A devoção, como vimos na aula passada, não se confunde com sentimento, uma vez que sua nota essencial é a prontidão da vontade com que nos entregamos ao serviço de Deus. A devoção se funda, por conseguinte, em uma disposição permanente, que costuma receber o nome técnico de hábito. Ora, é o hábito que nos permite produzir, aqui e agora, tal como as circunstâncias concretas o exigem, aquele ato de vontade sem o qual se torna impossível não só cumprir o dever, mas ir além do dever e agir por amor e generosidade. Mas se a devoção pode ser caracterizada em termos de uma disposição habitual permanente e estável, em virtude da qual nos tornamos dispostos a servir a Deus, de que modo ela pode crescer e desenvolver-se?
Antes de mais nada, precisamos estar atentos ao fato de que, como assinala Santo Tomás de Aquino [1], a causa extrínseca e principal da devoção não pode ser senão o próprio Deus. É ele, com efeito, que dá a quem quer a graça de ser devoto, de tal maneira que, se assim tivesse querido, poderia ter suscitado os mais religiosos espíritos dentre os mais indiferentes samaritanos. À semelhança, porém, de todo e qualquer hábito, a devoção pode e deve crescer em nossas almas mediante o nosso esforço pessoal. É por isto que o Aquinate afirma sem receios que a causa intrínseca da devoção, quer dizer, aquela que depende de nós, é a meditação ou contemplação [2].
E a razão disto é clara. O objeto próprio da vontade é o ente sob a razão de bem, isto é, enquanto apetecível. Acontece que a vontade só pode tender a um determinado bem na medida em que ele for, em maior ou menor grau, conhecido pela vontade. Nihil volitum nisi præcognitium, diz um antigo axioma filosófico: nada pode ser desejado se não for antes conhecido, apreendido pelo intelecto. Do contrário, a vontade sequer teria notícia, por assim dizer, do bem que a atrai. Por isso, quanto mais intensamente conhecemos um bem, mais ardentemente o desejamos, mais firmemente nos dispomos a “pagar o preço” de o possuir.
Ora, a devoção, como ficou dito acima, consiste na prática em um ato da vontade “pelo qual o homem se entrega com prontidão ao serviço divino” [3]. Por isso, a devoção será cada vez mais intensa e profunda quanto maior for o nosso conhecimento de seu objeto, ou seja: o serviço divino e, em última análise, o próprio Deus, a quem desejamos servir. E é a meditação [4], sobretudo da bondade divina e dos inúmeros benefícios com que o Senhor favorece a nossa miséria, o meio de enxergarmos com um olhar cada vez mais penetrante e apaixonado “o quão suave é o Senhor” (Sl 33, 9).
Se é da consideração da grandeza de Deus e da pequenez do homem que nasce a devoção, como não há de florescer em nossa alma esse dom precioso pela meditação do maior bem que Jesus nos deu, sua própria Mãe, a mais perfeita das criaturas, e do mais excelente dos benefícios com que ele nos enriqueceu, a maternidade espiritual de Maria Santíssima? Que graça extraordinária é tê-la por Mãe e Intercessora! Que tesouro inestimável o Senhor nos conferiu ao pronunciar aquelas palavras, dirigindo-se a todos os homens, figurados na pessoa do discípulo amado: “Eis aí a tua mãe” (Jo 19, 26). Que o nosso entendimento possa, pois, mergulhar nessas verdades, tão doces quanto sublimes, e que, a esta luz, possa a nossa vontade buscar com apressada e pronta esperança a união de amor que Deus quer ter conosco.