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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 15,12-17)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que, então, pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá. Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros”.

Continuamos na intimidade dos Apóstolos no Cenáculo, e o momento torna-se ainda mais íntimo, ao renovar Jesus o seu mandamento: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Ele diz mais: “Não vos chamo servos, chamo-vos amigos”. Eis a realidade íntima da amizade.

A primeira coisa a que se tem de responder é: afinal de contas, por que Jesus, no início do capítulo 13, chamou os discípulos servos, e aqui no capítulo 15, chama-os amigos e diz que não são servos? No início do capítulo 13, Ele diz: “Vós me chamais Mestre e Senhor… deveis ser servos, lavando os pés uns aos outros”.

Há duas possibilidades. Primeira. Temos de lembrar que Judas ainda estava no Cenáculo, ele ainda não saíra, portanto não era adequado que Jesus dissesse: “Sois meus amigos”. Por quê? Porque a amizade é recíproca, e da parte de Judas não havia amizade.

Segundo ponto. Existem dois tipos de servidão: a servidão de quem é escravo, e o serviço de quem é filho ou amigo. Com isso, Jesus nos mostra como somos amigos: somos amigos dando a vida pelo amigo. Foi o que Ele fez. Ele deu a vida por nós; por isso, nós agora precisamos dar a vida por Ele. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos. Esse é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros”.

Como isso se enquadra a nós? Jesus deu a vida por nós morrendo na Cruz. Ora, a forma que temos de retribuir a amizade de Jesus é também dar a vida, mas como? Dando-a aos irmãos. Por quê? Porque não é possível darmos a vida a Jesus. Jesus não precisa da nossa vida. Ele é a vida em abundância, não é verdade? Não precisamos dar a vida a Ele; mas precisamos, sim, entregar o que somos por amor a Cristo, e o lugar em que se faz isso são os irmãos. Neles é que encontramos o lugar de cumprir o mandamento de Deus da verdadeira caridade.

O que as pessoas não percebem é que, quando Jesus diz: “Eis o meu mandamento: amai-vos uns aos outros”, a palavra que Ele usa é “caridade”. É um amor-caridade, um amor-ágape (αγάπη [agápē], em grego). Esse amor-caridade significa amar ao outro por causa de Deus. Se eu simplesmente amo um pobre apenas por sua pobreza, isso ainda não é caridade; mas quando eu vejo no pobre o próprio Cristo e o amo por isso, então sim estou na caridade, porque estou dando algo, estou dando a minha vida, estou servindo a Cristo presente naquela pessoa.

Vemos assim como é necessária a vida de intimidade, a vida de amor, de compreensão e de conhecimento mútuo com Cristo. Faz parte do amor querer unir-se à pessoa amada. É a característica mais própria do amor.

Mas amar não é, antes de tudo, querer o bem do outro? Sim, mas isso é só uma das partes do amor; não é o essencial. Quando você assiste a um jogo de futebol, quer o bem de uma das equipes, mas você não a ama, necessariamente. O querer unir-se a uma pessoa, o querer o bem dela e estar unido a ela, eis o que é próprio do amor. Querer a união com Cristo, em amizade íntima, eis o amor-caridade. No Cenáculo, na Última Ceia, somos chamados a isso.

Por isso, em cada Santa Missa de que participamos, estamos presentes diante de Cristo, que nos chama de amigos, o que vale sobretudo para os sacerdotes. Por quê? Porque, na Última Ceia, Jesus estava reunido com os Apóstolos. Se todos os fiéis são amigos de Cristo — e o são de verdade —, muito mais intimamente devem sê-lo os sacerdotes, que devem corresponder a Ele com amor generoso, dando a vida pelo Amigo. 

* * *

COMENTÁRIO EXEGÉTICO

Amor mútuo (Jo 15,12-17). — V. 2. O amor a Cristo e a união com ele supõem e reclamam o amor mútuo e a união dos fiéis. Não há comunhão com Cristo sem amor efetivo a ele nem amor sincero aos irmãos; de fato, todos os mandamentos resumem-se a um só: Este é o meu mandamento (ἡ ἐντολὴ ἡ ἐμή), i.e., fundamental, próprio de minha doutrina, que vos ameis uns aos outros, segundo a medida e o exemplo do meu amor a vós.

V. 13. Explica em seguida as palavras ‘assim como eu vos amei’; ao mesmo tempo, propõe-se como modelo supremo de amor: Ninguém tem amor maior… O sacrifício é sinal de amor; ora, como a nada se dá mais valor do que à vida [1], quem a oferece em sacrifício por outro (pelos amigos = pelos que são amados [ὑπὲρ τῶν φίλων], ainda que não correspondam) dá a maior prova possível de amor (cf. Rm 5,7), como foi dito do Bom Pastor (cf. Jo 10,11). Jesus em breve o porá em prática; que os discípulos estejam preparados para fazer o mesmo (cf. 1Jo 3,16; 2Cor 5,14s).

