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Cruz do Filho, amor do Pai

Deus Pai decretou que Cristo padecesse pela salvação dos homens e o entregou de fato às mãos de seus inimigos. No mesmo decreto, manifesta o Pai a imensidão de seu amor não apenas a nós, mas acima de tudo ao seu Filho querido.

Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 15,9-11)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena”.

Após falar aos discípulos da necessidade de estarem unidos a Ele para termos vida, por ser Ele a videira e nós, os ramos, Nosso Senhor Jesus Cristo pronuncia hoje uma de suas falas mais sentidas do Evangelho, e também uma das mais misteriosas, se a lermos à luz do que acontecerá poucas horas após o fim deste discurso no Cenáculo, lá em cima no monte Calvário: “Como o Pai me amou, assim também eu vos amei”. Ora, sabemos que Cristo, por ser o Filho natural de Deus, é amado pelo Pai desde toda a eternidade, com aquele amor infinito que é o Espírito Santo. Mas como entender que, sendo Filho amado, em quem Deus pôs toda a sua complacência, tenha sido entregue à morte pelo Pai? Como harmonizar aquele: “Como o Pai me amou”, que Cristo pronuncia momentos antes de padecer, com o decreto eterno — iníquo e cruel à primeira vista — com que o mesmo o Pai o quis entregar a seus inimigos?

Não há dúvida, por certo, de que Deus é “Deus de lealdade, não de iniquidade” (Dt 32,4), por isso não podemos dizer que tenha sido injusto ou cruel por parte dele entregar Nosso Senhor à morte, senão que, ao contrário, nisto mesmo se manifestar o imenso amor que o Pai lhe devota e com que o Filho lhe corresponde: o Pai ama ao Filho escolhendo-o para a mais alta missão que jamais houve — redimir o gênero humano —, e o Filho ama ao Pai obedecendo-lhe em tudo, até a morte na cruz. Ao entregar, pois, o Filho à morte, o Pai expressa a um tempo sua severidade (cf. Rm 11,22), por não ter querido perdoar-nos sem a devida satisfação, e por isso “não poupou seu próprio Filho” (Rm 8,32), e também a sua bondade, por ter proporcionado aos homens quem os pudesse redimir, e por isso “o entregou por todos nós” (Rm 8,32).

Apesar dos horrores do Calvário, o Pai não deixou de predestinar Cristo a uma glória sem comparação, permitindo que Ele, uma vez rebaixado sob as nossas mãos, fosse mais tarde exaltado acima de todos (cf. Fp 2,9). Assim, por ter-se entregado à morte, mereceu Ele ser ressuscitado, como primícias dentre os mortos (cf. 1Cor 15,20); por ter descido aos infernos, enquanto seu corpo jazia no sepulcro, mereceu ascender aos céus (cf. Ef 4,9s); por ter sido humilhado e confundido, mereceu sentar-se à direita do Pai, como glória e majestade; e por ter-se submetido ao poder dos homens, mereceu o direito de os julgar a todos. Foi assim “como o Pai me amou”, inspirando-me o desejo de por todos sofrer e morrer, a fim de a todos salvar, destruída de uma vez para sempre o poder da morte.

É assim que o Filho, escolhido com amor pelo Pai, hoje nos escolhe com o mesmo amor: “Assim também eu vos amei”, para que saibamos que a nossa vida é luta, é muitas vezes padecer e, a olhos humanos, ser derrotado vergonhosamente; mas é uma vida que, se combatida com fé, é já uma vitória, porque Ele mesmo reina, vivo e triunfante no Céu: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33).

* * *

V. 9s. Outro efeito da união com Cristo: o amor. Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei: é uma comparação, não uma igualdade. Deus escolheu a humanidade de Cristo, sem nenhum mérito antecedente, para estar unida à pessoa do Verbo, e ornou-a com todos os dons da graça. Assim também trata Jesus os seus discípulos. — Permanecei no meu amor, i.e., cuidai para não perderdes este amor com que vos amo [1]. Declara em seguida (v. 10) como hão de permanecer no seu amor: do mesmo modo que Jesus permanece no amor do Pai, a saber: pelo cumprimento de sua vontade.

