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O que é a alegria?

Você por acaso tem se sentido angustiado? Ou preocupado com tantas más notícias, que não param de chegar? Ou um pouco tristonho, à procura de motivos para se alegrar? Então não deixe de assistir a esta reflexão do Pe. Paulo Ricardo sobre a alegria cristã!

Texto do episódio
03

O tema desta aula é a “Alegria Pascal”, que nasce no coração do homem como fruto do Espírito Santo. É preciso frisá-lo desde o início, porque há certa confusão entre as pessoas sobre o que seria mesmo a alegria cristã, de modo que, logo após os exercícios espirituais da Quaresma, muitos regressam à vida velha, pondo a perder todo o progresso espiritual que adquiriram pela penitência.

O tempo quaresmal está situado entre duas alegrias: a do carnaval, que vai do deleite das paixões à frustração pelo que passa como o vapor, e a da Páscoa, cuja origem não é um sentimento passional, mas a virtude da caridade, que gera um fruto perene. Então, o que um cristão deve fazer concretamente para ignorar aquela primeira e viver plenamente a última? Nosso Senhor falou a respeito disso aos seus discípulos: “Se observardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor…” (Jo 15, 10). A observância dos mandamentos é uma condição sine qua non para permanecer no amor de Deus. E quem permanece no amor de Deus, consequentemente, obtém como fruto a alegria eterna. “Disse-vos essas coisas”, explicou-lhes Jesus depois, “para que a minha alegria esteja em vós, e para que a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11). 

Mais ainda: no seu “discurso de adeus”, ao comentar sobre as consequências da Paixão, Jesus consolou os Doze, dizendo: “Haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há de converter-se em alegria” (Jo 16, 20). E quando se dará essa conversão, afinal? Jesus responde, aludindo à sua Ressurreição: “Hei de ver-vos de novo, e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria” (Jo 16, 20). Ou seja, a alegria pascal é a alegria do Ressuscitado, que abre para nós o horizonte da vida eterna. Eis aqui exposta, em poucas linhas, a diferença fundamental entre a alegria mundana e a espiritual. Uma é fruto do egoísmo; a outra, do amor. A primeira passa com o tempo, a segunda deve durar per omnia saecula saeculorum.

Feita essa distinção, importa agora saber no que consiste a “alegria pascal”. Aqui também se costumam confundir os termos. Trata-se a alegria como se esta fosse algum tipo de prazer, aquilo que S. Tomás de Aquino chama delectatio. A alegria, embora encerre algum prazer, não é porém apenas um deleite carnal. O prazer, segundo S. Tomás, “é o repouso da potência apetitiva no bem amado” (STh I-II 34, 1). Em si mesmo, não é algo bom ou ruim, mas moralmente dependente daquilo que convém à razão, por isso “é bom o prazer que leva o apetite superior ou o inferior a repousar no que convém à razão; e é mau o que o leva a repousar no que discorda da razão e da lei de Deus” (ibid.). A título de exemplo, a relação conjugal entre marido e mulher gera tanto prazer quanto o ato da fornicação. Este, contudo, não convém ao uso racional da sexualidade, ao passo que aquele está de acordo com ele. O que torna um prazer lícito ou ilícito, portanto, não é propriamente a sensação corpórea, mas o desejo a que a alma presta sua adesão. É nessa dinâmica intelectual que se expressa a alegria.

Os animais também experimentam deleites carnais, mas não lhes atribuímos alegria em sentido estrito, justamente porque eles não são capazes de distinguir racionalmente o que convém ou não à sua natureza; eles agem movidos pelos instintos. A alegria, por outro lado, resulta do reconhecimento de que possuímos um bem amado. Esse reconhecimento pode produzir algum gozo físico, mas não se resume a isso. A alegria depende mais de um fator cognitivo. Daí que os homens sejam capazes tanto de alegrar-se como de entristecer-se por se saberem possuidores ou privados de algum bem amado. Essa alegria será maior ou menor, superior ou inferior, em função da natureza desse bem. Se este for um bem material, a alegria será, portanto, mais rude; se, contudo, se tratar de um bem espiritual, a alegria será mais plena.

Para aclarar as ideias, vejamos o testemunho de S. Francisco de Assis. Já perto da morte, quando seu corpo se encontrava bastante debilitado, febril, inchado e dolorido pelas chagas, ele escreveu o belíssimo Cântico das criaturas. Naquele estado de dor física, sem qualquer deleite carnal, ele sabia que tinha o Bem amado e, por isso, pôde louvar a Deus por suas criaturas. Ele viu com ciência, dom do Espírito Santo, a presença de Deus na criação. Essa ciência fê-lo experimentar uma alegria constante, mesmo em meio às amarguras e limitações de sua condição. S. Francisco não tinha apenas bom-humor, também possuía a Deus em sua alma, pelo que podia alegrar-se sempre no Senhor, segundo o preceito de S. Paulo (cf. Fl 4, 4).

