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Texto do episódio
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O Evangelho de hoje (Lc 24, 35-48) é continuação do evangelho de Emaús, que meditamos ontem. Ele começa dizendo que aqueles discípulos chegaram a Jerusalém, onde os Apóstolos estavam, e “contaram o que tinha acontecido no caminho”. E então vemos um resumo daquela primeira aparição de Jesus aos Apóstolos, ainda no domingo de Páscoa, quando Tomé não estava presente. 

Há alguns pontos interessantes a notar. O primeiro é que Jesus faz a mesma coisa que fez com os discípulos do caminho de Emaús, quando lhes explicava as Escrituras. Nosso Senhor diz: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24, 44).

Isso quer dizer que era preciso que se cumprisse tudo o que está no Antigo Testamento, que ainda hoje os judeus chamam de Tanak (ou TN”K,), um acrônimo no qual as consoantes significam: a Torá, a Lei de Moisés; Neviim, os Profetas; e Ketuvim, os Escritos, nos quais estão os Salmos.

Era necessário, portanto, que se cumprisse o que estava escrito no Antigo Testamento inteiro. É isso o que Jesus está falando, e é o que nos interessa aqui.

Em seguida, o Evangelho nos diz que Jesus abriu-lhes a inteligência. No caminho de Emaús, Ele foi explicando. Aqui com os Apóstolos é diferente: Jesus dá esse dom do entendimento de forma infusa; para os Apóstolos em primeiro lugar, mas para a Igreja como um todo, conforme consta em Lc 24, 45-48:

Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras e lhes disse: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso”.

Vejam como Nosso Senhor revela o conteúdo das Escrituras: “Cristo sofrerá”. Ninguém tinha visto isso antes. Essas duas palavras já são o suficiente para “virar do avesso” a cabeça dos Apóstolos. A passagem que até aquele momento nenhum deles havia percebido que era uma referência ao próprio Jesus são os chamados Cânticos do Servo Sofredor, no Livro de Isaías. A identidade desse servo sofredor era um mistério; mas ali, naquele domingo de Páscoa, Jesus está revelando que eram sobre Ele todos aqueles escritos.

“E ressuscitará dos mortos ao terceiro dia…”. Aqui, Jesus está dizendo que a sua paixão, morte e ressurreição estavam previstas no Antigo Testamento, “...e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém”. Agora, os Apóstolos descobrem que a Salvação não viria apenas para os judeus, mas para todos os povos. “Vós sereis testemunhas de tudo isso”, isto é, eles seriam mártires (de “testemunhar”) de todos aqueles acontecimentos.

Que coisa extraordinária! Nesta passagem, Jesus está dando a chave de leitura do Antigo Testamento. A partir daquele momento, a Igreja começaria a ler o Antigo Testamento sabendo que poderia encontrar dois sentidos: um, o sentido literal; outro, o sentido espiritual, as referências a Cristo escondidas nas Sagradas Escrituras.

Um exemplo: depois de criar Adão, Deus faz com que o primeiro homem fique com sono e, quando este adormece, o Senhor tira Eva de uma de suas costelas (cf Gn 2, 21ss). Este é o sentido literal do acontecimento bíblico; mas o significado espiritual que Deus queria nos transmitir é que, quando Cristo “dormiu” na Cruz, de seu lado perfurado (ou seja, da sua costela), também saiu Eva: a Igreja (Jo 19, 33s).

Talvez você se pergunte: como podemos enxergar esse sentido espiritual? Número um: há dois mil anos de interpretação da Igreja; logo, você deve ler as interpretações dos santos. Número dois, existe uma regra: para que haja um sentido espiritual verdadeiro, isso precisa estar contido num sentido literal em alguma outra passagem.

Uma breve explicação para entendermos melhor: Adão dormiu, e Eva saiu da costela; Cristo morreu na Cruz, e a Igreja surgiu: onde está isso no sentido literal? Está exatamente em Jesus que morre na Cruz. Existe um fato: Jesus “dorme” (morre), e de seu lado brotam sangue e água; ora, desse lado que jorra sangue e água vemos com clareza um sentido: o surgimento da Igreja com os seus sacramentos. O sangue é a Eucaristia, a água é o Batismo. É da Cruz de Cristo que brota a Igreja, é dali que vem a Igreja, “unidos no sangue de Cristo, num só Corpo”. É a nova e verdadeira chave de leitura das Sagradas Escrituras; que Deus havia pensado e preparado desde todos os séculos.

É por isso que, no Apocalipse, é apresentado a São João um livro fechado com sete selos — as Sagradas Escrituras —, e o Apóstolo começa a chorar, porque “ninguém fora achado digno de abrir o livro e examiná-lo” (cf Ap 5). Mas então é revelado a João que o “Leão da tribo de Judá, descendente de Davi”, “o Cordeiro de pé, mas imolado” é digno de abrir aquele volume. Ou seja, Jesus é a chave de leitura das Sagradas Escrituras. Em todas as passagens do Antigo Testamento, está escondido Cristo, que traz o Novo Testamento.

Aqui, temos portanto algo bem prático para aplicarmos em nossa vida espiritual e meditações diárias, sempre que formos ler o Antigo Testamento. Há muita coisa ali que pode nos parecer estranho, e muitos ficam até mesmo escandalizados. Era um tempo de pessoas rudes, que às vezes faziam coisas difíceis de compreender hoje, e que não entendiam direito o que Deus queria; mas é possível vermos sempre, em cada momento, o sinal da presença de Cristo.

