CNP
Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
Todos os direitos reservados a padrepauloricardo.org®

Festa de São Bartolomeu, Apóstolo

Cristo, que sonda os rins e os corações, conhece até os nossos mais íntimos pensamentos, porque nada lhe está oculto: Ele nos vê com olhar penetrante e quer nos iluminar com o dom da fé e com a verdade da nossa altíssima vocação à filiação divina.

Texto do episódio

Texto do episódio

imprimir

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 1,45-51)

Filipe encontrou-se com Natanael e lhe disse: “Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e também os profetas: Jesus de Nazaré, o filho de José”.

Natanael disse: “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe respondeu: “Vem ver!” Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”.

Jesus disse: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.

Celebramos hoje a festa de São Bartolomeu, ou São Natanael, os dois nomes com os quais esse Apóstolo é chamado nas Sagradas Escrituras. A narrativa da vocação e conversão de São Bartolomeu está no início do evangelho de São João, naquela semana inaugural em que São João começa narrando de modo semelhante ao livro do Gênesis: “No princípio, Deus criou o céu e a terra”; no livro do evangelho, São João inicia, dizendo: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus”. Como o Gênesis narra a criação em uma semana, João narra a semana inaugural da vida pública de Jesus, e é ali, naquele início, que acontece o chamado de Natanael.

Uma das coisas importantíssimas desse episódio do Evangelho — importante para a vida de Natanael e importante para a nossa vida — é o fato de reconhecermos que Deus olha para nós e conhece-nos muito antes de nós olharmos para Ele e de o conhecermos. Aqui, Jesus diz o seguinte: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás”.

Jesus viu Natanael debaixo da figueira, e uma das coisas que deixa todo o mundo um pouco curioso é: o que Natanael estava fazendo debaixo da figueira? Mas isso é só curiosidade, não é verdadeiro conhecimento.

Mais importante do que aquilo que Jesus viu Natanael fazendo debaixo da figueira, é o fato de que Jesus o viu. Jesus vê a cada um de nós, somos objeto de um olhar bondoso e divino. Ele nos vê antes mesmo que nós o vejamos, antes de termos fé, antes de conhecermos Jesus e lhe darmos o consentimento da nossa fé. Deus se antecipa e já vem ao nosso encontro. Assim como, no livro do Gênesis, Deus desce para passear com Adão na brisa da tarde e pergunta: “Adão, onde estás?”, e Adão estava atrás do arbusto, também Jesus, Deus salvador, desce para vir atrás do homem e pergunta: “Natanael, onde estás?”, e ele estava lá, debaixo da figueira. Deus o viu, Deus foi em busca dele. Deus veio ao nosso encontro.

Esse é um princípio fundamental da espiritualidade cristã. Nas religiões pagãs, é o homem quem tem de ir em busca da divindade, é o homem quem, como diz São Paulo no Areópago, “às apalpadelas” busca a Deus para finalmente formar uma crença. Nós, cristãos, não; Deus vem ao nosso encontro, Ele nos vê primeiro, antes que nós o vejamos e, porque Ele nos viu, seu olhar nos ilumina, ilumina em nós a fé. Por isso, nós cristãos não temos uma “crença” humana, nós temos uma “fé” baseada no próprio Deus que se revela. É a fé que nos muda desde dentro e mostra-nos que não pertencemos a nós mesmos, e sim àquele que, desde sempre, viu-nos, amou-nos, escolheu-nos e salvou-nos. Sob esse olhar de Jesus e iniciativa dele, está fundada toda a nossa vida espiritual.

Que a vocação de Natanael ilumine também a nós. Mesmo que nossos pais talvez não tenham escolhido que viéssemos ao mundo, mesmo que não quiséssemos ser do jeito que somos, existe uma Bondade que nos escolheu e chamou-nos do jeito que somos, para buscarmos a conversão e, assim ajudados por sua graça, alcançarmos a salvação eterna.

