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Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 12, 46-50)

Naquele tempo, enquanto Jesus estava falando às multidões, sua mãe e seus irmãos ficaram do lado de fora, procurando falar com ele. Alguém disse a Jesus: “Olha! Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar contigo”. Jesus perguntou àquele que tinha falado: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

No Evangelho de hoje, Jesus nos fala da belíssima família espiritual que Ele quer estabelecer conosco pela fé. Trata-se do famoso Evangelho em que o Senhor, falando ainda às multidões, recebe o recado de que sua Mãe e seus irmãos estavam do lado de fora querendo falar-lhe. E, para nossa surpresa, Ele pergunta de volta: Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos? A pergunta pode parecer uma humilhação para Nossa Senhora; mas, na verdade, é um grande louvor. A Igreja, durante séculos, proclamou esse Evangelho nas Missas votivas de Nossa Senhora exatamente porque temos nele um grande elogio a Maria e a todos aqueles que, membros da família de Deus, isto é, do Corpo de Cristo, têm fé, escutam Jesus e fazem a vontade do Pai que está nos céus. Expliquemos o que o Senhor está fazendo neste Evangelho. Antes de tudo, é necessário recordar que no Antigo Testamento a salvação dependia da geração carnal, ou seja, biológica. Quem era o povo de Deus? Era o povo que saiu geneticamente de Abraão. Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou doze filhos, e desses doze saíram as doze tribos de Israel. Para fazer parte do povo de Deus no Antigo Testamento, era preciso ser descendente biológico dessa raiz. É por isso que no Antigo Testamento há tantas genealogias. No entanto, Jesus quebra esse paradigma. Ele diz aos fariseus e mestres da Lei que Deus pode tirar das pedras filhos de Abraão. Mas, para ser verdadeiro filho de Deus, é necessário ter fé e mudar de coração, fazendo a vontade de Deus. Jesus dá início a uma nova forma de pertença ao povo de Deus: agora, não pertencemos mais a ele em razão de uma descendência genética e biológica, mas pela descendência na fé. Dizemos que Abraão é nosso pai na fé porque foi ele quem primeiro acreditou, isto é, foi aquele que, ouvindo a Palavra de Deus e crendo nela contra tudo e contra todos, saiu de sua terra, disposto a oferecer o sacrifício de Isaac para em tudo agradar a Deus.

Assim, no Novo Testamento, vemos que o verdadeiro filho de Abraão é aquele que tem a fé de Abraão e cumpre a vontade de Deus como a cumpriu Abraão. Surge então no Novo Testamento um luzeiro, um farol da fé, alguém com uma fé maior que a de Abraão. É a Virgem Maria. Nossa Senhora teve uma fé maior que a de Abraão, que dela foi como que um prenúncio bastante pálido no Antigo Testamento. Abraão subira ao monte Moriá para oferecer Isaac. Disposto a sacrificá-lo, ofereceu Isaac espiritualmente, embora ele não tenha sido oferecido materialmente. Milhares de anos depois, outra pessoa subiu ao mesmo monte, chamado agora monte de Sião, Jerusalém, num pequeno promontório ao lado da cidade, o Calvário. Era a Virgem Maria. Como Abraão outrora, ela sobe a montanha acompanhada do Filho; como Isaac outrora, Jesus carrega a lenha às costas. Mas, à diferença de Abraão, que ofereceu Isaac espiritualmente, embora Isaac não tenha morrido de fato, a Virgem ofereceu Jesus, o qual morreu realmente na mão de seus algozes. Maria fez a grande oferta, cumprindo com isso a vontade de Deus. Aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus, esta é a minha mãe.

A Virgem Maria tornou-se Mãe não somente de Jesus, mas de todo o Corpo de Cristo nesse sacrifício. Ela, que de fato é a Mãe biológica de Jesus, é também, na fé, aquela que o gerou em sua própria alma. Santo Agostinho recorda que a Virgem Maria gerou a Cristo antes na alma que no ventre. Precisamos querer isso também, isto é, ser membros desse Corpo, filhos dessa Mãe bendita porque, para ser irmãos de Jesus, precisamos fazer a vontade do Pai que está nos céus, precisamos ouvir com fé, crer no que Ele diz, mudar nossa vontade, mudar nosso coração. Não adianta ter muito orgulho de ser católico, de estar na verdadeira fé etc., mas transformar a fé numa fé morta, fé de quem crê, mas não muda; de quem crê, mas não tem uma vida diferente, a vida que Deus espera de nós. — Que nós sejamos, juntos com a Virgem Maria, faróis luminosos: Vós sois a luz do mundo, disse Jesus, se fizermos a vontade do Pai mediante uma fé devota, uma fé pronta para realizar em tudo a vontade de Deus. 

