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Texto do episódio
01

Às vésperas da preparação para a grande festa de Nossa Senhora de Fátima, falaremos hoje sobre o célebre terceiro segredo desta aparição. 

Por que esta mensagem é tão importante? Basicamente, porque as revelações de Fátima previram toda a história do século XX e deste início do século XXI, e parece-nos que ainda tem algo a dizer sobre o nosso futuro.

O que Nossa Senhora realmente pretendia com aquela mensagem confiada aos três pastorinhos na Cova da Iria, no dia 13 de julho de 1917? Inicialmente, a Virgem proibiu que os pastorinhos a revelassem. Observamos também que foram somente Lúcia e Jacinta que a ouviram, enquanto Francisco somente teve a visão (mas Nossa Senhora permitiu que as meninas contassem ao garoto o que ouviram). No entanto, o conteúdo deste segredo foi mantido oculto para que, no tempo oportuno, fosse revelado a nós.

Pouco depois das aparições, morreram Francisco e Jacinta. Ficou Lúcia, a quem Maria Santíssima havia dito: “A Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo.” O motivo é que Lúcia recebera uma missão: propagar no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Tornada guardiã da mensagem de Fátima, ela entrou na vida religiosa e aprendeu a escrever, e anos depois finalmente registrou, em três partes, o conteúdo do que ouvira de Nossa Senhora.

As duas primeiras partes do segredo

A primeira parte, que ganhou o apelido de primeiro segredo de Fátima, foi uma visão do Inferno que a Virgem proporcionou aos três pastorinhos. Embora, para quem crê na doutrina católica de sempre, não seja nenhum segredo a existência do Inferno, essa realidade tornou-se “segredo” para o homem do século XX. Infelizmente, entrou dentro da Igreja, atingindo a muitos de seus membros, a heresia do modernismo, que entre outros erros não crê no Inferno, ou faz-nos pensar que alguém só é condenado eternamente se fizer algo de muito absurdo.

No entanto, ao longo dos séculos — dois mil anos de cristianismo —, nós sabemos que o Inferno é realidade. Afinal, nas Sagradas Escrituras é o próprio Jesus Cristo quem menciona mais o Inferno do que o Céu, a fim de nos alertar. Portanto, sabemos que o Deus de misericórdia se fez homem exatamente para nos livrar da perdição eterna.

Astuciosamente, Satanás empreendeu esforços para que o homem moderno não cresse mais no Inferno: “Deus é tão bonzinho. Ele não condenará vocês por nada que fizerem.” E assim a humanidade foi se tornando cada vez mais perversa. Poderíamos ilustrar essa tragédia como se houvesse uma gangue de meninos de rua, e o mais velho e esperto enganasse os mais novos, dizendo:

— Vá lá e roube aquele cara!

— Não, mas eu vou ser pego… — responde o mais novo.

— Que nada! Nesta hora não tem policial. E mesmo se tivesse, você não seria punido, porque é menor de idade.

E então o mais novo tenta fazer o roubo, é pego e termina detido numa casa para menores infratores.

De certa forma, é isso o que acontece quando o diabo nos convence de que “o Inferno não existe”. O discurso do inimigo é mais ou menos este: “Sejamos ‘felizes’, façamos o que quisermos, porque não há punição!” Faz-nos lembrar o Salmo 52 (53), 2: “O insensato diz em seu coração: ‘Não há Deus’”.

No entanto, o próprio Deus de misericórdia vem exatamente para nos despertar. Eis o primeiro segredo de Fátima: é Nossa Senhora que, vendo em Deus o futuro, sabe que a santa Igreja será atribulada por um problema interno, que o dogma da fé será abalado; e por isso, como Mãe misericordiosa, recorda aos seus filhos a existência do Inferno.

A segunda parte da mensagem, chamada de segundo segredo, diz respeito à devoção ao Imaculado Coração de Maria. Nossa Senhora quer ensinar e propagar esta devoção para que façamos algo em favor dos “pobres pecadores”, para evitar que eles se precipitem no fogo eterno, tal como aqueles milhões e milhões de almas que as crianças viram caindo no Inferno.

