É com grande alegria e comoção que celebramos a memória de Santo Tomás de Aquino, este nosso grande amigo do Céu!
Quem foi Tomás de Aquino? Comecemos pela morte: com incompletos 50 anos de idade, o frade dominicano, sacerdote e teólogo é convocado pelo Papa Gregório X para participar do Segundo Concílio de Lyon, na França. Frei Tomás, então, sai de seu convento no sul da Itália e, no meio do caminho, resolve visitar a sua irmã, que morava na região em que ele havia nascido. Acontece, porém, que ele fica seriamente doente e, não querendo morrer numa casa profana (não consagrada), recolhe-se no Mosteiro dos Cistercienses, em Fossanova.
Enquanto Frei Tomás agoniza, às portas da morte, aos 49 anos de idade, o seu secretário, Frei Reginaldo, entra no quarto para ouvir a sua última confissão e, terminados os últimos sacramentos, sai de lá emocionado: “Os pecados de uma criança!” Esse coração de criança é o coração do grande Tomás de Aquino: “se não fordes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (cf. Mt 18, 3).
Mas isso não é o contrário do que a maioria pensa a respeito de Santo Tomás? Quando lemos seus textos — tão sóbrios e, poderíamos dizer, técnicos e científicos —, é comum pensarmos que aquele homem possuía um cérebro “matemático e frio”. Nada mais impreciso, porém, a respeito de sua pessoa e da grandeza daquela alma: a alma de um místico — mas que não deixava isso transparecer tão claramente em seus escritos, que não tinham um estilo predominantemente poético, mas teologicamente preciso.
Origem e primeiros anos
Tomás nasceu no palácio de seus pais, os Condes de Aquino, em Roccasecca, na região de Lazio (ou Lácio), a meio caminho entre Roma, no centro da Itália, e Nápoles, mais ao sul. Sua família tinha uma pretensão para ele, comum aos filhos caçulas dos nobres daquela época: ainda criança, ele foi enviado para estudar em Monte Cassino, a grande abadia beneditina fundada pelo próprio São Bento; isso porque os pais desejavam que ele fosse, um dia, o abade daquele mosteiro.
Os beneditinos já haviam feito, desde sua fundação no ano 529, um bem enorme para a Igreja e a civilização. No entanto, na época de Santo Tomás (século XIII), eles infelizmente haviam perdido um pouco de sua potência evangelizadora. Aquelas centenas de monges que, por anos a fio, vivendo um voto de pobreza pessoal, trabalhavam e oravam sem cessar — sendo fiéis ao princípio de sua ordem, ora et labora —, consequentemente viram a Abadia ficar riquíssima. Durante a Idade Média, Monte Cassino tornou-se uma pequena potência política na região: não num mau sentido, mas é que historicamente os monges protegiam o povo nos períodos de invasões e guerras; e, com a prosperidade da comunidade ao redor do mosteiro, a Ordem precisava se dedicar à política e à administração desses recursos. Eram, portanto, bons monges, mas não tinham mais a energia espiritual de antes.
Mas, voltando ao pequeno Tomás, aqui vem a grandeza dos escolhidos de Deus: ainda sendo alfabetizado, com quatro anos de idade, um dia foi até o seu mestre-escola beneditino, olhou para ele e perguntou: “Quem é Deus?” Desde então, a criança mostrava a sua forte tendência para a contemplação — queria ardentemente saber, conhecer, ver o rosto de Deus!
Quando falamos de contemplação, muitos se indagam sobre o que isso quer realmente dizer. Em seu sentido último, contemplar é ver Deus face a face — é aquilo que nós faremos no Céu. Aqui na terra, porém, contempla-se de outras maneiras. Tomás de Aquino, desde aquela tenra idade, mostrava uma capacidade extraordinária de buscar a verdade. Os monges então o mandaram para estudar Teologia na universidade mais próxima, em Nápoles. Foi então que o virtuoso Tomás conheceu os dominicanos.
