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Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 9,14-17)

Naquele tempo, os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: “Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?” Disse-lhes Jesus: “Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão.

Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. Também não se põe vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se põe em odres novos, e assim os dois se conservam”.

A polêmica dos fariseus com Jesus a respeito do jejum nos ensina várias coisas que iluminam a nossa vida cristã. Os acontecimentos da vida de Cristo não são somente acontecimentos que nós curiosamente podemos conhecer, senão que cada pequeno acontecimento é salvífico, e existe algo de salvífico nessa polêmica a respeito do jejum. Em primeiro lugar, Jesus nos mostra que, enquanto o Antigo Testamento esperava a vinda do esposo, que é Ele próprio, eles podiam jejuar. Na verdade, o verdadeiro jejum da humanidade é não ter consigo o Cristo Senhor. Aqui nós precisamos compreender que a nossa alma, o nosso coração, no fundo, no fundo, tem uma grande sede e uma grande fome da felicidade trazida por Jesus. Uma vez que o Esposo está conosco, já não há mais jejum, porque o nosso coração pode se saciar dele. Ele é o nosso alimento.

É evidente que voltamos aqui o nosso olhar imediatamente para a Eucaristia. Cristo está conosco, sim. Nós temos fome dele, até que Ele finalmente venha. Quando olhamos para a prática da Igreja, que nos ensina fazer o jejum eucarístico, é como se tivéssemos ali, antes de receber a Eucaristia, naquele tempo de fome, simbolizado o Antigo Testamento, a expectativa da vinda do esposo; mas uma vez que Ele vem, Ele vem como alimento, Ele vem para saciar a nossa fome para estar unido a nós em nosso coração. Esse é o primeiro ensinamento que temos no Evangelho de hoje. Jesus depois faz uma comparação. Ele fala de vinho novo em odres novos e fala do remendo novo que não deve ser colocado em pano velho.

O que Ele quer indicar com essa comparação? São João Crisóstomo tem uma interpretação bastante interessante com relação a isso (cf. hom. XXX 4 in Matth). Ele recorda o seguinte. Veja, os discípulos de Jesus ainda não tinham recebido o Espírito Santo, o que quer dizer o seguinte: a essa altura do campeonato, eles ainda são frágeis, ainda são pano velho, ainda são odres velhos, não estão prontos para o vinho novo nem para o pano novo. Isso quer dizer que, quando vier o Espírito Santo, eles estarão prontos para receber a cruz e, assim, transformar dor em amor, estarão prontos para o jejum e a penitência, que é o carregar a cruz por amor a Cristo.

Também aqui nós temos um outro ensinamento importante para a nossa vida espiritual. É necessária uma renovação interior, é necessário que recebamos o Espírito Santo para que a nossa vida esteja totalmente configurada à de Cristo. Quando nós nos unimos ao Esposo, Jesus, essa união só é profunda e verdadeira quando estamos unidos a Ele no Espírito Santo. É o Espírito Santo quem realiza essa união com Cristo, e Ele vai transformando o nosso mundo interior e configurando o nosso coração ao de Jesus.

Por isso saibamos: a vida cristã é, sim, uma vida de união a Cristo; mas não é uma vida indolor. Na verdade, são as dores de parto do nascimento de um homem novo, de uma mulher nova. Por isso, recebendo o Espírito Santo, nós seremos capazes de jejuar, ou seja, de passar por esse trabalho de parto em que, finalmente, nascerá de um ser egoísta como nós um homem ou uma mulher capaz de amar, porque muito unidos ao Cristo esposo, de tal forma que poderemos dizer: “Vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20).

* * *

Argumento. — Trata-se do terceiro conflito com os fariseus, ocasião para o Mestre expor sua doutrina sobre a relação entre o espírito novo e o antigo. A questão aqui não é sobre preceitos da lei, mas sobre alguns costumes piedosos dos judeus; em particular, o de jejuar certos dias da semana.

1) As circunstâncias de tempo e lugar parecem claramente indicadas por Lucas: durante um banquete em casa de Levi (cf. 5,29); também Mateus escreve: Então foram ter com ele etc. (9,14; cf. v. 10). Marcos, no entanto, afirma explicitamente que o episódio ocorreu no dia em que tanto os fariseus quanto os discípulos do Batista jejuavam, o qual dificilmente seria dia de jejum legal (a saber, a festa da Expiação), mas de jejum devocional; os fariseus, com efeito (e, ao que parece, também os discípulos de João), jejuavam frequentemente (Lucas: πυκνά), sobretudo às terças e quintas-feiras.

2) Exposição do texto (cf. Mt 9,14-17; Mc 2,18-22; Lc 5,34s). — Mt 9,14: Então, os discípulos de João (Marcos acrescenta: e os fariseus; Lucas: os fariseus e os mestres da lei), dirigindo-se a ele, perguntaram: Por que jejuamos nós e os fariseus, e os teus discípulos não? Perguntam-no os discípulos de João, movidos talvez por certa rivalidade, e alguns fariseus, (i) ou porque Cristo não impusera aos próprios discípulos nenhum preceito especial de jejum, como os fariseus e João, (ii) ou porque, como dito acima, no mesmo dia do banquete (cf. Mt 9,10; Mc 2,15; Lc 5,29), estavam eles de jejum por devoção privada.