Veja: existe, nesse mecanismo infernal que aflige o mundo moderno, uma série intrincada de erros e de mentiras que são contadas para enganar e perder as pessoas. Por isso, Nossa Senhora também revela que existe algo que Satanás está usando como instrumento para espalhar esses erros pelo mundo: a Rússia. Por isso, Maria Santíssima pede que se consagre a Rússia ao seu Imaculado Coração, para que haja um tempo de paz. Do contrário, esses erros se espalhariam pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. 

Finalmente, há a terceira parte da mensagem, que ficou secreta por muitos anos. As duas primeiras mensagens foram reveladas por Lúcia anos após a aparição de Fátima. No entanto, Lúcia escreveu a terceira mensagem, o que foi motivo de uma grande aflição interior para a religiosa. Narra-se que ela recebeu esta ordem de escrever a última parte do segredo em obediência ao bispo de Fátima e Leiria. Mas o que teria essa mensagem de tão terrível para que a santa Irmã Lúcia tivesse dificuldade de no-la revelar?

O fato é que ela colocou isso tudo por escrito e o Vaticano requisitou a mensagem. (Poderíamos dizer “confiscou”, porque Lúcia não mandou diretamente a mensagem para Roma. Ela a escreveu e colocou na mão do bispo, que a guardou). Mas sabendo que aquela mensagem havia sido finalmente escrita, o Vaticano então requisitou ao bispo para que lhe fosse enviada.

Uma vez que a Santa Sé havia recebido a mensagem, chegou o momento oportuno em que Lúcia previa que ela deveria ser lida, por volta dos anos 1960. Era o pontificado de João XXIII. O Papa leu a mensagem, mas ao que tudo indica, não quis julgar se havia indícios claros de que ela fosse realmente algo vindo do Céu.

Controvérsias em torno do terceiro segredo

É importante observarmos algo que causa muita confusão a respeito do terceiro segredo de Fátima, para que muitos não fiquem escandalizados. 

Trata-se de uma revelação privada. Isto significa que, por mais que os eventos de Fátima tenham sido clamorosos — por exemplo, setenta mil pessoas testemunhando o milagre do Sol —, a mensagem de Nossa Senhora, que havia sido revelada aos três pastorinhos no dia 13 de julho de 1917, só foi escrita anos depois pela Irmã Lúcia. Neste sentido, há fontes ligadas ao Vaticano que insistem a todo momento que devemos recordar os limites da vidente, ou seja, Irmã Lúcia era uma irmã muito simples, não versada em teologia etc.

Quando foi revelada a terceira parte da mensagem de Fátima no ano 2000, o próprio Cardeal Ratzinger, futuro Bento XVI, fez uma conferência a respeito do tema. Desta conferência, podemos extrair basicamente uma substância: a partir da antropologia das revelações privadas, podemos concluir que o vidente é um canal do qual nós podemos suspeitar. Muitos se questionam por que o Vaticano escondeu a terceira parte da mensagem por tanto tempo, mas isso se deu essencialmente porque havia naquele texto alguma coisa que as pessoas da Santa Sé consideraram como desprovida de sinais humanos de credibilidade, ou simplesmente algo de muito incômodo mesmo. E nós sabemos que, quando recebemos uma palavra incômoda, muitas vezes preferimos não ouvi-la.

O ponto do terceiro segredo é que, de todos que o leram, nem todos lhe deram total credibilidade. O Papa Pio XII acreditava profundamente em Fátima, mas não teve acesso ao segredo, porque ainda não era o tempo de abrir o envelope. O Papa João XXIII teve suas dúvidas. O próprio Paulo VI, embora tenha ido a Fátima e dado grande importância e privilégio à aparição, não parece ter dado grande credibilidade ao texto da Irmã Lúcia. Era uma mulher muito simples, e sabe-se que ela pediu para falar com o Papa Paulo VI, que ordenou que ela comunicasse o que fosse preciso a seu bispo.

Quanto a João Paulo I, não sabemos se ele leu a mensagem, pois viveu muito pouco tempo após a sua eleição. Até que finalmente chegamos a João Paulo II, que inicialmente leu o segredo, mas não parece ter lhe dado muita importância. Todavia, no dia 13 de maio de 1981, uma bala foi disparada por Mehmet Ali Ağca contra o Santo Padre, num atentado à queima-roupa. Ao acordar no Hospital Gemelli, o Pontífice mandou que lhe trouxessem o texto do terceiro segredo. Daquele momento em diante, notamos que João Paulo II ficou bastante incomodado com aquela história e queria a todo custo revelar algo a respeito da mensagem. 