A Ordem dos Pregadores: “Transmitir o que foi contemplado”
Quem eram os dominicanos? Enquanto os beneditinos eram uma escola de santidade com quase mil anos de história — ainda que carregassem nos ombros o peso desses anos, com todo o poder que adquiriram —, os dominicanos eram um novo grupo de sacerdotes que ardiam com o desejo de evangelizar e tinham a leveza de serem uma Ordem jovem. Eram recém-fundados e pobres, ou seja, seu grande zelo era sair para fazer apostolado, como aqueles primeiros Apóstolos de Jesus: “Vai, deixa tudo que você tem e me segue” (cf Mt 19, 21). Tomás de Aquino ficou apaixonado com aquela ideia. Ele estava decidido a deixar tudo.
Ainda havia outro atrativo para o jovem de Aquino: os dominicanos, além de serem homens que deixavam tudo para evangelizar, também eram grandes contemplativos. O seu lema poderia ser resumido na frase contemplata tradere, ou seja, “transmitir as coisas contempladas”. Foi o que Jesus fez com os Apóstolos, quando São Marcos nos diz que Nosso Senhor os escolheu “para que estivessem com Ele e para enviá-los a evangelizar” (cf. Mc 3, 14).
A vida apostólica, portanto, consiste no seguinte: sermos convidados a estar com Jesus, a conhecê-lo e contemplá-lo, a deitarmos a cabeça em seu peito, como São João, e, finalmente, irmos anunciar aquilo que contemplamos, como se disséssemos: “Vejam, eu descobri! Eu sei quem Jesus é! Eu quero que vocês também conheçam e se apaixonem por Jesus.” Esta é a vida de um apóstolo, e foi isso que encantou Tomás de Aquino que, aos 19 anos, decidiu largar tudo e entrar para a Ordem dos Pregadores.
Tomás defende seu verdadeiro tesouro
Havia, entretanto, um grande empecilho para que Tomás seguisse os dominicanos: seus pais não estavam nada de acordo com aquilo. Numa atitude drástica, mandaram que seus irmãos, que eram cavaleiros, raptassem o jovem que estava a caminho de Roma para se juntar à Ordem. Por mais de um ano, aprisionaram-no nos castelos da família, em Monte San Giovanni Campano e Roccasecca.
Eu já estive em Roccasecca. A palavra quer dizer “pedra seca” e, ironicamente, hoje em dia só sobrou isso mesmo no alto da montanha onde ficava o castelo: ruínas. E lá naquele lugar, onde outrora o santo havia nascido e depois feito prisioneiro, seus irmãos, procurando um meio de dissuadi-lo da ideia de se tornar dominicano, resolveram contratar uma prostituta e a trancaram no quarto junto com Tomás.
O jovem santo, ao ver aquilo, não hesitou: resoluto foi até a lareira, pegou um pedaço da lenha com a ponta em brasa e, com aquele tição, começou a afastar a mulher. Ela, aos berros, começou então a bater na porta, “Pelo amor de Deus! Tirem-me daqui, ele vai me matar!” Os irmãos abriram a porta, a prostituta saiu correndo, e então Tomás se voltou, foi até a parede e, com a brasa, traçou uma cruz na parede, ajoelhando-se para contemplar o Cristo casto.
Conta a história que, naquele momento, dois anjos vieram e cingiram Tomás de Aquino com o cíngulo da castidade — o cíngulo é essa corda que os padres usam à cintura nos paramentos da Missa, e que simboliza a castidade. Se isso aconteceu de fato física ou apenas misticamente, não faz diferença, o que sabemos é que os anjos existem, que ajudaram Santo Tomás, e que ficaram felizes de ver o seu amor por Jesus.
Essa é uma das coisas que as pessoas não entendem. Lá fora, no mundo secular, quando nós, católicos, falamos de pureza e castidade, dizem que somos recalcados, reprimidos, neuróticos. Até mesmo teorizam a respeito de uma pretensa repressão sexual cristã que geraria o fascismo, como se, por guardar a castidade, alguém tivesse uma tendência ditatorial e fosse um pequeno “Hitler em potencial”. Esses mesmos teóricos ignoram, no entanto, o fato de que os fascistas reais, históricos, não eram nada castos.
Portanto, deixe-me dizer algo importante: o amor não neurotiza ninguém. Essas pessoas que não entendem a castidade, a pureza cristã, não entendem nada de amor. A verdade a respeito da castidade cristã é bem mais simples: quando amamos, não temos olhos para outra pessoa.