* * *

Filipe e Natanael (cf. Jo 1,43-51). — V. 43s. No dia seguinte àquele em que André trouxera-lhe o irmão, quis Jesus ir deliberadamente à Galileia. Logo ao partir ou já a meio caminho, segundo a maioria dos intérpretes, ou só depois de ter lá chegado, segundo outros, encontrou Filipe, que era de Betsaida, e disse-lhe: Segue-me, não só como companheiro de viagem, mas como discípulo (cf. Mt 8,22). — V. 45s. Assim como André comunicou-o ao irmão, também Filipe comunica ao amigo o tesouro que encontrara. Mas Natanael [1], ainda não iluminado pela graça, objeta-lhe em rosto: De Nazaré, lugar tão pequeno e insignificante, pode porventura sair coisa que seja boa? As palavras soam como um provérbio, o qual, embora não atestado em nenhum lugar, se explica perfeitamente, já que era persuasão comum entre os judeus que o Messias viria de um lugar nobre (cf. Mt 2,5s), e Natanael, sendo de Caná da Galileia (cf. Jo 21,2), expressaria algum sentimento de rivalidade com Nazaré, cidade vizinha.

V. 47. Jesus, vendo-o aproximar-se, elogia Natanael: Eis um verdadeiro israelita, i. e., verdadeiramente digno de tal nome, em quem não há dolo, i. e., um homem reto e simples. — V. 48. Natanael disse-lhe: Donde me conheces tu? São palavras de quem se admira ao saber-se conhecido por alguém com quem nunca teve contato. Jesus, no entanto, mostra que o conhece não só a ele, mas também a seus pensamentos e atos mais secretos: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, quando estavas debaixo da figueira. É difícil, senão impossível, conjecturar o que estaria fazendo ele. É certo, em todo o caso, que deve tratar-se de algo que só Deus ou alguém divinamente instruído poderia saber; do contrário, Natanael não o tomaria como sinal suficiente para confessar que Jesus é o Messias (cf. Santo Tomás de Aquino, Super Ioann. I, l. 16, n. 325).

V. 49. Maravilhado com esta essa manifestação de ciência sobrenatural, Rabi, exclamou ele, tu és o filho de Deus, tu és o rei de Israel (gr. ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ, σὺ βασιλεὺς εἶ τοῦ Ἰσραήλ). Ora, como só mais tarde Pedro será louvado por reconhecer a divindade de Cristo (cf. Mt 16,18), não é verossímil que Natanael a tenha reconhecido desde o início. Sinal disso são, por um lado, o fato de Jesus não o elogiar e, por outro, o uso do aposto (explicativo) rei de Israel, de maneira que a expressão o filho de Deus designa aqui simplesmente o Messias [2]. Afinal, a própria Escritura chama a Cristo filho de Deus e rei de Israel. Além disso, dado que tanto o povo eleito quanto — e sobretudo — os reis teocráticos eram chamados filho de Deus (cf. e.g. Ex 4,22; Is 1,2; Jr 3,19; 31,20; 2Sm 7,14 etc.), é evidente que o rei Messias haveria de ser designado da mesma forma, e de modo singular e excelentíssimo, assim como haveria se fosse rei de Israel de modo mais sublime e perfeito que todos os outros [3].

V. 50s. Jesus, a fim de confirmar a fé incipiente do discípulo, promete-lhe ver portentos maiores: Vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo (como na escada de Jacó, cf. Gn 28,10ss) sobre o Filho de homem [4]. Com essas palavras, Jesus delineia e resume para os discípulos, em termos um pouco figurados, o que será a sua vida pública. O que nunca fora dado a um homem algum, subir até Deus (cf. Jo 1,18), isso mesmo será dado a Ele. Na verdade, tão patente será em sua vida a manifestação da claridade celeste, que com razão se poderá dizer que os anjos, como ministros perpétuos, subindo e descendo constantemente de um a outro extremo, apresentarão a Deus os desejos de Jesus, e trarão do Pai para Jesus os seus segredos e revelações, a sua glória e o poder de realizar milagres. Ao mesmo tempo, revela-se a peculiar natureza de Cristo: será homem na terra como os outros, mas unido a Deus com íntima familiaridade. Desta singular união serão testemunhas os próprios discípulos. O que Jacó vira em sonhos, verão eles despertos e à plena luz.

