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Homilia Dominical
26 Fev 2016 - 26:56

Onde está a sua tristeza?

Comentando a parábola da figueira estéril, Santo Agostinho compara o esterco que o agricultor usa para adubar a terra à realidade da tristeza. "Se não é colocado no devido lugar, o esterco causa sujeira, mas, quando é posto no lugar certo, ele torna fértil a terra".
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Homilia Dominical - 26 Fev 2016 - 26:56

Onde está a sua tristeza?

Comentando a parábola da figueira estéril, Santo Agostinho compara o esterco que o agricultor usa para adubar a terra à realidade da tristeza. "Se não é colocado no devido lugar, o esterco causa sujeira, mas, quando é posto no lugar certo, ele torna fértil a terra".
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 13, 1-9)

Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam.

Jesus lhes respondeu: 'Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo. E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo.'

E Jesus contou esta parábola: 'Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou. Então disse ao vinhateiro: 'Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?' Ele, porém, respondeu: 'Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás.'

*

Há um sermão de Santo Agostinho no qual ele faz um excelente comentário à parábola da figueira estéril, proclamada no Evangelho deste domingo. Trata-se do Sermão 254 (PL 38, 1182-1186), cujos excertos vale a pena serem lidos na íntegra (existe uma tradução do texto latino para o espanhol no site Augustinus).

Respondendo a uma aparente contradição entre os castigos descritos na passagem de São Lucas e a misericórdia divina — que a Igreja recorda particularmente neste Ano Santo —, Agostinho lembra que, inseparável da misericórdia de Deus, está a miséria de nossa condição. Por isto a liturgia da Igreja faz sabiamente preceder à cinquentena pascal o período da Quaresma: para que não cante o aleluia da Ressurreição quem antes não chorar e deplorar a malícia dos seus pecados. A severidade de Cristo com a figueira estéril — que Ele amaldiçoa em outros Evangelhos (cf. Mt 21, 18-22; Mc 11, 12-14) — é o rigor de um Deus amoroso que convida os Seus filhos ao desafio do amor, desafio urgente, porque o tempo desta vida é breve e a morte pode a qualquer momento nos levar prematuramente ao encontro com o Senhor. Por isso, a palavra "misericórdia" não se coaduna com o discurso frouxo e adocicado de que muitas pessoas se servem para abusar da misericórdia de Deus. As palavras de Cristo são bem claras e dispensam mais considerações.

Depois, Agostinho põe em relevo a intercessão do agricultor, que decide cavar em volta da árvore para adubar a terra. Ele compara o ato de cavar à virtude da humildade e o esterco, à tristeza, dizendo que "se não é colocado no devido lugar, o esterco causa sujeira, mas, quando é posto no lugar certo, torna fértil a terra". Citando então o Apóstolo, que contrapõe "a tristeza segundo Deus" à "tristeza do mundo" (2 Cor 7, 10), ele trata de exemplificar os tipos de tristeza que existem:

  1. Há quem seja avaro e se entristeça porque perdeu dinheiro. "Locus immundus, fructus nullus – Lugar sujo, nenhum fruto", comenta o santo. Em tempos de crise econômica, as palavras de Agostinho são de grande atualidade. Muitos que recentemente caíram na tristeza por terem a sua conta bancária no vermelho estão há anos em débito com Deus, sem que se dêem minimamente por incomodados. Quem sabe se a desgraça financeira que se abate sobre as nossas casas não é um último alerta de Cristo, procurando atentar-nos para o que é verdadeiramente importante: a nossa vida e salvação eternas? "Se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo", diz o Senhor.
  2. Há quem seja invejoso e se entristeça com o bem alheio e até reze, gema e chore pedindo a desgraça do próximo. Novamente, locus immundus, fructus nullus. "Quem reza para que morra o seu inimigo incorre na maldição de Judas: 'A sua oração se converte em pecado' (Sl 108, 7)."
  3. Por fim, há quem transforme a sua tristeza em arrependimento, batendo no peito e dizendo, contrito: "Meu Deus, tende pena de mim, curai-me, Senhor, pois pequei contra vós!" (Sl 40, 5). É essa a tristeza segundo Deus de que fala o Apóstolo, da qual já brota, ainda em meio às lágrimas da penitência, uma grande alegria, como explica Santo Tomás de Aquino: "Nada impede que uma pessoa ao mesmo tempo se alegre e se entristeça. Por exemplo, se vemos um justo aflito, ao mesmo tempo nos apraz a sua justiça e nos despraz a sua aflição. Desse modo, é possível a alguém detestar o seu pecado e alegrar-se por isso, com esperança de perdão, pelo que a própria tristeza se torna causa de alegria" (S. Th., III, q. 84, a. 9, ad 2).

Ainda que os padres da Igreja e os artistas muitas vezes retratem a virtude da penitência associada a gemidos e lágrimas, a essência do arrependimento não está em nenhum sentimento físico, senão em uma determinação da vontade. Quem está de fato arrependido não precisa necessariamente se derramar em lágrimas, nem ferir o peito com uma pedra, como fez São Jerônimo; necessário é que se reconheça, com os olhos do espírito (a inteligência), a maldade do pecado, e se faça (com a vontade) o firme propósito de não mais tornar a ofender a Deus.

Os sentimentos atraiçoam e não servem como base para julgarmos a moralidade das nossas atitudes. As coisas que ofendem a Deus, Ele mesmo as revelou por meio de Moisés, dos profetas e, enfim, por meio de Seu Filho. Não é preciso "sentir" que são más para se arrepender delas, mas simplesmente aceitar que são ruins e tomar a resolução de não mais cometê-las. Não se pode pedir a um narcodependente que "sinta" repugnância pelas drogas que ele, com prazer, passou a vida consumindo. O que se espera é que ele se converta, reconhecendo o mal que isso lhe fez e abandonando o seu vício.

Por isso, o arrependimento cristão é muito diferente de um "complexo de culpa": não se trata de chorar vaidosamente o ego ferido, mas de deplorar as ofensas feitas contra Aquele que "me amou e se entregou por mim" (Gl 2, 20); não é ensimesmar-se, mas voltar-se para Deus.

Ao meditarmos sobre o Evangelho deste domingo, perguntemos com Santo Agostinho, onde, afinal, temos colocado o esterco de nossa tristeza: se no lugar certo ou na farinha do nosso pão. "De quem geme por seu pecado se reconhece o solo e se espera o fruto. Graças a Deus. Estando no lugar bom, não é em vão o esterco, mas dá fruto."

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