Jesus falou repetidas vezes dessa alegria eterna, comparando-a às alegrias corriqueiras da vida. Nas “parábolas da misericórdia”, por exemplo, Ele usa as histórias da “ovelha perdida”, da “dracma encontrada” e do “filho pródigo” para expressar a alegria pelo bem possuído: o pastor que reencontra sua ovelha, a mulher que recupera sua moeda e o filho que retorna aos braços do pai (cf. Lc 15, 1-32). Do mesmo modo, “haverá júbilo entre os anjos de Deus por um só pecador que faça penitência” (Lc 15, 10). Sim, Deus, os anjos e os santos devem alegrar-se no céu por contemplarem o nosso bem! Eles dividem conosco a alegria pelo bem possuído, assim como a mulher reuniu amigas e vizinhas para dizer-lhes: “Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma que tinha perdido” (Lc 15, 9).

Com efeito, a nossa alegria deve ser mais plena à medida que nos aproximamos do Sumo Bem. E o Sumo Bem não é outro senão o Deus uno e trino. Ora, quando fazemos um ato de fé — ou seja, um ato do entendimento concordando com uma verdade divina, por império da vontade movida pela graça de Deus (cf. STh II-II 2, 9) —, nós possuímos a Deus de alguma forma, embora ainda não seja em plenitude, como no céu. Essa graça se deve à Ressurreição de Nosso Senhor, pelo qual nos veio o Espírito Santo. Com sua Ascensão, Jesus se faz presente agora no meio de nós pelos sacramentos, especialmente na Eucaristia, mas também de modo virtual, pela ação do seu Espírito Santo, que toca nossa alma. E esse toque da graça gera em nós uma alegria, um antegozo da eternidade. Por isso, quanto mais avançada for uma alma na vida espiritual, mais alegria ela poderá experimentar já aqui na terra. Esta alegria — isto é, o reconhecimento da presença amiga de Jesus em nossas almas — não nos pode ser retirada senão por um pecado mortal, que traz a tristeza.

Nesse sentido, podemos entender melhor aquela exortação de S. João Bosco a S. Domingos Sávio para que este fosse sempre alegre, uma vez que a tristeza não vem de Deus. O fundador dos Salesianos não se referia superficialmente a um estado de humor, mas àquela presença de que falávamos acima, pela qual possuímos o próprio Deus e, com Ele, podemos nos alegrar mesmo durante as tribulações. É a alegria de quem está em estado de graça. Esse estado de graça gera em nós a vida no Espírito Santo, uma vida caritativa, entre cujos frutos está a alegria (Gl 5, 22). Falamos disso especificamente no curso Engenharia da Santidade. Cresce, pois, em alegria quem cresce no amor e, pari passu, na fé. Antes de uma vida alegre, devemos buscar uma vida enraizada em Cristo, firme na fé e constante no amor, a fim de que esta vida se converta em alegria.

A dificuldade hoje em dia é que as pessoas estão presas às alegrias materiais, de modo que sempre terminam frustradas. Quem muito ri, diz o ditado, termina muito chorando. Ou seja, quem se entrega desordenadamente aos prazeres, mesmo a pretexto do Tempo Pascal, não vive uma alegria verdadeira, mas a dos mundanos, que passa como o vento. 

O Tempo Pascal, destarte, não deve ser ocasião para perder os bens espirituais da Quaresma, mas para experimentar a alegria do Ressuscitado, depois de termos retirado os obstáculos à ação da graça em nossas almas. Trata-se de tomar parte na alegria que o próprio Cristo nos havia prometido: “Mas agora vou para ti e digo estas coisas estando ainda no mundo, para que eles tenham em si a plenitude do meu gozo” (Jo 17, 13). Trata-se, portanto, de tomar corajosamente o passo que o jovem rico não quis dar e por isso terminou triste: vender tudo o que temos para possuir o tesouro no céu, porque o “Reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, o qual, quando um homem o acha, esconde-o e, pela alegria que sente ao achá-lo, vai e vende tudo o que tem, e compra aquele campo” (Mt 13, 44). Se fizermos isso, permanecendo no amor de Cristo, então poderemos experimentar a verdadeira alegria pascal.

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