São Luís Maria fala-nos da devoção à Virgem Santíssima em termos de uma perfeita e inteira consagração, consistente em entregar-se totalmente, na condição de escravo de amor, a Nossa Senhora. É um verdadeiro “totus tuus”, no rigor da expressão. Ora, isso implica uma cabal entrega, sem nenhuma exceção, de tudo o que somos, em corpo e alma, e possuímos, tanto externa quanto internamente. O objeto dessa entrega, portanto, abrange as seguintes realidades: o corpo, com todos os seus bens, e a alma, com tudo o que ela de algum modo pode possuir. Confiamo-lo sem reservas aos cuidados de Maria, que passa a poder dispor de tudo como coisa e propriedade sua. Nada escapa ao seu senhorio: casa, família, recursos econômicos, méritos, graças, virtudes, satisfações etc.

Esta imolação que fazemos de todo o nosso ser a Jesus Cristo por mãos de Maria talvez pareça “excessivo” a alguns e “pouco vantajoso” a outros. De fato, não seria imprudente abdicar de forma tão radical até mesmo do valor de nossas mais singelas orações? A resposta encontra-se, como não poderia deixar de ser, nas páginas do Evangelho. Na parábola do filho pródigo, com efeito, constatamos como o excessivo apego a si mesmo e aos próprios bens — numa palavra, a este desejo desordenado de ser senhor “do próprio nariz” — leva invariavelmente à mais abjeta das escravidões: a de uma criatura racional, chamada a participar da santidade de Deus altíssimo, submetida a criaturas irracionais. Aquele filho ingrato, de tanto esbanjar da fortuna do pai, acaba sem nada, invejando a lavagem dos porcos (cf. Lc 15, 16). É só ao renunciar à falsa autonomia de uma vida voltada sobre si mesma que ele, reconhecendo diante do pai não ser digno de ser chamado seu filho, recebe a melhor veste e o mais precioso anel (cf. Lc 15, 21s).

É isso o que fazemos quando nos consagramos à Virgem Santíssima. Reconhecemo-nos pecadores, menos do que empregados na casa do Pai, escravos de vícios e pecados, e damos-lhe todos os nossos bens, para que ela cuide deles e os empregue como achar conveniente. Assim não há perigo nem de perdermos tudo por nossa insensatez, já que a Virgem é prudentíssima e a melhor das administradoras, nem de ficarmos sem nada, uma vez que, como Mãe previdente, ela não nos deixará nunca sem o necessário. Pondo tudo à sua disposição, ganhamos a segurança de que nada nos há de faltar, pois ela, por ser justíssima, não dilapida nem esbanja, senão que se serve do que lhe é oferecido da melhor maneira possível. Ela guardará nosso corpo, na saúde e na doença, com todos os seus membros, e jamais se negará a dispensar seu carinho de Mãe aos que se lhe confiam como escravos.

Consagramos ainda nossa alma com suas faculdades, inteligência e vontade, e todas as nossas virtudes — naturais e infusas —, bem como a graça santificante, as mercês recebidas de Deus, os dons do Espírito Santo, o valor meritório, satisfatório e impetratório de nossas boas obras. Nada, portanto, fica conosco. Tudo quanto possuímos passa a ser dela; tudo o que fizermos, devemos fazê-lo para ela e com o fim de agradá-la e bem servi-la. A alma que assim se consagra já não tem mais o direito de dispor de nada que seja seu sem a permissão de Maria, uma vez que tudo, sem nenhuma reserva, lhe foi entregue [1].