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Neste ano de 2020, comemoram-se os 150 anos do decreto Quemadmodum Deus, do bem-aventurado Pio IX, que proclamou São José Padroeiro da Igreja Católica. Esse acontecimento é uma ocasião espiritualmente propícia para refletirmos sobre o papel de São José na história da salvação.

Para isso, dividiremos este programa em três partes: 1) o contexto histórico em que São José foi proclamado Patrono da Igreja; 2) o fundamento teológico desse título; e 3) os frutos espirituais que daí podemos colher.

Contexto histórico. — No decreto Quemadmodum Deus, de 8 de dezembro de 1870, Pio IX define sua época como “tempos tristíssimos em que a Igreja, atacada de todos os lados pelos inimigos, é de tal maneira oprimida pelos mais graves males, a tal ponto que homens ímpios pensam ter finalmente as portas do Inferno prevalecido sobre ela”.

A gravidade dessas palavras incita-nos a buscar compreender esse cenário determinante, no qual, segundo o próprio Pio IX, “os Veneráveis e Excelentíssimos Bispos de todo o mundo católico dirigiram ao Sumo Pontífice as suas súplicas e as dos fiéis por eles guiados, solicitando que se dignasse constituir São José como Patrono da Igreja Católica”.

Inicialmente, precisamos entender que, até 1870, a Igreja exercia poder espiritual e temporal, de modo que o Papa desempenhava a função de Vigário de Cristo neste mundo, mas também de Soberano dos Estados Pontifícios. No conclave de 1846, o Papa Pio IX foi eleito como um “liberal”, que supostamente estabeleceria um diálogo com o mundo moderno e sua mentalidade revolucionária. No entanto, os acontecimentos históricos que se seguiram mostraram uma realidade bem diferente.

O ano de 1848 foi um dos mais agitados da história desde a Revolução Francesa. Em praticamente todas as nações da Europa começaram a surgir revoluções contra os governos instituídos. Nos Estados Pontifícios não foi diferente. Os revolucionários políticos, que há pouco tinham sido anistiados por Pio IX, rebelaram-se contra o Papa e iniciaram uma revolução que culminou na instituição da República Romana. Durante a revolução, Pio IX decide sair de Roma e exilar-se em Gaeta: “Vestido de simples batina preta, com óculos escuros que lhe escondiam os olhos, saiu da cidade e partiu para Gaeta, terra napolitana, com o propósito de refugiar-se na França” [1].

Foi nesse exílio de dezessete meses que o Papa percebeu que era impossível o suposto “diálogo” com o mundo moderno, e a partir disso reafirmou de forma contundente as verdades da fé católica, como bem descreve Daniel-Rops:

[...] na alma mística de Pio IX, a provação de Gaeta provocou uma mudança de plano. Talvez ele se tivesse enganado querendo associar os princípios cristãos àqueles que os homens do seu tempo determinavam. Mas Deus permanecia, bem como a sua Palavra e o seu Reino, que não é deste mundo. A partir daí, seria acima de tudo na restauração das verdades doutrinais e da autoridade disciplinar, que Cristo lhe tinha confiado em depósito, que o papa iria procurar a salvação da Igreja e da sociedade [2].

Assim, o grande ato do Sumo Pontífice logo após o exílio foi a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, por meio da Bula Ineffabilis Deus, de 8 de dezembro de 1854 [3]. Dez anos depois, em 8 de dezembro de 1864, Pio IX publicou a Encíclica Quanta Cura e o Syllabus, dois documentos pontifícios que condenaram os erros doutrinários da época, apresentando as razões teológicas da Igreja.

Já em 1867, o Papa convocou um Concílio ecumênico em Roma “para procurar, com a ajuda de Deus, os remédios necessários para enfrentar os males que afligem a Igreja”. Então, em 8 de dezembro de 1869, iniciou-se o Concílio Vaticano I, que, além de condenar erros como fideísmo e o racionalismo, proclamou a infalibilidade do Sumo Pontífice na Constituição dogmática Pastor Aeternus, de 18 de julho de 1870. Após essa sessão, o Papa dispensou os padres conciliares até 11 de novembro. As circunstâncias políticas, contudo, tornariam definitiva tal dispensa.