Mas, aparentemente, havia a esse respeito algo de bastante inconveniente.

Chegamos a essas conclusões pois existem vários indícios nessa direção. Àqueles que tiverem interesse em se aprofundar no assunto, em nosso site temos o curso A Mensagem de Fátima, onde apresentamos muitos dados e informações em detalhes. Mas é óbvio que tem de haver algo muito incômodo, senão por que segurariam essa mensagem por tantos anos? O seu conteúdo estava previsto para ser revelado após 1960, mas isso se deu somente em junho de 2000, quarenta anos depois!

Quando o texto foi finalmente divulgado, houve uma grande decepção geral. Isso se deu porque, embora o conteúdo fosse veemente e digno de excitar profunda meditação, não parecia a ninguém que fosse realmente necessário que aquilo tivesse sido guardado por tantos anos. Eu mesmo, quando o li pela primeira vez, assim que saiu no site do Vaticano, vi o documento com o autógrafo e as letras da irmã Lúcia, a transcrição do texto original no português da vidente e traduzido em várias línguas, acompanhei a conferência do Cardeal Ratzinger, a interpretação do Cardeal Sodano etc… Mas não entendi por que aquilo havia sido retido por tanto tempo.

Essa incompreensão a respeito do mistério em torno da mensagem incitou nos devotos de Fátima uma certa perplexidade e a dúvida foi, de certo modo, inevitável: “Será que o terceiro segredo foi revelado na íntegra?”. 

Quanto a essas especulações, mais uma vez recomendamos o nosso curso a respeito da mensagem de Fátima, e por isso aqui não entraremos em tais minúcias. Muitos investigadores das aparições, como Antonio Socci, Christopher Ferrara, entre outros, têm suas opiniões. Mas o fato é o seguinte: há indícios de que o que foi revelado do terceiro segredo de Fátima é, de fato, a visão que os três pastorinhos tiveram. No entanto, há também fortes indícios de que existe um outro documento, um adendo menor, onde está não somente a visão que foi narrada e revelada em 2000, mas também a explicação de Nossa Senhora.

Em outras palavras, assim como vemos Nosso Senhor fazer em certos momentos do Evangelho, é como se a visão revelada aos pastorinhos fosse a parábola, seguida de sua interpretação — como Jesus fez, por exemplo, ao contar a parábola do semeador (cf. Mt 13). No caso de Fátima, essa interpretação teria sido feita por Nossa Senhora. Temos o indício de que foi ela mesmo quem o fez porque, no final da visão, a Virgem Santíssima disse a Lúcia e Jacinta que deveriam guardar segredo, mas que poderiam contar o que ouviram a Francisco (que havia apenas visto sem escutar nada).

Ora, está claro que a terceira parte da mensagem consiste em uma descrição bastante visual, quase como se fosse um “cinema mudo”. A única palavra que se ouve durante o relato é a do anjo que diz: “Penitência, Penitência, Penitência!” Então, parece-nos que falta essa parte que as pastorinhas ouviram, este pequeno adendo, que seria a interpretação. É aqui que está o ponto da controvérsia a respeito da revelação do segredo. O que nos parece é que os prelados do Vaticano julgaram que esta pagela interpretativa poderia ter sido fortemente “contaminada”, por assim dizer, pelas impressões e interpretações da própria Irmã Lúcia. Por isso, ela teria sido retida e não revelada.

Esta é a hipótese, isto é, que os prelados no Vaticano teriam feito um juízo prudencial para o bem das almas, decidindo que, a fim de não criar confusão na Igreja, seria melhor não revelar esta última parte, por não saberem distinguir se aquilo era a interpretação correta ou algo próprio das impressões humanas (e por isso, falíveis) da Irmã Lúcia.

Parece bastante forte isso que estamos dizendo, mas são os indícios que possuímos. Na própria conferência do Cardeal Ratzinger, há uma passagem bastante curiosa em que ele esclarece que a visão é dos videntes, mas a interpretação é da Igreja. Neste sentido, poderíamos inferir que a interpretação feita pela Irmã Lúcia não estaria autorizada, e a correta teria sido aquela apresentada pelo Vaticano.

