Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 11, 2-11)
Naquele tempo, João estava na prisão. Quando ouviu falar das obras de Cristo, enviou-lhe alguns discípulos, para lhe perguntarem: “És tu, aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?”
Jesus respondeu-lhes: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados. Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!”
Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a falar às multidões sobre João: “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti’. Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele”.
Meditação. — 1. Neste 3.º Domingo do Advento, chamado também de Domingo Gaudete (ou Domingo da Alegria), a Igreja permite que os sacerdotes vistam paramentos róseos para expressarem, com isso, a felicidade do Natal que se aproxima. A antífona de entrada da Missa canta justamente as palavras de São Paulo aos Filipenses: “Gaudete in Domino semper”.
A realidade central do cristianismo é o mistério da Encarnação, o “admirável intercâmbio” pelo qual Jesus fez-se Deus conosco, para nos comunicar as suas riquezas e assumir as nossas misérias. Tal realidade deu-se de uma forma absolutamente inesperada, porque nós, embora esperássemos desde sempre a vinda de um Salvador, jamais imaginaríamos que o próprio Senhor do céu e da terra viria ao nosso encontro. Mas Ele mesmo, em Pessoa, veio até nós. E essa deve ser a razão principal da nossa grande alegria.
A primeira leitura da Missa, contudo, parece sugerir outra sensação para além da alegria. Diz assim o profeta Isaías: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar”. De que se trata essa vingança, afinal? E o que podemos fazer diante dela?
Na verdade, Deus vem com o propósito de destruir toda maldade e escravidão do pecado. É nisso que consiste a sua vingança. Ele não vem, como podem pensar alguns, para “estragar” a diversão de seus filhos, ao estilo de um pai ou uma mãe que flagram suas crianças fazendo bagunça. O que Jesus deseja, no mais fundo de seu coração, é a nossa libertação, a vingança contra o coração egoísta, que não quer se doar pelo bem do próximo, que age à revelia da própria vocação, num ato de escandalosa desobediência.
Nós, homens carnais, somos prisioneiros de nossas próprias opiniões, de nossos próprios apetites e desejos, de modo que, muitas vezes, agimos contra a grande vocação de todo ser humano, que é a união mística com Cristo. Somos como um olho que se recusa a enxergar, um ouvido que não quer ouvir ou uma perna que se nega a andar; ou seja, contrariamos o propósito de nossa existência simplesmente por nossos caprichos egoístas. O nosso coração foi feito para amar, mas nos recusamos a dar amor.
Deus vem, pois, com sua vingança, e então, como diz o profeta Isaías, “se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos”. Sim, vem a vingança do Senhor porque vem para nos libertar, vem para libertar o nosso coração escravo do egoísmo, escravo de nós mesmos.
2. Inspirada pelo seu fundador, a Igreja Católica não deixa de lutar pela liberdade de seus filhos, a fim de que possam amar livremente a Deus e ao próximo.
Por outro lado, há uma tendência no mundo de hoje — e inclusive dentro de certas confissões cristãs, que pregam o predestinacionismo — de negar que o homem possa ser livre. Com isso, os adeptos desse falso juízo negam a responsabilidade dos atos humanos, dizendo que o pecado não pode ser imputado à consciência, porque todo ser humano é obrigado a pecar contra a lei de Deus. Desse modo, eles encontram qualquer desculpa para não assumirem o próprio erro: vale apelar para problemas familiares, dependência química, dificuldades financeiras, opressão da sociedade etc. Enfim, tudo serve para fugir da própria responsabilidade.
Para a Igreja Católica, no entanto, todo homem é livre porque Deus assim o fez. Aliás, Deus amou tanto os seus filhos que os criou livres justamente para que pudessem escolher entre a bênção e a maldição. Isso significa que somos, sim, responsáveis pelos nossos atos e merecemos as consequências pelas nossas escolhas erradas. Com a nossa liberdade, fomos capazes de inventar cadeias tão severas, ao ponto de aprisionarmos a nós mesmos. De fato, nós somos as mais miseráveis vítimas do mais terrível crime: nós somos a vítima e somos o criminoso, porque fizemos essa opção pelo caminho do mal.
Nesse sentido, a liberdade humana é, por um lado, um maravilhoso presente de Deus e, por outro, uma triste miséria pela qual podemos encerrar-nos em fortes prisões. A alegria destes dias de Advento é, por isso, uma alegria ainda misturada ao fel do pecado; uma mistura do branco da liberdade com o roxo da escravidão, representados pelos paramentos róseos da liturgia. Apenas no Natal é que poderemos cantar com toda a Igreja a liberdade definitiva, trazida por Aquele cuja graça é a única capaz de romper as cadeias do mal.
3. Naturalmente, o modo como Deus vem ao nosso encontro para nos libertar é bastante desconcertante. Diferentemente do que alguns acreditam, Jesus não veio como um mestre apenas, uma espécie de Confúcio ou Maomé; Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, veio a esse mundo com uma missão, com a missão de morrer. Eis a verdade católica: Deus é tão livre, que é livre para vir a esse mundo e morrer por nós. Sabendo disso, São João Batista enviou seus discípulos a Nosso Senhor, a fim de que vissem seus prodígios e passassem a segui-lo. João Batista cumpriu, desse modo, a profecia de Malaquias, agindo como um mensageiro, ou seja, um anjo de Deus que anuncia a vinda do Salvador; ele é, por isso, mais que um profeta, porque não anuncia coisas de um futuro ainda distante, mas algo que já viu e contemplou: o Deus encarnado que veio para morrer e salvar a humanidade.
A alegria cristã é, com efeito, uma alegria dramática, porque passa pela dor do sacrifício vicário de Deus. G. K. Chesterton assim notava que o cristianismo consegue unir duas coisas bastante disparatadas, alegria e sofrimento, numa mesma realidade. E, de fato, todo cristão tem algo do temperamento sanguíneo, dada a sua capacidade de enxergar graça em tudo, e, ao mesmo tempo, é melancólico, porque enxerga o drama no qual a humanidade padece por conta do pecado. Nessa dinâmica, a alegria de sabermos que seremos salvos pelo Menino que vem, deve nos fazer enxergar com coragem a nossa própria miséria, implorando a Deus para que, com sua morte, Ele nos dê nova vida.
O Natal, então, será mais do que alegre; será verdadeiramente feliz, porque a liberdade do homem, restaurada pela liberdade de Deus que morreu por nós, prepara-nos para a liberdade do amor que iremos cantar no Céu.
Oração. — Ó Menino Jesus, cujo nascimento já é marcado pela sombra da cruz, ajudai-nos a romper as cadeias do pecado, para que, neste Natal, sejamos verdadeiramente felizes pela graça da liberdade. Assim seja!
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