N.B. — Essa é a interpretação mais provável dos vv. 50-51 segundo boa parte dos autores modernos, embora no passado alguns os tenham referido ao juízo final, enquanto outros viram neles uma alusão ao papel dos anjos na vida de Cristo (aparição na ressurreição, na ascensão, na agonia etc.) ou os interpretaram em sentido místico (como se fora dito: “Vereis o céu aberto para de lá receberdes, pelo ministério dos anjos, os tesouros celestes”, i. e., graças e carismas). O texto deixa claro, não obstante, que as palavras do Senhor são dirigidas aos discípulos ali presentes, aos quais prometem algo no futuro para corroborar a fé deles. Ora, na ressurreição, os anjos apareceram apenas às mulheres, e na ascensão não apareceram sobre o Filho, mas depois que ele desapareceu entre as nuvens. Quanto ao juízo final, é evidente que, naquele dia, a fé dos discípulos não poderá mais crescer; de mais a mais, seria inadequado para este fim invocar um acontecimento tão distante no tempo.

Comentário espiritual.a) Sentido literal: Respondeu Jesus e disse-lhe: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, quando estavas debaixo da figueira, quer dizer: “Embora estivesses sozinho sob a figueira e julgasses não ser visto por ninguém, eu te vi e sei o que em segredo ali fazias e pensavas. Vi também e ouvi tua conversa com Filipe, quando ele te chamou para me conheceres, mas tu lhe disseste: De Nazaré pode porventura sair coisa que seja boa? Disto podes concluir que sou mais do que um homem, i. e., o Messias, ou o Filho de Deus”. — b) Sentido místico: Quando estavas debaixo da figueira, i. e., à sombra da Lei, te vi eu para te trazer à luz do meu Evangelho (cf. São Gregório Magno, Moral. XVIII 20). — c) Sentido tropológico: Aprendemos a reconhecer e venerar a Deus Pai e Jesus Cristo presentes em todos os lugares. Quando estamos a sós no quarto, ou mesmo quando pensamos ou alimentamos secretamente algum desejo no coração, Cristo nos vê e penetra nossos mais íntimos pensamentos. Tenhamos, pois, o cuidado de nada pensar, desejar ou fazer que ofenda os olhos de sua majestade. Assim viu ele a Natanael e seus atos debaixo da figueira, assim viu Deus a Adão comer sob a árvore o fruto proibido.

Referências

  1. Bartolomeu (= filho de Tolma ou de Tolomeu) é provavelmente a mesma pessoa que Natanael (do qual fala Jo 1,45-50; 21,2). A identidade entre eles é ignorada pela tradição mais antiga, mas passou a ser admitida por muitos latinos a partir de Ruperto de Deutz († 1129) e por vários exegetas do séc. XVI; de fato, o evangelista João, que não fala de nenhum Bartolomeu, enumera duas vezes a Natanael entre os Apóstolos (cf. loc. cit.). Os sinóticos, embora não façam qualquer menção a Natanael, falam todavia de Bartolomeu. Também é digno de nota que, nos sinóticos, Filipe e Bartolomeu e, no evangelho de João, Filipe e Natanael aparecem lado a lado ou na mesma narração. É, portanto, ao menos verossímil que este Apóstolo, assim como Pedro, Mateus etc., tivesse um duplo nome, de modo que era conhecido como Natanael (nome próprio) e como Bartolomeu (cognome, ou nome do pai).
  2. Cf. J. Knabenbauer, Commentarius in Evangelium secundum Ioannem. Paris: P. Lethielleux (ed.), 1898, p. 112: “Muitos explicam que, neste lugar, filho de Deus não significa Filho natural, mas Messias, que por certa excelência é assim chamado mais do que os outros filhos; contudo, ainda não é reconhecido como Deus… Crisóstomo, com efeito, assim argumenta: ‘Por que Pedro, após tantos milagres, após receber tanta doutrina, confessou: Tu és o Filho de Deus, e foi declarado feliz porque o Pai lho tinha revelado, enquanto Natanael, que antes dos sinais e da doutrina dissera a mesma coisa, não ouviu nada parecido, mas foi enviado para ver coisas maiores, como se não tivesse dito nada além do necessário? Qual é, pois, a causa da diferença? É que os dois, de fato, pronunciaram as mesmas palavras, mas não com o mesmo sentido. Com efeito, Pedro confessou o Filho de Deus como verdadeiro Deus, Natanael porém como simples homem. Isso é evidente também pelo que segue, pois a Pedro não faz Cristo nenhum reparo, mas afirma, como se fosse já perfeita a sua fé, que haveria de edificar a Igreja sobre a sua confissão. Aqui, no entanto, vemos o contrário, e como se à confissão dele [de Natanael] faltasse a parte mais importante, acrescenta [Cristo] o restante’”.
Texto do episódio
Comentários dos alunos

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.