Vamos examinar mais um trecho. Quando lemos que dez dos doze filhos de Jacó resolvem trair seu irmão José, vendendo-o como escravo aos egípcios (cf. Gn 37.39-45), vemos que, anos depois, sem que esses irmãos saibam, José torna-se administrador do Faraó e surge como salvação para o povo judeu: “Ide a José”; e esses mesmos que o traíram vão e recebem dele alimento. Certamente, podemos ver aí um sinal de São José; mas também podemos encontrar a Cristo: assim como José, Jesus foi vendido; e porque foi vendido, salvou o povo.

José diz aos irmãos para que não tenham medo, pois havia sido um plano da Providência de Deus que ele fosse vendido para, futuramente, poder trazer a salvação para seu povo. Àqueles dez irmãos que o venderam, José diz: “Não tenhais medo!”; aqui, no Evangelho, Jesus aparece aos dez Apóstolos e diz: “Não tenhais medo!”. E Nosso Senhor então mostra que, ainda que aqueles homens o tivessem traído, fraquejando em sua fé, agora Ele estava ali ressuscitado, mostrando que tudo o que havia sofrido serviria para a salvação desses mesmos discípulos.

Vejam então que tudo o que lemos na Velha Aliança adquire um sentido espiritual; e a partir de seus sentidos literais e explícitos, passamos a encontrar a Cristo. Isso não é uma coisa “inventada”. Foi Jesus mesmo quem disse, neste Evangelho de Lucas, que é Dele que fala a Tanak. E logo em seguida, quando o evangelista diz que Jesus “lhes abriu a inteligência”, é porque lhes deu o dom do Espírito Santo, entregando-lhes em seguida a chave interpretativa: “Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso.” 

Aqui, Jesus dá todo um resumo do tempo da Igreja. É este tempo que estamos vivendo, o tempo da evangelização, o qual brota do Ressuscitado. Vejam, meus queridos, como nós temos uma forma católica de ler o Antigo Testamento que não é compatível, por exemplo, com a forma como os judeus o leem — que também não se resume à forma literal. Qualquer judeu culto lhe dirá que a chave que eles usam para entender todos esses acontecimentos da Tanak (incluindo os controversos, como mortes, atrocidades, coisas amorais etc.) é o Talmude: que são os escritos dos rabinos que, durante a tradição deles, foram interpretando as Sagradas Escrituras. Quando chegou a Idade Média, também surgiu no judaísmo um outro nível de interpretação, com influências gnósticas: a Cabala. Ou seja, eles leem o Antigo Testamento com uma chave de leitura completamente diferente da nossa.

É importante que saibamos que, nos últimos séculos, inventou-se uma moda secularista e não-espiritual de ler o Antigo Testamento: busca-se somente o sentido literal e arqueológico, dividindo o texto em mil pedacinhos, pesquisando-se tradições orais etc. Todo esse conhecimento, chamado de leitura histórico-crítica da Bíblia, tem a sua validade para conhecermos o sentido literal do texto, mas não nos dá o verdadeiro sentido das Escrituras, que encontramos somente através de Cristo.

É importante insistir que o verdadeiro sentido das Escrituras está em Jesus. Há muitos que, desorientados, leem a Bíblia neste sentido meramente “científico”, mas não dão o passo espiritual, o passo da fé. Em última análise, fique com esse conselho: quer ler a Bíblia? Então primeiro você precisa ser católico, ou seja, você precisa estar na Igreja, fazer parte desse organismo, desse Corpo que, ao longo de dois mil anos, vem lendo a Bíblia.

Com os protestantes, quinhentos anos atrás, criou-se a ilusão de que a leitura da Bíblia vai me dizer o que é a Igreja. Mas é o contrário: precisamos entrar para a Igreja, e é a Igreja quem vai nos dizer o que é a Bíblia. Está claro no Evangelho que Jesus deu aos discípulos a inteligência para entenderem as Escrituras. É a Igreja que sabe o significado! Quando Jesus apareceu aos Apóstolos naquela noite de Páscoa, não havia sequer uma linha escrita do Novo Testamento. Quem o escreveu e definiu? A Igreja. Por isso, quem não crê na Igreja, não pode crer no Novo Testamento.

Então, é importante entender isso. No processo de fé, no processo de conversão, primeiro você entra na Igreja, conhece a vida dos santos, conhece os sacramentos, conhece a tradição interpretativa da Igreja, que serve como um instrumento precioso para as pessoas se converterem e crescerem na fé.

Perguntam se a Bíblia é importante na vida do católico… É tão importante, que as Sagradas Escrituras são lidas todos os dias na Missa. Além disso, a Igreja coloca na mão dos fiéis, principalmente dos padres e religiosos, um livro de oração: o Livro dos Salmos (através da Liturgia das Horas ou Ofício Divino). Ora, mais uma vez: como devemos ler os Salmos? Ao lermos um Salmo, se não vemos Jesus nele, então não o lemos corretamente, pois todos os Salmos falam de Jesus! 

Precisamos ver, atrás do sentido literal, um sentido espiritual superior. E como se faz isso? A Tradição da Igreja vai-nos ensinando o sentido cristológico. Esta é a riqueza das Sagradas Escrituras, e o Evangelho de hoje nos serve para dar essa lição. Como deve ser a nossa relação com a Bíblia, especialmente o Antigo Testamento? Ver a Cristo escondido no sentido espiritual.

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