A isso responde Cristo com fina sabedoria: agora o jejum seria intempestivo e, além do mais, nocivo, o que ele explica em seguida com quatro belas e elegantes parábolas, rebatendo a questão com outra:

a) Os filhos do esposo (cf. Mt 9,15; Mc 2,19s; Lc 5,34s):

α) Imagem. — Enquanto dura o tempo das bodas, não convém que os convidados jejuem, pois isto seria dar sinal de tristeza (Mateus: πενθεῖν = chorar, lamentar) num momento em que é preciso alegrar-se. Do mesmo modo, é indecoroso que os discípulos, enquanto estão na companhia de Cristo, se mortifiquem com jejuns e outras penitências. Após a ida dele, será tempo de jejuar e chorar. — A expressão ‘filhos do esposo’ (em Marcos, ‘filhos das bodas’, lt. ‘filii nuptiarum’; gr., nos três sinóticos, ‘οἱ υἱοὶ τοῦ νυμφῶνος’, i.e. ‘filhos do tálamo’ ou ‘do cubículo nupcial’; hebr. ‘benê chuppa’), embora designe na Mishna (cf. Hier. Sukk. 53a) todos os convidados para as bodas, parece significar aqui certos adolescentes em companhia dos quais o esposo ia ao encontro da noiva, com pompa festiva e alegre. Cabia-lhes manter a alegria durante os sete dias de núpcias. Não devem ser confundidos com os chamados amigos do esposo (hebr. ‘shoshbînîn’, gr. ‘παρανυμφίοι’) de que se fala em Jo 3,29, que eram apenas dois (ao menos na Judeia) e gozavam de maior familiaridade, mesmo no que dizia respeito somente ao casal.

β) Sentido espiritual. — A permanência do Verbo encarnado entre os homens é certo tempo de bodas (cf. Sl 44 e Ct, passim), no qual têm os convidados o único dever de desfrutar da presença do Esposo e em tudo lhe fazer a vontade; mas dias virão em que lhes será tirado (ἀπαρθῇ, alusão à morte de Cristo) o esposo, e então eles jejuarão, i.e. terão luto e tristeza pelas tribulações iminentes e pela ausência de Cristo. Como se depreende das palavras ‘dias virão’ etc., é evidente que a imagem é uma comparação mais alegórica que estrita.

b) Retalho novo em roupa velha (cf. Mt 9,16; Mc 2,21; Lc 5,36): 

α) Imagem.Ninguém põe (gr. ἐπιράπτει = costura, cose) um remendo (gr. ἐπίβλημα, lt. vulg. assumentum; em Mateus: comissuram) de pano novo (ἀγνάφου = pano cru, ou ainda não apisoado) numa veste velha, porque arrancaria uma parte (gr. πλήρωμα, lt. plenitudinem) da veste, ou seja, quando se molhar, irá contrair-se, repuxando as partes circunstantes, e por isso o rasgão ficaria pior que dantes. Marcos o diz com mais clareza: do contrário, o remendo novo leva parte do velho, e torna-se maior o rasgão. A mesma ideia, um pouco modificada, é apresentada por Lucas: Ninguém tira retalho de roupa nova para fazer remendo em roupa velha; senão vai rasgar a roupa nova, e o retalho novo não combinará com a roupa velha. Em Mateus e Marcos, portanto, o que sofre prejuízo é a roupa velha, ainda mais rasgada; em Lucas, a nova, retalhada sem propósito.

β) Sentido espiritual. — Da questão sobre o jejum Cristo se eleva a um argumento mais amplo e profundo, a saber: ao espírito da nova lei, i.e. do Evangelho, na medida em que se opõe, segundo a interpretação dos fariseus, ao rigor e às múltiplas observâncias da velha. O remendo de pano rude (pannus rudis) é a lei mosaica; a veste nova, a lei evangélica. Seria pois insensato e perigoso misturar uma com outra ou tentar complementar a segunda com a primeira. As duas são distintas e como tais devem ser tratadas. Não podem, numa palavra, ser combinadas sem detrimento quer do mais (Lucas) quer do menos instruído (Mateus e Marcos). — Observação: A rigor, a lei divina se divide em antiga e nova, não como em espécies coordenadas sob um gênero comum, mas como o imperfeito se distingue do perfeito dentro da mesma espécie, na medida em que, sendo idêntico o fim de ambas, a segunda ordena o homem a tal fim de modo mais eficaz e perfeito do que a primeira (cf. Santo Tomás de Aquino, STh I-II 107, 1c.) [1]. Daí dizer São Paulo que a lei se nos tornou pedagogo encarregado de levar-nos a Cristo, para sermos justificados pela fé (Gl 3,24).

