O Evangelho de hoje (Mc 6, 1-6) conta-nos a rejeição que Jesus recebeu por parte dos seus parentes de sangue. É interessante notarmos isto: são exatamente aquelas pessoas que tinham um parentesco com Jesus, o povo de Nazaré, que o viram crescer e viver ali no seu dia a dia, que se demonstraram incapazes de ter fé nele. Aqui, temos o escândalo daquilo que é o mistério da Encarnação, e podemos aproveitar esse Evangelho para meditar a respeito disso.
Antes do nosso tema principal, é importante um pequeno esclarecimento catequético: aqui se fala que Jesus é filho de Maria e “irmão” de Tiago, José, Judas e Simão. Estes quatro nomes são de parentes de Jesus, não de irmãos de sangue. Nós sabemos disso com certeza. Primeiro, a certeza da tradição que diz que Maria foi “sempre virgem”; portanto, Jesus é o único filho de Maria. Nossa Senhora foi “virgem antes, durante e depois do parto”, o corpo da Virgem Santíssima permaneceu sempre intacto.
E quem são esses nomes citado no Evangelho? Quem é esse Tiago, por exemplo? Ora, a própria Bíblia nos responde: na Carta aos Gálatas, São Paulo diz que os únicos Apóstolos que ele conheceu pessoalmente foram São Pedro e São Tiago, irmão do Senhor. Mas se nós formos olhar na lista dos Apóstolos quem são os “Tiagos”, iremos encontrar dois: Tiago, filho de Zebedeu, que é o irmão de São João; e Tiago, filho de Alfeu, que é o “irmão do Senhor”. Ora, mas claramente ele não é filho de José, mas de Alfeu, e sua mãe estava aos pés da Cruz: é Maria de Cléofas, porque está escrito que estava, aos pés da Cruz, Maria, mãe de Tiago.
Os protestantes insistem, para desonrar Nossa Senhora, que ela teve outros filhos, o que não é verdade: Jesus é filho único da Bem-aventurada, Imaculada e Santíssima Virgem, nossa mãe Maria. Resolvido esse problema, vamos nos debruçar sobre outra questão maior da nossa fé, a Encarnação.
A Encarnação é o escândalo de que Deus, o próprio Criador do universo, Aquele que sustenta o universo inteiro, faz-se um frágil bebê sustentado nos braços de Nossa Senhora. Deus, que alimenta os pássaros, as aves do céu e as feras da mata é aquela criança nascida em Belém e amamentada por Maria. O mundo foi feito por Ele e nada do que existe foi feito sem Ele; e mais: foi feito para Ele — das árvores e nuvens às estrelas e galáxias distantes. É tudo para Jesus, o Deus criador de todas as coisas e a razão de ser do universo. Ora, para quem não tem fé, isso é escandaloso!
Imaginem que chegasse uma pessoa entre nós e dissesse: “Bom dia, eu sou o Criador do universo”. Iríamos rir e acusá-lo de louco. No entanto, esta é a fé cristã. Nós cremos nisso por vários sinais que Jesus nos dá, e com esses sinais, começa a surgir dentro de nós a fé.
Fiquemos atentos: Jesus não “prova” que Ele é Deus, não existe “prova” de que Jesus é Deus, porque essa prova por si mesma seria absurda. Isso porque, num sentido moderno, as pessoas entendem por provas somente a evidência material que é possível colocar sobre uma mesa, apontar e dizer: “Pronto, agora está provado”. Mas no mundo espiritual, isso não é possível. As pessoas tendem a acreditar naquilo que veem, que tocam, que cheiram etc., e dizem que isso é a verdade; mas, se há algo que não pode ser captado simplesmente com nossos sentidos corporais, é a verdade!
O seu cachorrinho é capaz de ver um “bolo de carne”: cheirar, mexer com a pata, ver com os olhos dele e depois comer, mas ele não é capaz de saber a verdade daquilo que ele comeu. O que é aquele “bolo de carne”? Ora, para vermos a verdade sobre aquilo, é preciso inteligência, ou seja, é necessário termos mundo espiritual, alma. O que o cachorrinho comeu: um tumor, um filé, um feto humano? O cachorrinho não é capaz de ver a diferença fundamental entre uma coisa e outra, mas apenas de perceber diferenças sensoriais: sabor, textura, cheiro. O animal não tem, por exemplo, moralidade, não tem noção do que é e do que não é pecado fazer.
Pois bem, o mundo espiritual é o que nos faz humanos, pois transcende aquilo que é palpável, e é isso que realmente faz as nossas vidas terem significado. Se fôssemos somente animais, não haveria diferença entre a sua mãe deitada numa mesa de cirurgia e uma peça de animal sobre um balcão de um açougue. Mas porque somos capazes de ver a dignidade humana, somos capazes também de refletir espiritualmente, e mesmo o cirurgião que consegue ver a dignidade de sua mãe também não consegue ver em profundidade o que a sua mãe significa para você — todo o relacionamento espiritual e afetivo, toda a história entre vocês dois —, porque ele não sabe quem é aquela pessoa.
