Descrevemos na aula passada as crises de consciência que atormentaram Lutero até a sua ordenação sacerdotal em 1507. Falta-nos ainda, ao longo dos próximos encontros, estudar a solução pessoal que o pai da “Reforma” encontrou para os seus problemas e determinar, de uma perspectiva espiritual mais sadia, qual poderia ter sido a resposta adequada a essas crises morais. Estamos diante, pois, de duas fases distintas, embora vinculadas, da biografia de Martinho Lutero: de um lado, temos o processo de gestação das suas Anfechtungen, que chegariam a seu ponto culminante nos anos posteriores à ordenação sacerdotal; de outro, encontramo-nos com a fase de racionalização que, no fim das contas, dará origem a uma solução heterodoxa, em forma de ideologia, a essas mesmas tensões espirituais que o vinham angustiando.
Convém esclarecer desde já que por ideologia entendemos aqui um estado de espírito em virtude do qual um indivíduo se encontra tão apegado a uma ideia que, para não ter de renunciar a ela, se dispõe a fechar os olhos a todas as evidências contrárias. Trata-se, em outras palavras, de uma forma de perverter a própria visão de mundo, a ponto de forçar o mundo a se adaptar...