c) Vinho novo em odres velhos (cf. Mt 9,17; Mc 2,22; Lc 5,37s): 

α) Imagem. Não se coloca tampouco vinho novo (não fermentado) em odres velhos; do contrário, por ser o vinho novo mais forte, os odres, já desgastados pelo uso, se rompem, o vinho se derrama e os odres se perdem. Coloca-se, porém, o vinho novo em odres novos etc. — Os palestinos e, de modo geral, os orientais transferiam o vinho do lagar, antes de ter-se completado a fermentação, para cântaros (dolia) de barro ou madeira, ou também, com frequência, para odres de pele de cabra, ovelha e, mais raramente, de asno e camelo. Se o vinho ainda não totalmente fermentado for guardado em odres velhos, i.e. desgastados pelo uso e pela fricção, é evidente que tanto o vinho quanto os odres vão se perder.

β) Sentido espiritual é o mesmo da parábola precedente: o novo espírito que o Messias veio trazer não há de ser coarctado às formas antigas, i.e. não deve nem pode ser aprisionado nos preceitos que constituíam o jugo e a servidão da lei. Aqui, no entanto, se mostra em cores vivas como é nociva tal mistura não só para os elementos antigos, mas também para o novo espírito; agrega-se positivamente, ademais, a necessidade de uma completa renovação: cumpre que sejam novos tanto o espírito quanto os homens e os costumes.

d) Vinho velho e vinho novo (cf. Lc 5, 39): 

α) Imagem. E ninguém, depois de beber vinho velho, deseja vinho novo; porque diz: o velho é melhor, i.e. quem está acostumado ao vinho velho, que é sempre mais suave e agradável, se recusa a beber do novo, que é mais acre e áspero ao paladar.

β) Sentido espiritual. — Alguns autores pensam que o ponto da comparação está na qualidade, i.e. na bondade do vinho; ora, dado que o vinho velho é melhor do que o novo, concluem que Jesus estaria comparado a austeridade dos fariseus com o vinho novo, e a suavidade de seus modos com o vinho velho. Contudo, essa interpretação é pouco provável, já que atribui o conceito de ‘velho’ à lei nova, e o de ‘novo’ à velha, o que vai na contramão das parábolas anteriores. — A mais provável parece ser a sentença, comum entre os expositores, que vê o ponto de comparação não na bondade do vinho, mas no gosto dos que bebem. O vinho velho, portanto, é a lei velha, e os que estão acostumados a ela, como e.g. os fariseus e alguns discípulos de João, apenas a contragosto aprenderão a saborear a doutrina nova de Cristo. Trata-se, em suma, de certa escusa para a relutância e pertinácia com que muitos judeus se aferravam às tradições dos antigos.

N.B. — (1) Não convém forçar a interpretação destas pequenas parábolas como se fossem alegorias carregadas de simbolismo. Afinal, o objetivo geral delas consiste em pôr em evidência a incompatibilidade entre o espírito novo do Evangelho e as antigas observâncias legais. São duas coisas que não podem ser confundidas nem unidas; os discípulos de Cristo, por conseguinte, não devem buscar ou aferrar-se ao que não é compatível com a doutrina, os princípios, os valores etc. do cristianismo. Perscrutar minuciosamente que sentido teria cada pequeno detalhe das imagens costuma gerar não poucas incoerências. Note-se ainda que Cristo não condena como tais os usos antigos nem as práticas penitenciais dos discípulos de João; limita-se a ensinar que se excluem mutuamente o espírito que inspirava as práticas antigas e o espírito verdadeiramente novo que deve inspirar e orientar a vida dos fiéis. — (2) São Paulo desenvolveu essa doutrina em inúmeros lugares, ao exortar a que vivamos uma vida nova (Rm 6,4); a que sirvamos a Deus segundo o novo espírito, e não segundo a antiga letra [da lei de Moisés] (Rm 7,6). Cf. 1Cor 5,7; Ef 4,20-24; Col 3,9s; Rm 12,2 etc. E a fundamenta no fato de que, em Cristo…, passaram as coisas velhas (2Cor 5,17); cf. Gl 6,15; Ef 2,15; Rm 8,1.10 etc. — (3) Donde se vê a incoerência com que algumas seitas protestantes, ao mesmo tempo que condenam como contrárias ao espírito evangélico certas práticas católicas plenamente legítimas (e.g. jejum, abstinência, vigílias, orações pré-formuladas e repetitivas, uso de imagens e paramentos litúrgicos etc.), buscam com afã quase judaizante reviver à letra práticas e símbolos do Antigo Testamento. Se negam em bloco a autoridade dos Concílios ecumênicos, não admira que neguem também a do concílio de Jerusalém (cf. At 15,1-34).

Notas

  1. Sigamos o conselho do cardeal Caetano (cf. in STh I-II 107, 1): ‘Sobre as questões 107 e 108 não me ocorre escrever nada, senão que as memorizes, para que entendas a lei do Evangelho e saibas dar razão da lei cristã’.

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