Era perceptível que o Concílio só havia realizado as sessões em paz porque as tropas francesas estavam em Roma. Quando, porém, Napoleão III quebrou a aliança firmada com Pio IX, os territórios pontifícios ficaram expostos às investidas dos piemonteses, que, em 20 de setembro de 1870, com 50 mil homens, tomaram posse de Roma. Este evento marcou o fim do processo conhecido como “Unificação Italiana”. Por causa disso, o Papa Pio IX, expropriado do Palácio do Quirinal e considerando-se “prisioneiro do Vaticano”, declarou o Concílio “prorrogado sine die” [4].

Neste momento em que a Igreja era espezinhada ao redor do mundo e o papado perdia seu poder temporal, Pio IX proclama São José Patrono da Igreja, por meio do decreto Quemadmodum Deus. Com esse ato, apesar das questionáveis decisões políticas que tomara, o Papa demonstrou sua grandeza espiritual, confiando a Igreja, Corpo místico de Cristo, ao patrocínio daquele que protegeu o Menino Jesus desde o nascimento.

O decreto papal começa com um paralelo entre José do Egito e São José, apresentando o primeiro como uma prefiguração do segundo. Assim, com efeito, como o filho de Jacó havia guardado o trigo do Faraó para dar de comer ao povo, também São José guardou Jesus, o pão descido dos céus para nos saciar. Em seguida, menciona os tempos difíceis que a Igreja enfrentava e apresenta a decisão do Sumo Pontífice:

[...] o Santíssimo Senhor Nosso Papa Pio IX, consternado pela recentíssima e funesta situação das coisas, para confiar a si mesmo e os fiéis ao potentíssimo patrocínio do Santo Patriarca José, quis satisfazer os desejos dos Excelentíssimos Bispos e solenemente declarou-o Patrono da Igreja Católica.

O significado de tal ato pontifício não se reduz a um mero incentivo de uma devoção, mas remete a um mistério de poder sobrenatural. Para compreendê-lo, mesmo que parcialmente, é necessário entendermos seu fundamento teológico.

Fundamentação teológica. — Em 1889, o Papa Leão XIII escreveu a Encíclica Quamquam pluries, na qual apresenta as razões teológicas por que São José é considerado Padroeiro da Igreja. Neste documento, o Pontífice afirma que a elevada dignidade de São José e sua poderosa proteção derivam do fato de ter sido esposo de Maria e pai virginal de Jesus: 

Os motivos pelos quais São José é expressamente considerado padroeiro da Igreja e pelos quais, por sua vez, a Igreja espera de sua proteção e intercessão uma ajuda poderosíssima, devem ser procurados no fato de ele ter sido esposo de Maria e pai legal de Jesus Cristo. É daqui que se originam sua dignidade, sua graça, sua santidade, sua glória. Com certeza a dignidade de Mãe de Deus é tão sublime que não se pode encontrar nada de mais excelso. Mas é também verdade que como São José está ligado a Maria pelo vínculo conjugal, ninguém mais do que ele se aproximou daquela dignidade excelsa, que situa a Mãe de Deus acima de todas as criaturas [5].

Para compreender tamanha dignidade, proveniente do seu vínculo conjugal com a Virgem Santíssima, é necessário entender antes a exposição de fé do próprio Pio IX ao declarar o dogma da Imaculada Conceição. Logo no início da Bula Ineffabillis Deus, o Pontífice destaca que Maria, sendo absolutamente livre de qualquer mancha de pecado, “possui uma tal plenitude de inocência e de santidade, que, depois da de Deus, não se pode conceber outra maior”.