* * *

Tivemos a oportunidade de comentar há poucos dias o Evangelho de hoje (cf. Mt 12,46-50), geralmente proclamado nas Missas votivas e festas de Nossa Senhora. Para completar nossa reflexão, vejamos os detalhes que lhe acrescentam os outros evangelistas. 

1. Glorificação da Mãe de Cristo (cf. Lc 11,27s). — O único a mencionar o episódio hoje narrado é Lucas, que de todos os evangelistas costuma ser o mais diligente em referir as ações do Senhor.

V. 27. Enquanto Ele assim falava, i.e., ao refutar Cristo com tal doutrina e força de argumentos as injúrias dos fariseus, levantou a voz em sinal de admiração uma mulher do meio do povo, i.e., alguma mulher desconhecida, e lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram, i.e., bendita e digna de honra e louvor a mulher que te concebeu, deu à luz e alimentou. — É provável que esta mulher tenha irrompido em tais palavras por um impulso sobrenatural do Espírito Santo; daí o louvor da maternidade divina. “De grande devoção e fé mostra ser esta mulher, que, enquanto os escribas e fariseus tentavam e blasfemavam ao Senhor, com tanta clarividência conheceu ela, melhor do que todos, a Encarnação e com tanta firmeza a confessou, que rebateu a um tempo a calúnia dos próceres presentes e a perfídia das heresias futuras” (São Beda, Hom. 19).

V. 28. Mas Jesus replicou: Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a Palavra de Deus, que eu prego, e a observam. Segundo muitos acatólicos, o advérbio μενοῦν (lt. quinimmo, pt. “antes”) implica uma restrição ou correção do que dissera a mulher, de modo que o sentido das palavras de Jesus seria: “Pelo contrário, bem-aventurados os que ouvem” etc. No entanto, de acordo com a maioria dos católicos, além de muitos protestantes, não se trata de uma correção, mas de uma confirmação, já que o significado próprio dessa partícula é “de fato”, “tanto mais”. Ora, “quem diz ‘tanto mais’, afirma o que se disse e também o que se está a dizer, antepondo contudo o segundo ao primeiro. Assim, se alguém dissesse: ‘Como é bela a prata’, e tu respondesses: ‘Tanto mais o ouro’, não estarias negando, senão afirmando que a prata é bela, mas que o ouro o é mais” (Maldonado, In Luc. 11,28). O sentido pois deste versículo é: a Virgem Deípara é, de fato, bem-aventurada por ter sido elevada ao fastígio da maternidade divina, mas o é muito mais “por ter feito a vontade do Pai” (Santo Agostinho, In Ioh., tract. 10,3) [1]. Não seria, com efeito, bem-aventurada, ainda que tivesse gerado a Cristo segundo a carne, mas sem ouvir e guardar a Palavra de Deus [2].

2. Doutrina mariana.a) O fato de Cristo estar pregando em público às multidões mostra que Ele, sem se indignar de ser interrompido por aquele súbito elogio, preferiu servir-se dele como pretexto para sublinhar outro aspecto da dignidade de Maria, vinculado tanto à universalidade do Evangelho, dirigido a todos os povos, quanto ao primado da graça sobre a natureza. Ao chamar bem-aventurado a quem ouve a Palavra de Deus e a guarda, Jesus não nega a grandeza de sua Mãe, mas declara que são mais profundos e importantes os laços sobrenaturais que estabelece a graça de Deus naqueles que o ouvem e lhe obedecem do que os que “estabelecem naturalmente os vínculos de sangue” [3]. Contrariando assim a tendência “etnocêntrica” do judaísmo de seu tempo, Nosso Senhor acrescenta ao louvor findado na carne e no sangue a glória que provém da alma e do espírito: Maria é digna não só por ter dado ao Salvador a carne pela qual seríamos salvos, mas sobretudo: α) por ter ouvido a Palavra de Deus e cumprido fielmente a sua vontade (cf. Mt 12,46-50) e β) pela fé eminentíssima que sempre teve, a qual lhe valera o elogio de Isabel: Bem-aventurada és tu que creste (Lc 1,45).

b) Além disso, há que notar, por um lado, o humilde anonimato no qual se esconde aquela mulher, representação do entusiasmo e da piedade com que tantas pessoas, desde os acontecimentos narrados no Evangelho, vêm honrando a Cristo em e por sua Mãe; as palavras daquela judia cheia de espírito de fé podem muito bem ser postas na boca de todos os que, despreocupados do que dirão os inimigos de Jesus, não se envergonham de exaltar com força e ardor o seio que o carregou, o colo que o acolheu, os braços que o estreitaram, os olhos que o contemplaram, o Coração Imaculado que o amou acima de tudo. Também se deve considerar, por outro lado, que a finalidade desse louvor não foi outro senão o de glorificar o Filho por meio da Mãe: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram. Ao engrandecermos Maria, com efeito, em nada diminuímos a Cristo, de quem, por quem e para quem são todas as coisas (cf. Rm 11,36). Não há caminho mais curto para o Coração do Filho do que recorrer àquela por quem Ele mesmo quis entrar no mundo: Ad Iesum per Mariam, já que por Maria Ele veio a nós.