Esclarecemos, porém, que não estamos diante do Magistério da Igreja. Não existe posição magisterial a respeito da mensagem de Fátima. Nós estamos diante de uma controvérsia onde o que está em jogo é a credibilidade humana. Algumas pessoas se alinham do lado da Irmã Lúcia para dizer que essa possível interpretação dela é válida. Outros dizem que, por ela ser uma religiosa sem uma visão profunda da teologia católica, deveríamos confiar mais nos prelados do Vaticano.

Aos que quiserem saber como me posiciono diante dessa controvérsia, deixo claro: não me posiciono “do lado” de ninguém, pois estamos diante de uma mera hipótese. De fato, quando lemos todas as pessoas que estudaram essa questão de Fátima, percebemos fortíssimos indícios de que o punctum dolens está na parte interpretativa, e foi exatamente por isso que o segredo ficou retido durante quarenta anos; de outra forma, não haveria causa proporcionada para esse efeito. Afinal, “para que foi este desperdício?” (Mt 8, 26), poderíamos perguntar. Por que ocultar por tanto tempo uma mensagem que, pelo que vemos, não trazia nada de mais, se não houvesse algo bastante delicado ligado à sua interpretação?

Como podemos ver, então, a grande polêmica na Igreja em torno de Fátima não está nos acontecimentos de 1917, mas nos escritos posteriores, saídos da pena da Irmã Lúcia décadas após as aparições na Cova da Iria. Portanto, vamos nos debruçar agora sobre o que é incontroverso, isto é, a parte do segredo que nos foi revelada. Nesta mensagem, já nos deparamos com algo enormemente importante para a nossa vida.

O conteúdo do terceiro segredo

Leiamos, portanto, o que está na terceira parte da mensagem de Nossa Senhora de Fátima aos pastorinhos, revelada no dia 13 de julho de 1917, na Cova de Iria. Manteve-se a ortografia original do documento escrito pela Venerável Irmã Lúcia em 3 de janeiro de 1944 (disponível nas Memórias da Irmã Lúcia):

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo em a mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n’uma luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n’um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus.

Analisemos a visão mais detalhadamente. “Depois das duas partes que já expus”, ou seja, a visão do Inferno e, depois, a devoção ao Imaculado Coração de Maria e a necessidade da consagração da Rússia, “vimos (...) um anjo com uma espada de fogo, (…) despedia chamas que pareciam iam incendiar o mundo, mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro”. Nós estamos, claramente, diante de um anjo que traz o castigo divino. Muitos se escandalizam ainda hoje com o conceito da “ira divina” e dos “castigos divinos”. Pensam ser uma noção “medieval”, ultrapassada.

Ora, não sejamos insensatos! Basta abrirmos o Apocalipse para constatar que essa realidade do castigo divino está descrita ali, no cânon bíblico do Novo Testamento. A Igreja, durante dois mil anos, sempre leu este livro como palavra divina revelada, em que anjos trazem castigos do Céu para a conversão da humanidade. A mentalidade modernista, porém, pensa que Deus não castiga ninguém. É como se essas pessoas acreditassem que Deus não é Pai, mas um vovô bonachão, como o Papai Noel, que só se manifesta para nos dar presentes.

É evidente que há castigos divinos, e isso não significa que na visão de Fátima a bondade de Nossa Senhora contraste com a ira de Deus, representada pelo Anjo. A verdade é que tanto o Anjo quanto a Virgem Maria são ministros de Deus.

Existem duas características de Deus: uma é a justiça divina e a sua santa ira, outra é a sua misericórdia divina e clemência. A visão revelada aos três pastorinhos em Fátima — quer seja crida ou não, pois não é artigo obrigatório de fé — traz-nos algo em perfeito acordo com a mensagem da Escritura, seja no Apocalipse seja nos próprios Evangelhos. Afinal, o sermão escatológico de Jesus também fala dos castigos divinos (cf. Mt 24, 1ss; Mc 13, 1-4; Lc 21, 5ss).