Santo Tomás de Aquino, aquele homem tranquilo, sereno, de temperamento fleumático, que não era um grande “apaixonado”, com sentimentos e emoções aflorados, tinha se encontrado com Jesus e tinha intensa vida mística. Aquele “quem é Deus?”, de seus quatro anos de idade, estava brotando e florescendo, o jovem Tomás sabia quem era Deus! Por isso, que bobagem ridícula era aquela de tentar seduzi-lo com uma prostituta? Seria como pedir a uma pessoa que, após descobrir um grande tesouro, o trocasse por um “pinico sujo”.
Santo Tomás, poesia e devoção
Quem encontra um tesouro escondido num campo, “cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo” (Mt 13, 44c). Esta é a experiência de Tomás de Aquino. Ele deixou tudo alegremente e dedicou sua vida a conhecer a verdade, que é uma pessoa: Jesus!
Então, olhar para a vida intelectual de Santo Tomás e não enxergar esse fogo ardente de amor em seu coração é não conhecer Tomás de Aquino. Muitos de seus textos aparentemente “secos” eram próprios de seu temperamento fleumático, mas também de um estilo acadêmico, o que não quer dizer que ele não tinha “coração” ou sentimento.
O que poucos se lembram é que Tomás de Aquino era também um grande poeta. A prova disso é que, quando ele já era sacerdote e um grande e renomado teólogo, houve o milagre eucarístico de Bolsena: na Igreja da mártir Santa Cristina um certo padre Pedro, de Praga, voltava de uma peregrinação a Roma e, ao celebrar a Santa Missa, no momento em que quebrou a hóstia teve um lapso de dúvida: “Será que Jesus está mesmo aqui presente?” — e a hóstia então sangrou abundantemente, sangue que derramou-se manchando o corporal, a toalha e o altar.
O Papa Urbano IV, que morava ali perto, em Orvieto, realizou então uma procissão para Bolsena: de certa forma, foi a primeira procissão de Corpus Christi, festa que o Pontífice instituiu após o referido milagre. E quem o Papa escolheu para escrever o Ofício e Missa da nova Solenidade? Até hoje nós cantamos Tão Sublime Sacramento e outras poesias eucarísticas maravilhosas, como Lauda Sion Salvatorem e Adoro Te Devote, todas escritas por Santo Tomás de Aquino!
Parecem coisas de um homem que não tinha alma nem amor? O fato é que quando Tomás escrevia teologia ele o fazia de forma precisa e correta. Mas havia esse grande amor por Jesus, amor que também o levava a viver uma vida em que não havia paixões ou ira descontroladas — uma vida de pureza e mansidão.
A pureza e mansidão do “boi mudo”
Há uma anedota famosa de quando Santo Tomás era seminarista, frade dominicano, e aluno de outro grande santo e Doutor da Igreja, Santo Alberto Magno.
Os meninos viam aquele rapaz corpulento mas muito quieto e calado (um fato curioso: apesar de às vezes ser retratado nas pinturas como gordo, na verdade Santo Tomás era “grande”, herança genética da família que, embora morasse no sul da Itália, tinha uma origem germânica). E o que os estudantes fazem de melhor? Naturalmente, bullying! Então, os colegas seminaristas colocaram nele o apelido de “boi mudo”, pois interpretavam, erroneamente, aquele temperamento como ingenuidade, e muitos achavam que ele não era inteligente.
Um dia, em certa aula os seminaristas receberam uma lição bastante difícil e um dos alunos, vendo que o Tomás de Aquino estava lá no canto com o olhar aparentemente perdido, pensou que o colega não havia entendido, e então sentou-se com ele à mesa e começou a ensinar, repetindo com suas palavras a aula para Tomás. Em certo ponto, o “professorzinho” perdeu-se em algo que não sabia explicar direito e ficou pensando longamente. Então Tomás de Aquino, vendo a dificuldade intelectual do rapaz, tomou as rédeas e disse: “Tudo bem, deixe-me explicar para você”, e deu uma aula magistral — na verdade, ele havia entendido tudo, mas estava, humildemente, quieto e calado recebendo lição do colega. Este é mais um dos exemplos da mansidão e humildade do Doutor Angélico.