Dubium: Não teria maior amor quem dá a vida pelos inimigos, segundo Rm 5,8? — Resp.: As palavras de Cristo têm por termo de comparação não o objeto do amor, mas sua quantidade ou estima, i.e., o que se está disposto a dar por quem se ama. Nesse sentido, diz-se maior o amor que mais dá àquele a quem se ama. De resto, observa S. Tomás, os pecadores pelos quais Cristo se entregou à morte eram verdadeiramente seus amigos, não porque o amassem a ele, mas porque eram amados por ele.

V. 14. Porque disse ‘pelos amigos’, por isso ensina aos discípulos como podem e devem ser amigos seus: Se fizerdes o que eu vos mando, do que já os advertira antes (cf. Jo 14,21.23s), mas aqui se refere ao preceito de amor aos irmãos, em particular. — V. 15. Explica-lhes por que os chamou amigos; ao mesmo tempo, enaltece o amor que lhes tem: Já não vos chamo servos, i.e., já não vos considero servos como o fiz outrora (cf., e.g. Jo 12,26; 13,16), pois o servo não sabe o que faz o seu senhor, i.e., porque um senhor, por via de regra, não comunica aos servos seus pensamentos, intenções, segredos etc.; eu, porém, chamo-vos (εἴρηκα = chamei e ainda agora vos chamar, e como tais vos considero; ou: trato-vos como) amigos, porque vos dei a conhecer tudo (subentende-se: [o que] fui enviado a revelar) o que, por ter com ele a mesma natureza e ciência divinas, ouvi de meu Pai, segundo a medida em que o podeis compreender agora (cf. Jo 16,12), e darei a conhecer mais tarde pelo Espírito Santo, que vos ensinará toda a verdade (cf. Jo 14,26; 16,13).

Nota sobre Jo 14,26. — 1. Muitos opinam que a promessa tem por destinatários os Apóstolos, por isso a interpretam assim: ‘O Espírito Santo vos ensinará o que falta à minha doutrina’ (cf. Jo 16,12s), donde concluem que o depósito da revelação encerrou-se no tempo dos Apóstolos; — 2. para outros, a promessa, como aliás grande parte do cap. 14, é dirigida a toda a Igreja, por isso interpretam vos ensinará tudo como: ‘ele vos esclarecerá o sentido de todas as minhas palavras’. O que se promete, nesse caso, é a assistência do Espírito Santo não só negativa (para que não erre a Igreja docente na interpretação do depósito revelado), mas também positiva (para compreender sempre mais a fundo e expor com maior precisão o sentido da doutrina cristã). Tal ação do Paráclito se vê com toda a clareza na Igreja primitiva, como o atestam os Atos dos Apóstolos, chamado com razão ‘Evangelho do Espírito Santo’.

V. 16. Para que entendam que essa amizade é dom gratuito e benefício da liberalidade divina, acrescenta: Não fostes vós que me escolhestes (Mestre), mas fui eu que vos escolhi (como amigos; melhor: para o apostolado, cf. Mc 3,13), e vos pus (i.e., vos vos elegi e justifiquei; melhor: designei e constituí) para irdes (mundo afora, cf. Mc 16,15) e para que produzais fruto (de conversão das almas e de santificação própria) e o vosso fruto permaneça (na Igreja, mas também em vós, na glória eterna); ora, esse fruto de fato permanece, pois o Evangelho por eles anunciado jamais perecerá, a Igreja de que são fundamento nunca há de ruir e a salvação de que são ministros durará eternamente, de modo que (ἵνα), se produzirdes fruto, o que pedirdes (subentende-se: que seja útil ou necessário à salvação) ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá. — A partícula ‘ἵνα’ (lt. ut) tem, em geral, valor de consequência (= ‘de modo que’), embora haja quem lhe atribua aqui valor final: e vos designei… para que o que pedirdes etc. Duas leituras possíveis.

V. 17. É uma repetição do v. 12, a qual serve a um tempo de resumo do que precede e de transição para o que segue. 

Referências

  • Tradução adaptada de H. Simón; G. G. Dorado, CSSR, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, p. 908s, n. 676.

Notas

  1. Cf. Eurípides, Alceste, 301: ‘ψυχῆς ... οὐδέν ἐστι τιμιώτερον’, — ‘do que a vida [lit., alma] ... nada há mais precioso’.

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