Ora, qualquer pai ou mãe é capaz de entender o sentido dos castigos divinos. Qual é a primeira atitude dos pais para corrigirem algo de errado que seu filho está fazendo? Paternos conselhos. Deus nos fala primeiro através da sua Palavra. Mas quando os filhos não querem ouvir os conselhos, Ele então amorosamente manda castigos. Eis os dois instrumentos mais eficazes da ação do Espírito Santo ao longo da história da salvação: a pregação e a desgraça. Recordemos a parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32). O filho caçula tinha o pai perto de si o tempo todo, falando-lhe coisas boas; mas fez ouvidos moucos e foi embora. Quando este filho estava em desgraça, caiu em si. Foi este o momento de sua conversão.

O castigo, portanto, é uma das obras de misericórdia de Deus na história da humanidade. Primeiro, Ele manda mensageiros que pregam a sua Palavra. Foi nesta função que Nossa Senhora veio em Fátima, mas também em Lourdes, onde Bernadette também a ouviu dizer: “Penitência, Penitência, Penitência!”, e pedir em seguida que a vidente francesa ficasse de joelhos e beijasse o chão pela salvação dos pecadores.

Nossa Senhora vem a todo momento com uma mensagem similar. Foi assim em La Salette, em Lourdes e em outras aparições, como Garabandal e Akita. E sequer é necessário acreditar em todas elas: o cerne das visões é fundamentalmente o mesmo, e está na própria mensagem do Evangelho. Foi o próprio Jesus que disse: “Se não fizerdes penitência, perecereis todos igualmente” (Lc 13, 3); e não existe bondade maior do que essa: receber de Nosso Senhor, em pessoa, o alerta sobre as consequências de nosso pecado.

É a respeito disso a primeira parte da visão de Fátima, que descreve o fogo do Inferno. E para evitar que nos percamos na condenação eterna, Deus manda duas coisas. A primeira é uma palavra caridosa dirigida a nós pelos lábios da Virgem Santíssima: a devoção ao Imaculado Coração de Maria (descrita no segundo segredo). Bondosamente, Deus nos traz a mensagem de que é tempo de fazer penitência e de recorrer à sua misericórdia. Por isso, nos ensina a fazer a consagração a Nossa Senhora, comunhões reparadoras etc. Mas se não ouvirmos este paterno conselho, virá a segunda ação do Espírito Santo para a nossa conversão: a desgraça e o castigo.

Nossa Senhora, como rezamos na Salve Rainha, é “clemente, piedosa e doce”. Ora, a clemência de seu coração é aquela virtude que abranda e modera a aplicação de um castigo. Por exemplo, ao ver que seus filhos merecem um castigo de magnitude 10, você pode por clemência aplicar um de magnitude 3.

Pois bem, Nossa Senhora, clementíssima, está segurando o justo castigo que deveríamos receber. E faz isso alertando-nos e dando-nos o tempo necessário para que vivamos a conversão. Portanto, tanto Nossa Senhora quanto o anjo são instrumentos de Deus, pois a ação divina consiste em justiça e ira, mas ao mesmo tempo em misericórdia e clemência.

Não se trata de um Deus “esquizofrênico”, nem de marcionismo (uma heresia que afirma que existe um deus mau no Antigo Testamento e um Deus bondoso no Novo Testamento). A fé católica nos ensina que há um só Deus verdadeiro, que possui esses dois aspectos. Em nosso site, a todo momento é possível se deparar com aquele ícone do século VI, do Cristo Pantocrator do Sinai, onde identificamos a face esquerda de Jesus mais sombria e triste, enquanto a face direita é mais serena e bondosa; formando porém um único rosto harmonioso nestas duas faces de um “olhar que cura”. Deus é Pai e Mestre, e como um bom pedagogo, primeiro age pacientemente, usando sua palavra, mas também aplica o castigo como último recurso de misericórdia para que nos convertamos.

Um exemplo recente para esses aspectos foi toda a crise que a humanidade viveu devido ao Covid-19. Ora, quem de nós duvida que a pandemia de Covid-19 foi uma ocasião para queda e reerguimento de muitos? Foi queda para muitos que enlouqueceram nesse período, revoltando-se contra Deus e abandonando a fé; mas também foi motivo de reerguimento daqueles que estavam afastados da Igreja, que antes não rezavam nem procuravam a Deus, mas “retornaram para casa”.

