervalo de tempo, i.e. o período que profeta esteve junto da torrente de Garit (cf. 1Rs 17,5ss). — Muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi curado (pelo profeta), senão Naamã, o sírio (cf. 1Rs 5,9ss). Logo, se Jesus age de modo semelhante, bem-fazendo antes a estrangeiros que a seus conterrâneos, estes não têm por que repreendê-lo.

V.28ss. Os nazarenos, que queriam ouvir coisas agradáveis (cf. Is 30,10), vendo-se preteridos em proveito não só de outras cidade, mas até mesmo de pagãos, encheram-se de ira . . . lançaram-no fora da cidade e conduziram-no até o cume do monte, sobre o qual (gr. ἐφ’ οὗ = junto, ou perto do qual) estava edificada a sua cidade. Este monte não é o chamado mons saltus, ou monte do precipício (ar. djbel el-qafze), situado a mais ou menos 3 km ao sul da cidade, embora tenha sido identificado com ele muitas vezes a partir do período bizantino; provavelmente, trata-se de certo declive, contíguo à igreja dos maronitas, com cerca de 40–50 pés (10–12 m) de altura. — Mas ele, passando (gr. διελθών = tendo pasado) pelo meio deles, ou por ter-se feito invisível, ou por tê-los cegado momentaneamente, ou por lhes ter mudado a intenção, ia, i.e retirou-se a passo lento e grave (cf. Jo 7,30.45; 8,59).

Referências

  1. H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., iterum recognita a J. G. Dorado. Marietti, 1944, vol. 1, p. 619, n. 448, nota 1: ‘O termo «ano» não tem aqui mais que um valor simbólico. Os tempos de glória não se reduziam a um ano no pensamento de Isaías [só] porque eram comparados com o anjo jubilar’; M.-J. Lagrange, L’Évangile de Jésus-Christ. Paris, J. Gabaldas et Cie., 1954, p. 112, nota 3: ‘Limitar a pregação de Jesus a um ano por causa deste texto é o mesmo que limitar a um ano o tempo da salvação, período que se crê deveria ser muito longo, senão indefinido. Este ano dura até hoje’.
  2. Is 61, 3: E o dia da retribuição (falta no texto gr.), hebr. jôm nakam, LXX ἡμέραν ἀνταποδόσεως, i.e. o dia da vingança, quando as injúrias a Deus serão vingadas. Por isso o Messias será para uns causa de ressurreição; para outros, de ruína. O evangelista, contudo, seguindo o Senhor, omite de propósito estas palavras, a fim de não mesclar notícias tristes com alegres.
  3. Este provérbio era comum entre hebreus, gregos e romanos, e.g. ‘Médico, cura teu aleijão’ (Beresith rabba, 23); Ἂλλωυ ἰατρὸς αὐτὸς ἓλκεσιν βρύων (Eurípedes, fragm. 1071, ed. Nauck, III, p. 296); ‘Et, fateor, medicus turpiter æger eram’ (Ovídio, De arte amandi, 316).
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