No domingo em que a Igreja, dando início ao Tempo da Paixão, cobre de roxo as imagens sagradas e retira-nos da vista a figura do crucificado, são muitos os fiéis que nas atuais circunstâncias têm de suportar outro e mais duro jejum dos olhos, que é o de não poderem ir à Missa para matar a saudade do seu Senhor, vendo-o coberto, não com véus de linho, mas com os acidentes de pão e vinho. As dores dessa saudade, por não termos ao lado a quem tanto amamos, e a necessidade da fé, para crermos que O temos mais próximo do que nunca, são o tema do nosso Evangelho (cf. Jo 11, 1-45).
Conclui hoje o Apóstolo S. João o livro dos sinais com o maior e mais espantoso milagre que realizou Cristo em toda a sua vida pública, que foi a ressurreição de Lázaro. E nota o evangelista uma coisa em que pouco se repara, e foi o terem as irmãs de Betânia mandado dizer a Jesus que caíra enfermo o seu amigo: “Aquele que amas está doente”. Ora, é muito digno de reparo que em todo o Israel, povoado de homens que O odiavam e perseguiam, permitisse Jesus que se adoentara até a morte logo um amigo seu, e dos mais queridos: “Aquele que amas está doente”.
Vejamos a solução que dá S. Tomás de Aquino a esse problema e o remédio que dela podemos extrair para a nossa saudade, que tem um pouco da que tiveram Marta e Maria. Comentando este capítulo de S. João (cf. Super Ioh., c. 11, l. 1), diz o Doutor Angélico que foram três os motivos por que Jesus permitiu a doença e morte de Lázaro:
a) Primeiro, para nos ensinar que o padecer enfermidades não é sinal de pouco carinho ou cuidado de Deus. Às vezes, com efeito, os amigos de Deus são afligidos no corpo, contra o que erradamente pensava Elifaz, ao atribuir a pecados passados as desgraças presentes de Jó: “Lembra-te: Qual o inocente que pereceu? Ou quando foram destruídos os justos?” (Jó 4, 7). Ora, tanto os justos quanto os pecadores são atribulados, mas aos primeiros Deus os castiga mais para corrigir para o bem do que para punir pelo mal: “O Senhor castiga aquele a quem ama, e pune o filho a quem muito estima” (Pr 3, 12).
Além disso, permitiu Jesus que Lázaro caísse doente, não porque não o considerasse amigo, mas para manifestar justamente a força da sua amizade. Olhemos para aquelas lágrimas que Lhe escorrem pelo rosto, e veremos a melhor prova da sinceridade de seus sentimentos, expressão humana do seu amor divino. Amando tanto a Lázaro, permitiu-lhe Cristo sofrer e morrer, porque Ele mesmo sofreria e morreria dali a pouco, a fim de que a primeira morte, que destrói o corpo, não fosse preparação para a que destrói o espírito, da qual nem ressuscitados sairão os réprobos.
b) Segundo, para nos ensinar que entre verdadeiros amigos basta muita vez um aceno, um gesto, um sinal, para dar a entender um pedido. É o que vemos em Marta e Maria. Não disseram elas: “Senhor, vem e cura essa doença”, mas simplesmente: “Aquele que amas está doente”. Ora, se isto, para as amizades humanas, é o bastante, que eficácia não terá para a divina? “O Senhor vela por aqueles que o amam” (Sl 144, 20). Com que confiança, portanto, não devemos nós desafogar nosso coração no de Cristo, sobretudo nestes tempos difíceis, em que nem sempre é fácil saber o que pedir? Mas Deus sabe do que precisamos e deseja não só que Lhe peçamos interessados e faladores, mas também que O procuremos confiantes e silenciosos. Basta, pois, um olhar de súplica onde a boca nem sempre suplica.
c) Terceiro, para nos ensinar o poder da intercessão dos que são mais familiares de Deus. Jazia o pobre Lázaro doente em casa, e que remédio poderia esperar de Jesus, se não fossem aquelas suas duas irmãs, que foram como dois anjos a Lhe comunicarem as necessidades e ânsias do doente? Eis a confiança com que devemos recorrer aos santos da nossa devoção. Eles não são como amigos de mesa, que desaparecem nas desgraças. Por isso, a eles bem se pode aplicar o que diz o Livro do Eclesiástico: “Se teu amigo for constante, ele te será como um igual, e agirá livremente com os de tua casa” (Eclo 6, 11). Não deixemos, portanto, desfalecer nossa fé no patrocínio dos santos, que, sendo tão familiares de Deus, podem fazer-nos a nós mais familiares dEle.
E o remédio para a nossa saudade? Está na fé que tiveram as santas irmãs e que o Senhor, não estando presente quando morreu Lázaro, quis suscitar em todos os que também O sentem ausente: “Alegro-me por vossa causa, por não ter estado lá, para que creiais”. Não quis Jesus consolar com sua presença as irmãs que temiam pelo doente, e elas, apesar de sentirem esta ausência, em nenhum momento duvidaram de que Cristo as amasse e, mesmo estando longe, as tivesse muito dentro do seu Coração: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”. É por isso que diziam: “Sim, Senhor. Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus”.
Com razão, pois, foi este o último dos sinais que realizou Nosso Senhor. É nele que se manifesta o seu poder e autoridade sobre a vida e a morte. É nele que se revela a compaixão do seu amorosíssimo Coração: “Jesus ficou intensamente comovido em espírito […], sob o impulso de profunda emoção”. Como havemos de crer que está realmente longe, desinteressado de nós, um Coração tão amante, que responde com extremos de piedade à miséria dos homens?
Se por ora não O temos presente, como não O tiveram Marta e Maria; se por ora não O contemplamos nem recebemos sob o véu do sacramento, saibamos pela fé — “Sim, Senhor. Eu creio” — que O temos agora mais presente do que nunca, chorando sobre nós lágrimas de salvação, derramadas em nossas almas, hoje tão saudosas, para nos consolar com a certeza de um amor que, sendo tão divino, quis expressar-se com a ternura de um Coração humano: “Jesus pôs-se a chorar. Observaram por isso os judeus: ‘Vede como ele o amava’”!
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