3. Os familiares de Cristo (cf. Mc 3,31-35). — Jesus ensinava numa casa; por causa da multidão, seus parentes não podiam ouvi-lo. Muitos se perguntam por que causa vieram procurá-lo; os evangelistas, afinal, não dão nenhuma. Há entre os intérpretes várias opiniões: a) teriam o forte desejo de vê-lo e estar com Ele; b) para lhe pedir um lugar melhor, de preferência dentro da casa; c) porque queriam convencê-lo a descansar um pouco de tantas pregações; d) ou porque queriam livrá-lo do perigo que sabiam correr na mão dos fariseus. No entanto, como os evangelistas nada dizem, nada se pode afirmar com certeza. — E como lhe enviassem alguém para dizer: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e procuram-te, o Senhor respondeu de modo que todos pudessem ouvir: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?, i.e., quem são aqueles a quem devoto meus maiores afetos e meu amor, ou: quem são aqueles a quem dedicado meu cuidado e atenção? E, olhando para os que estavam sentados à roda de si, estendendo-lhes as mãos como que a abraçá-los, disse: Eis minha mãe e meus irmãos porque o que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã, e minha mãe, como Ele mesmo disse: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra (Jo 4,34).

Jesus, por conseguinte, afirma ter um afeto todo especial, verdadeiramente familiar, a quantos estão unidos a si pela fé e pela graça, sem as quais ninguém pode fazer a vontade do Pai. Estes, com efeito, são seus verdadeiros parentes porque são participantes da mesma natureza, divina e espiritual; são familiares, menos pelos vínculos da carne e do sangue que pela conjunção de almas, princípios e fins. Daí se vê que o Senhor não despreza de modo algum seus parentes carnais, senão que afirma simplesmente que quanto mais nos esforçarmos em cumprir em espírito e por obras a vontade do Pai, tanto mais próximos e íntimos dele seremos. Ora, quem, entre todos os fiéis, cumpriu com mais perfeição e maior ardor o beneplácito divino do que aquela que, cheia de graça, disse: Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo tua palavra?

Logo, a) aos que são familiares apenas segundo a carne Cristo prefere os que são familiares segundo a fé; b) sem repudiar sua Mãe e irmãos, ensina que lhe é mais caro e valioso o parentesco espiritual que o puramente carnal; c) por isso o ensina diante de todos, para mostrar claramente que não antepõe os interesses e cuidados dos parentes à pregação do reino; d) preferindo as obras espirituais à proximidade de sangue, ensina que é mais santo a união dos corações que a dos corpos, de maneira que também aqui se há de guardar a ordem devida: o amor e a obediência a Deus precede e orienta os deveres de piedade para com os pais e familiares; e) convinha, por último, que fosse o primeiro a dar exemplo aquele que disse: Quem ama seu pai e sua mãe mais do que a mim não é digno de mim, e exigiu dos Apóstolos que, deixando tudo, o seguissem, dispostos a entregar por Ele sua vida e seu sangue (cf. Mt 10,37.39; Lc 14,26) [4].

Referências

  1. Cf. Santo Tomás de Aquino, Catena in Lucam 11, l. 8: “São João Crisóstomo, sobre São Mateus: ‘Não foi esta a resposta de quem repudia a Mãe, mas do que mostra que de nada lhe valeria o parto, se não fora boa e fiel. Ora, se nem a Maria, sem as virtudes da alma, podia ser útil o ter dado Cristo à luz, muito menos a nós nos aproveitará de algum modo ter um pai, irmão ou filho virtuoso, se não nos fizermos imitadores de sua virtude’”.
  2. Tradução levemente adaptada de H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 4.ª ed., iterum recognita a J. Prado. Marietti, 1930, vol. 1, p. 344, n. 235.
  3. A. Royo Marín, La Virgen María. Madrid: BAC, 1968, p. 30, n. 21.
  4. Cf. J. Knabenbauer, Commentarius in Evangelium secundum Marcum. Paris: P. Lethiellieux (ed.), 1894, p. 110s.

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