Enfim, os castigos divinos são momentos maravilhosos da misericórdia divina, nos quais temos a oportunidade de escolher que destino eterno queremos seguir. E assim será o castigo previsto no terceiro segredo de Fátima. Nesta ocasião, está previsto que acontecerá a conversão de muitos. É a última chance de misericórdia que Deus dará para os seus filhos.

O centro dessa terceira parte da mensagem está na imagem do anjo apontando com a mão direita para a terra, enquanto segura a espada de fogo com a mão esquerda e diz com voz forte: “Penitência, Penitência, Penitência!” E por mais que possamos especular a respeito da existência de uma interpretação dessa visão, nesta imagem não há muito segredo: trata-se de algo puramente bíblico, que bem identificamos nas visões de São João Evangelista no Apocalipse.

O trecho mais problemático para a nossa interpretação está na parte em que temos uma dessas visões “condicionais”. Em outras palavras, quando o anjo pede penitência, é como se Deus nos dissesse: “Meus filhos, se vocês não fizerem penitência, vejam o que vai acontecer…” A grande controvérsia reside nestes acontecimentos seguintes: “Vimos numa luz imensa que é Deus…” (em Fátima, várias vezes há essa menção à “luz que é Deus”); então os pastorinhos viram esse acontecimento “em Deus”. No entanto, não é um acontecimento na história, porque a visão nos dá a entender que aquilo poderia ser evitável.

Parece-nos, porém, não se pode mais evitar o que é predito naquela visão, por aquilo que a Irmã Lúcia falou na carta em que pediu a consagração da Rússia. Segundo a vidente de Fátima, ocorreria algo similar ao que aconteceu na França: décadas antes da Revolução de 1789, Santa Margarida Maria Alacoque enviou ao Rei Luís XIV uma carta com o pedido de Nosso Senhor para que o reino fosse consagrado ao seu Sagrado Coração. Quando o seu tetraneto, Luís XVI, finalmente atendeu àquele apelo, já era tarde. Isto posto, se houve a consagração da Rússia válida ou não, isso já é outro debate. O fato é que, se cremos nas palavras da Irmã Lúcia, ela está dizendo que, quando a consagração fosse realizada, já seria tarde demais.

O que Lúcia diz que viu junto com seus primos naquela luz que parece revelar uma visão hipotética do futuro (em que não foram feitos suficientes atos de penitência) foi: “algo semelhante a como se vêem as pessoas no espelho quando lhe passam por diante”. Em 1917, no interior de Portugal — lembremos —, os pastorinhos não faziam ideia do que fosse televisão, mas o que ela está descrevendo é similar a algo visto através de uma tela. E o que eles viram nesta espécie de “televisão”? “Um bispo vestido de branco, e tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”.

Há neste trecho um outro debate: quem seria esse bispo de branco e se este seria mesmo o Santo Padre (que de fato aparece mais tarde de forma inconteste na visão). “Vários outros bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, subiram a escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande cruz de troncos toscos, como se fora de sobreiro com a casca” (sobreiro é a árvore da qual tiram a cortiça). Então, “o Santo Padre (...) atravessou uma grande cidade meio em ruínas e meio trêmulo, com andar vacilante (...) e orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho. Chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande cruz, foi morto por um grupo de soldados (...) E assim mesmo foram morrendo uns trás outros, os bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições”.

O que tudo isto significa nos seus detalhes?

Apesar das disputas em torno deste trecho, em face de todas as informações que temos, há uma chave interpretativa segura. Quando lemos: “Sob os dois braços da cruz, estavam dois anjos, cada um com um regador de cristal em a mão. Neles recolhiam o sangue dos mártires, e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus”, está claro que isto também condiz com o que está apresentado no Apocalipse, pois o trecho nos fala claramente sobre o martírio: os anjos estão recolhendo o sangue dos mártires, após o que acontece algo de benfazejo para a redenção e salvação das outras pessoas.