Em outra ocasião, fizeram uma “pegadinha” para o santo. Os seminaristas correram para a janela gritando: “Frei Tomás! Frei Tomás, venha ver que coisa extraordinária, tem um burro voando lá fora!” Tomás, que estava lá quieto, pois era horário de estudo, levantou-se e foi até a janela. Então todos riram, pensando que Tomás tinha acreditado que um burro podia voar. Frei Tomás, sereno, disse: “Eu sei que um burro não pode voar, mas eu pensei ‘o que será mais fácil: um burro voar ou um frade mentir?’” — Eis o grande Tomás!
Foram diversas as ocasiões em que era possível ver essa grandeza mística durante a vida do santo dominicano. Ele era capaz, por exemplo, de ditar cinco, seis, sete livros ao mesmo tempo! Naquela época, funcionava assim: para se escrever, era preciso usar a pena sobre um pergaminho, e aquilo levava tempo para secar. Então, o monge copista escrevia uma linha e tinha que esperar secar, colocar um pó, passar um papel mata-borrão. Era realmente uma arte: manuscritos desenhados, que demoravam para serem feitos. Mas Tomás era tão inteligente que tinha à sua disposição todos esses cinco, seis ou sete secretários, e então ditava a frase de um determinado livro para um e, enquanto este manuscrito secava, ditava a frase de outro livro distinto para o segundo amanuense, e assim por diante, até voltar para a próxima frase do primeiro.
Eis, portanto, um grande gênio, mas um gênio que era sobretudo um místico. Acontecia de Tomás, de repente, hesitar no meio do ditado, sem saber exatamente o que dizer. O frei então dizia ao escrevente para esperar um pouco, levantava-se, ia até o crucifixo, abria os braços e pedia inspiração a Deus. Quando vinha a luz, ele então se levantava e voltava a ditar.
Inspirada em Santo Tomás, a nossa “tarefa de casa”
Há quem possa dizer: “Padre Paulo, muito interessante, mas o que essa história tem a ver com a minha vida?”. O que eu gostaria que todos levássemos para o nosso dia a dia é o seguinte: queremos mesmo ter um grande amor por Jesus? Então, precisamos contemplar, porque ninguém ama o que não conhece.
Lembremo-nos, porém, dos anjos cingindo Santo Tomás; do rapto ordenado por sua própria família; do bullying sofrido no seminário. É que, se não nos esforçarmos especialmente na castidade e na mansidão, não conseguiremos contemplar nada. Tentaremos rezar, mas o que surgirá em nossa oração serão somente nossos sentimentos desordenados.
Então, se quisermos ter esse grande amor por Jesus, esse “coração de criança” de Tomás, se quisermos ser grandes contemplativos arrebatados no êxtase místico da contemplação de Nosso Senhor, vendo-o face a face, precisamos fazer a tarefa de casa. E essa tarefa é buscar pureza e mansidão.
“Caprichemos”, no entanto, nos mínimos detalhes. Neurose, não, mas amor. Não queiramos outros amores, mas somente Jesus! Não queiramos fazer justiça com nossas próprias mãos. Em vez de buscar a vingança, entreguemos tudo nas mãos de Deus com serenidade e confiança. Não percamos a paciência, vamos aprender a aceitar os defeitos dos outros, para não deixarmos nossa vida virar um inferno. Precisamos dar um basta nessa vida desordenada, de quem só vive com piadas impuras, de quem fica sempre vagando com os olhos, vendo fotos nas redes sociais e se enganando — “Ah, isso ainda não é pornografia…” —, de quem se irrita diante de qualquer coisa, desde o atraso de alguém a uma mudança no clima.
Pureza e mansidão: a partir disso, na oração, veremos os frutos. Chegaremos à contemplação, e a luz da verdade acenderá a chama em nosso coração de um amor ardente por Jesus.
Esta é a lição que precisamos levar desta pregação, para que, na oração e no estudo, contemplemos e amemos a verdade, que é uma pessoa: Jesus Cristo. E amá-lo apaixonadamente, amá-lo cheio do fogo do Espírito Santo que ardia no coração do grande, grandíssimo, Santo Tomás de Aquino!
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