V. 11. Eu vos disse isto, i.e., exortei-vos a permanecerdes unidos a mim, para que a minha alegria esteja em vós, i.e., para que a alegria íntima e inenarrável que tenho por estar unido ao Pai, também vós a experimenteis (guardadas as proporções) por estardes unidos a mim; e esta vossa alegria se complete (gr. πληρωθῇ), i.e., seja plena, e cresça ainda mais.

Para Santo Agostinho, a minha alegria em vós = sobre nós, sobre a nossa predestinação e futura bem-aventurança; a vossa alegria = união com Cristo, a graça nesta vida, e a alegria suprema na outra pela glória.

Santo Tomás de Aquino, Super Ioh. XV, l. 2 (ed. Turim, nn. 1997-2004)

Acima advertiu o Senhor aos discípulos que nele permanecessem, aqui mostra o que é nele permanecer; e isto triplamente. 1) Primeiro, <mostra> que permanecer nele é permanecer no seu amor; 2) segundo, mostra que guardar os seus mandamento é permanecer no seu amor, onde: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (v. 10); 3) terceiro, mostra que a observância da caridade é o seu mandamento, onde: “Este é o meu mandamento” etc. (v. 12).

1) Acerca do primeiro faz duas coisas: a) primeiro, recorda o benefício dado aos discípulos; b) segundo, exorta-os a perseverar, onde: “Permanecei no meu amor” (v. 9).

a) Diz, pois, em primeiro lugar que o fato de permanecermos em Cristo se deve à sua graça, a qual é efeito do seu amor: “Eu amei-te com amor eterno” (Jer 31,3). Com o que se patenteia que todas as nossas boas obras são um benefício do amor divino. Não seriam nossas, com efeito, se a fé não operasse pelo amor; nem amaríamos, se primeiro não fôssemos amados. E por isso, recordando este benefício, diz: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei” (v. 9).

N.B. — Mas há que notar que a palavra como às vezes denota igualdade de natureza, às vezes semelhança de ação. Equivocados, queriam os arianos que a palavra como importasse igualdade, e por isto, que já fora expresso antes mais de uma vez, concluíam que Ele era menor do que o Pai. Mas isto é falso; e por isso, segundo Agostinho, deve-se dizer que a palavra como significa semelhança de graça e de amor: pois o amor com que o Filho ama os discípulos é certa semelhança do amor com que o Pai ama o Filho.

Com efeito, dado que amar alguém é querer-lhe o bem, o Pai ama o Filho α) segundo a natureza divina, enquanto lhe deseja o seu próprio bem infinito, comunicando-lhe natureza numericamente idêntica à que Ele mesmo possui; supra, 5,20: “Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que faz”. — β) Ama-o também segundo a natureza humana: “Quando Israel era menino, eu o amei, e chamei do Egito o meu filho” (Os 11,1), a saber: para que fosse a um tempo Deus e homem.

Ora, de nenhum destes modos o Filho amou os discípulos, pois não os amou para que fossem Deus por natureza, nem para que estivessem unidos a Deus em pessoa; mas por certa semelhança disso os amou, para que fossem deuses por participação da graça: “Eu disse: ‘Sois deuses’” (Sl 81,6); “Por quem nos deu estas preciosas e magníficas promessas, a fim de que assim vos torneis participantes da natureza divina” (2Pd 1,4). Além disso, para terem <com Cristo> unidade de afeto: porque “o que está unido ao Senhor é um só espírito com Ele” (1Cor 6,17); “Os que Ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29).