Portanto, tanto o início quanto o final da visão estão muito claros, pois concordam com o último livro bíblico. Em outras palavras, estão apresentados aqui temas como a perseverança dos justos, e um paralelo com aqueles que clamam abaixo do altar de Deus: “Até quando, Senhor?”, aos quais Deus disse para que aguardassem um pouco, “até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que foram escolhidos” por Deus para serem martirizados (cf. Ap 6, 10s). Quando finalmente os justos clamam em alta voz: “Caiu a Babilônia!” (cf. Ap 18, 2), canta-se então o hino de louvor, o grande Aleluia (cf. Ap 19), quando a Esposa está revestida do linho puro, que segundo São João é a obra dos fiéis mártires (v. 8).

Neste sentido, não há dúvidas sobre a interpretação desses trechos do início e do fim da visão de Fátima. O núcleo, porém, ainda necessita de uma chave interpretativa mais clara. Todavia, o que podemos dizer a respeito de Fátima — e que, no fundo, as pessoas não querem ouvir — é aquilo que já está bastante claro e revelado: nós não estamos ouvindo os apelos de Nossa Senhora. Não estamos ouvindo os apelos do anjo que pede: “Penitência, Penitência, Penitência!” E, portanto, virá o já inevitável castigo. Sendo assim, devemos nos preparar para o martírio, porque é através da nossa fidelidade, do derramamento de nosso sangue, que serão regadas as almas dos fiéis que receberão os frutos da nossa perseverança. Eis aquilo a que mais devemos estar atentos quanto ao segredo de Fátima. O resto é especulação.

Em uma carta escrita ao Papa João Paulo II (e contida em suas Memórias), a Irmã Lúcia diz algo que está claramente na terceira parte da mensagem de Fátima — antes mesmo da publicação oficial do segredo: “A terceira parte do segredo refere-se às palavras de Nossa Senhora, senão a Rússia espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados e o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas”.

Isto significa que toda aquela tragédia descrita na visão diz respeito à Rússia. Por isso, podemos compreender o quão incômoda era a mensagem sob o ponto de vista político e diplomático, e por que se hesitou tanto em divulgá-la. Por exemplo, até agora nenhum Papa teve coragem de fazer uma consagração em que se mencionasse claramente o nome da Rússia. O que testemunhamos foram textos que diziam algo no sentido de: “Consagro as nações do mundo…” etc., mas ninguém falou especificamente da Rússia. Se as consagrações foram válidas ou não, conforme o pedido de Nossa Senhora, é um outro debate. No entanto, quem insiste na especificidade de mencionar a Rússia é a própria Irmã Lúcia em suas correspondências.

[Nota da Equipe CNP: Lembremos que esta aula é de maio de 2021. Todavia, em 25 de março de 2022, o Papa consagrou a Rússia explicitamente ao Imaculado Coração de Maria.]

A terceira parte do segredo diz que “a Rússia vai espalhar seus erros”, e por isso acontecerá guerra, perseguição à Igreja, martírio dos fiéis e um grande sofrimento para o Santo Padre. Isso está claro, mas a forma como esses erros chegam até nós, apesar de polêmica, não nos deixa iludir: não somos tão ingênuos para pensar que os erros da Rússia são algo distante de nossa realidade. Estes erros também estão dentro da Igreja. Não há erros colocados exatamente pela visão marxista, socialista, materialista, da Rússia, dentro da Igreja? Ora, sequer é preciso que um anjo nos revele esse fato que podemos enxergar claramente ao longo da história recente: a Rússia espalhou os seus erros, e não consagraram esta nação a tempo.

Perguntas

O que pensar sobre a apostasia de que fala o terceiro segredo?

Este tema é uma das possibilidades interpretativas do Terceiro Segredo. Todavia, não precisamos do segredo de Fátima para falar da apostasia. O próprio Catecismo da Igreja Católica (pós-Vaticano II, promulgado por João Paulo II e escrito pelo Cardeal Ratzinger), no número 676, fala a respeito da grande apostasia. Isto é, existe uma convicção na Igreja de que este fenômeno acontecerá no fim dos tempos. Quanto à interpretação de que o segredo fala desse tema, falta-nos uma chave hermenêutica mais clara. Seja como for, qualquer um é capaz de enxergar que há uma apostasia acontecendo, e que ela está avançando.

O que o Concílio Vaticano II tem a ver com o segredo de Fátima?