Enquanto os demais santos alcançaram a santidade porque estão inseridos na ordem da graça, Nossa Senhora pertence, de algum modo, à ordem da união hipostática, ou seja, ao mistério da união entre as naturezas humana e divina em Jesus Cristo. Ao gerar a carne de Cristo, Maria torna-se mãe da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e, portanto, Mãe de Deus (Θεοτόκος). Em virtude dessa maternidade divina, Santo Tomás (cf. STh I 25, 6) afirma que Maria possui uma dignidade de certo modo infinita, derivada do bem infinito que é Deus.

São José, enquanto esposo de Maria, também está relacionado ao mistério da união hipostática, mas de um modo distinto. Por meio de Maria, o Filho de Deus se fez carne e habitou entre nós; pelo cuidado e proteção de José, Ele pôde cumprir os desígnios de amor que viera realizar neste mundo. Por isso, a dignidade de São José, mesmo que seja imensamente inferior à de Maria, é sumamente superior à de todos os demais santos. 

Nesse sentido, precisamos compreender que a missão de São José, no projeto salvífico de Deus, não é nada acidental. Desde toda a eternidade, Deus o escolheu para proteger seus dois maiores tesouros: Jesus e Maria. Cooperando com a graça de Deus, José foi constituído em protetor da Igreja, Corpo Místico de Cristo, que, na sua forma embrionária, compreendia apenas os três membros da família de Nazaré.

Apesar de ser o menor dos três, José foi, de forma paradoxal, aquele que, a serviço de Deus, comandou humildemente a Sagrada Família de Nazaré. Por sua humildade, obediência e silêncio, José se tornou terror dos demônios, guardião do Redentor (Redemptoris custos) e, por isso mesmo, da Santa Igreja Católica (Ecclesiae custos).

Frutos espirituais do patrocínio de São José. — Se a humildade em José era grande, também o era sua caridade. Nos santos, de modo geral, a caridade cresce conforme a intimidade que têm com Jesus. Ora, considerando que durante anos São José conviveu diariamente com Nosso Senhor, nutrindo por Ele zelo e afeto paternal, podemos dizer que ele desenvolveu uma caridade muito mais robusta do que a de qualquer outro santo. Por isso, é nosso grande auxílio na luta contra o pecado e na busca da santidade.

Santa Teresa d’Ávila dizia não conhecer ninguém que tivesse recorrido ao Santo Patriarca e não tivesse sido atendido. Segundo a Doutora da Igreja, São José é um verdadeiro mestre de vida interior, porque nos mostra que a santidade é conquistada de dentro para fora, e não ao contrário. Não basta parecer santo exteriormente; é preciso sê-lo de coração.

Olhando para o âmbito da Igreja universal, é relevante recordar que, na última aparição de Nossa Senhora de Fátima, São José não só estava também presente como foi anunciado pela Virgem. Depois de prever que a Igreja se tornaria uma cidade em ruínas, Nossa Senhora diz que, ao final, virá São José com o Menino Jesus em seus braços para abençoar o mundo.

Nestes tempos de tribulação pelos quais passa a Igreja, confiemo-la ao patrocínio do glorioso São José. Aquele que, por muito tempo, levou o Menino Jesus em seus braços para protegê-lo também protegerá de todos os perigos o Corpo Místico de Cristo.

Notas

  1. Daniel-Rops. A Igreja das Revoluções. Vol. I: Diante de novos destinos. São Paulo: Quadrante, 2003, p. 395.
  2. Id., p. 399.
  3. Com esse ato, Pio IX exercia de facto a infalibilidade papal, que, de iure, só lhe seria reconhecida dezesseis anos depois, no Concílio Vaticano I.
  4. Essa situação permaneceu por 90 anos, até João XXIII convocar o Concílio Vaticano II, dando-se então por encerrado o Concílio anterior.
  5. Papa Leão XIII. Quamquam pluries. In: Documentos de Leão XIII (1878-1903). São Paulo: Paulus, 2005. n. 10, p. 375.
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