Assim, pois, é maior o bem que Deus Pais comunicou ao Filho segundo ambas as naturezas do que o bem comunicado pelo Filho aos discípulos, embora se assemelhem, como foi dito.

b) “Permanecei no meu amor” (v. 9), como se dissesse: Pelo fato de haverdes recebido tão grande benefício graças ao meu amor, “permanecei” nele, i.e., a fim de que me ameis; ou: “Permanecei no meu amor” porque eu vos amo, i.e., em minha graça, a fim de não perderdes os bens que vos preparei. E esta é a exposição mais côngrua, de modo que o sentido é: Que persevereis neste estado, a saber: para serdes amados por mim por efeito da graça; “Cada um permaneça no estado em que se encontrava quando foi chamado” (1Cor 7,20); “Quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele” (1Jo 4,16).

2) Aqui mostra o que é permanecer em seu amor, e a) primeiro mostra o que é guardar o seu mandamento; b) segundo, manifesta-o por um exemplo, onde: “Assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai” (v. 10); c) terceiro, desfaz uma dúvida, onde: “Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós” (v. 11).

a) Diz, pois: “Permanecei no meu amor”, e o fareis “se guardardes os meus mandamentos”; assim, com efeito, permanecereis no meu amor. De fato, a observância dos mandamentos é efeito do amor divino, não só daquele com que nós amamos, mas daquele com que Ele mesmo nos ama. Ora, o fato de Ele nos amar move-nos e ajuda a cumprir os seus mandamentos, os quais não podem ser cumpridos senão pela graça: “A caridade consiste nisto: em não termos sido nós os que amamos a Deus, mas em ter sido Ele que nos amou” (1Jo 4,10).

b) Dá disso um exemplo, ao dizer: “Assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai”. Assim como o amor com que o Pai o ama é exemplo do amor com que Ele nos ama, assim quis que sua obediência fosse exemplo da nossa obediência. Cristo, com efeito, mostrou ter permanecido no amor do Pai, porque em tudo guardou os seus mandamentos. Pois α) suportou a morte: “Fez-se obediente até à morte, e morte da cruz” (Fp 2,4); e β) absteve-se de todo pecado: “Ele, que não cometeu pecado e em cuja boca se não encontrou engano” (1Pd 2,22). O que se há de entender em relação a Cristo enquanto homem; supra, 8,29: “Não me deixou só, porque eu faço sempre aquilo que é do seu agrado”. E por isso diz: Permaneço no seu amor porque nada me mim, enquanto homem, é contrário ao seu amor.

c) Para não crerem que os adverte a que guardem os seus mandamentos em proveito próprio, e não dos discípulos, diz: “Eu vos disse isto”, i.e., que guardeis os meus mandamentos, para o vosso próprio bem, a saber: a fim de que “a minha alegria esteja em vós”. O amor, com efeito, é causa de alegria, pois cada um se alegra com a coisa amada. Ora, Deus ama a si e a criatura, sobretudo a racional, à qual comunica o bem infinito. Cristo, portanto, alegra-se de dois bens desde a eternidade, a saber: o seu bem e o do Pai: “Cada dia me deleitava, recreando-me continuamente diante dele” (Pv 8,30); e o bem da criatura racional: “Achando as minhas delícias em estar com os filhos dos homens” (Pv 8,31), i.e., em comunicar-me aos filhos dos homens: e deles se alegra desde a eternidade: “Tu serás a alegria do teu Deus” (Is 62,5).

Quer, pois, o Senhor que, pela observância dos seus mandamentos, nos tornemos partícipes de sua alegria; por isso diz: α)“Para que a minha alegria”, pela qual me alegro de minha divindade e da do Pai, “esteja em vós”: o que nada mais é do que a vida eterna, a qual é a alegria pela verdade, como Agostinho diz; como se dissesse: Para que tenhais a vida eterna; “Então porás tuas delícias no Onipotente” ( 22,26). — β) “E a vossa alegria”, pela qual me alegro de minha humanidade, “seja plena”. Pois os bens de que nos alegramos são ou imperfeitos ou imperfeitamente possuídos; e por isso a alegria nesta vida não pode ser plena. Mas será plena, quando entrarmos perfeitamente na posse dos bens perfeitos: “Entra no gozo de teu senhor” (Mt 25,21).

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