Existe toda uma especulação por parte de alguns críticos do Concílio de que, no terceiro segredo de Fátima, essa “cidade em ruínas” seria um simbolismo, uma metáfora sobre a Igreja, e essas ruínas teriam sido causadas pelo Vaticano II; e portanto a morte de todas essas pessoas ali na visão indicaria a morte espiritual dos que perderam a fé, inclusive bispos, padres etc.

Temos evidências para interpretar dessa maneira?

Penso ser uma especulação bastante exigente, isto é, não vou por esse caminho porque não há evidências suficientes para essa conclusão a partir da terceira parte da mensagem de Fátima.

No entanto, na situação da Igreja que estamos vivendo agora — seja qual for a sua causa —, há um evidente problema de fé sendo vivido pelos ministros e pelos fiéis. E de que nós estamos testemunhando uma grande apostasia, bem diante dos nossos olhos, não há dúvida alguma. Todavia, que isso esteja no segredo de Fátima ou não, é algo que podemos debater; que isso seja causado ou não pelo Vaticano II, também podemos debater. Porém, não sei o que pode nos acrescentar ficar especulando essas coisas, quando na verdade a única coisa concreta que podemos fazer é confirmar a fé dos fiéis.

É preciso conclamar dentro da própria Igreja: “Vamos voltar a crer na fé da Igreja de dois mil anos, a mesma fé dos Apóstolos. Nós somos a Igreja dos mártires, dos missionários, dos Padres do deserto, dos monges, dos Doutores escolásticos etc. Temos aquela mesma fé de sempre, somos a mesma Igreja!” E se há quem pense que agora a Igreja crê de outra forma, que insiste em dizer que “não é mais assim”, não há outro nome que podemos dar a isso senão apostasia.

Posso realizar as comunhões reparadoras dos primeiros sábados em Missas com a liturgia dominical?

Sim. O importante é que a comunhão reparadora seja no sábado, não importa em que momento se receba, seja na liturgia matutina ou, à noite, na liturgia dominical. Não é necessário sequer receber a comunhão dentro da Missa. O importante é que se receba a comunhão no sábado para que haja a reparação conforme Nossa Senhora instruiu a Irmã Lúcia.

Por onde eu posso começar a fazer a penitência de que nos fala o segredo?

A palavra “penitência”, como é posta ali pelo anjo, é sobretudo a realidade de uma mudança interior, conversão do coração. Quando se diz: Pœnitemini — “Fazei penitência”, isso quer dizer metanoia, mudança de mentalidade. É a disposição interna, em nossas orações, para a mudança de nossas atitudes e do nosso coração.

Agora, como Nossa Senhora ensinou aos pastorinhos, nós podemos fazer penitências através das coisas que a própria vida nos impõe. A grande penitência que os pastorinhos fizeram foi suportar as perseguições que eles tiveram de sofrer. Foram as coisas que a própria vida os compeliu a padecer, como a doença da gripe espanhola. No entanto, é claro que eles também acrescentaram suas penitências voluntárias: deixavam de comer, de beber etc.

Essas penitências extraordinárias e voluntárias são válidas, importantes; mas é também importante que não percamos de vista a realidade de que a própria vida é uma fonte abundante de penitências, desde que acolhamos e abracemos a nossa cruz no dia a dia. O próprio Jesus disse: “Toma a tua cruz dia após dia” (Lc 9, 23). Se fizermos isso por amor, isso já é uma fonte de enorme proveito espiritual.

Padre, diante da visão apocalíptica, o que o senhor fala sobre estocar alimentos?

Existe esta ideia, por parte de algumas pessoas, de que estamos na iminência de uma grande catástrofe e que por isso seria necessário nos recolhermos em lugares mais seguros, estocar alimentos, ter fontes de energia alternativas etc.

O que posso dizer a respeito dessas coisas é que são opiniões válidas, mas que eu realmente não tenho estudos suficientes sobre revelações privadas que dão esse tipo de instrução para poder dizer a alguém que aja dessa forma. Por isso, remeto essa questão para pessoas que tenham estudado mais o assunto. Se são revelações privadas, de fé humana, é necessário estudá-las para ver se há ali indícios de credibilidade, e devo confessar que não tenho ainda uma opinião formada a respeito dessas coisas.

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