Sabemos, ainda que intuitivamente, que se quisermos conhecer uma pessoa, não basta descrever as suas características físicas, precisamos refletir sobre ela e descobrir espiritualmente quem ela é. Se é assim com relação às pessoas humanas, quanto mais não é para a pessoa divina? A pessoa da Santíssima Trindade, a Segunda Pessoa, o Filho que veio e se fez homem.
A pergunta básica dos Evangelhos e das nossas vidas é: quem é Jesus?
Mas para saber quem é alguém, nós acompanhamos a sua narrativa, a sua vida. Descobrimos onde ela nasceu, como foi educada, o que fez na vida adulta, quais os seus atos heroicos e pecaminosos, as suas virtudes e defeitos. Pelo seu agir, a pessoa vai dando sinais externos do que ela é por dentro, ainda que permaneça sempre com algum mistério. Percebemos, portanto, que não existe nenhuma prova científica que mostre quem é uma pessoa. Para sabermos isso, é necessário o convívio, o frequentar, estar junto dessa pessoa, e então poderemos dizer quem ela é.
É como quem se casa e, naturalmente, vai descobrindo com o passar dos anos quem é realmente o seu cônjuge. É algo que se consolida ao longo do tempo: depois de dez, vinte, trinta anos, aquela pessoa significa muito mais para o outro, que vai convivendo, confiando, conhecendo em detalhes a narrativa do outro, refletindo sobre tudo isso.
Ora, para sabermos quem é Jesus, precisamos conviver com Ele também em sentido profundo. Os Evangelhos nos dão um pouco desse conhecimento, mas a vida dos santos nos dão mais ainda: uma convivência com Jesus vivo e verdadeiro ainda hoje.
Há uma famosa narrativa de conversão de um bispo inglês, Anthony Bloom: aos quatorze anos de idade e ateu, decidiu que iria provar a falsidade dos Evangelhos. E, numa petulância típica dos tempos modernos, já que para fazer esse “grande empreendimento” não queria gastar muito tempo, perguntou a seu pai qual dos quatro Evangelhos era o mais curto. Então começou a ler o Evangelho de São Marcos, para provar logo que aquilo tudo era um grande engodo.
O fato é que, depois de ler algumas páginas, Anthony começou a experimentar algo estranho: a sensação de que aquela pessoa a respeito da qual ele estava lendo, Jesus, estava ali com ele no escritório de seu pai. Mas o garoto continuou lendo até que, finalmente, teve a experiência da fé: e viu que Jesus estava vivo! É claro que isso foi uma graça de Deus, uma intervenção divina, uma gratia actualis (graça atual). Deus tocou o coração daquele rapaz de uma forma sobrenatural, que não acontece com todo mundo. Deus dá graças atuais, mas de um jeito diferente a cada um.
O que podemos resumir desta reflexão de hoje para que você continue a refletir? Primeiro, resolvemos um problema catequético, esclarecendo que Maria é sempre virgem, e que esses “irmãos” de Jesus no Evangelho são simplesmente primos. Resolvida essa questão, por que esses parentes de Jesus, que conviveram com Ele em Nazaré ,não creram? Porque é muito difícil crermos em alguém que vimos crescer e que, de repente, demonstra que é o próprio Deus. Imagine quão grande deve ser a humildade que alguém precisaria para dizer: “Deus estava do meu lado o tempo todo e eu não vi”.
Enfim, para sabermos verdadeiramente quem é Jesus, não será possível recorrermos a provas científicas, a evidências laboratoriais, porque não é assim que acessamos a verdadeira natureza de alguém. Para sabermos quem é uma pessoa, precisamos conviver com ela e precisamos “baixar o escudo”. Se estamos sempre desconfiados, não tem como vivermos o amor, porque nunca vamos conhecer, de fato, aquela pessoa.
É no relacionamento com Jesus que nós o conhecemos. Para sabermos quem é Jesus, nós precisamos de um ato de fé; e não somente para Ele, até para conhecermos um cônjuge, os filhos ou um amigo precisamos de uma certa fé humana. Para conhecermos Jesus, que é uma pessoa divina, precisamos de uma fé também divina.
Por isso, o escândalo dos habitantes de Nazaré é compreensível, mas não justificável. É a soberba que levanta o nosso escudo e não deixa que Deus toque o nosso coração. Permitamos que Nosso Senhor nos fale ao coração, dizendo em nossa oração: “Jesus, estou aqui! Senhor, eu abro o meu coração e confio em Vós!” E fiquemos atentos: quando baixamos o escudo para Deus, Ele fala, mas nem sempre o que gostaríamos de ouvir.
Deixemos, com confiança, que Ele nos toque: Ele é bom, é sábio, e quer nos falar.
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