Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo São Mateus (Mt 2,13-15.19-23)
Damos início ao último programa Testemunho de Fé de 2013, refletindo sobre o mistério da Sagrada Família. O Evangelho de São Mateus nos fala de São José, juntamente com sua esposa, a Virgem Santíssima e o menino recém-nascido, Nosso Senhor Jesus. Um anjo é enviado por Deus para salvá-los das mãos de Herodes: "Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo". Trata-se de um episódio duplamente significativo. Deus, ao mesmo tempo em que manda seu anjo para proteger o lar de Maria e José, também se revela como uma Pessoa que se faz família e vive no meio de nós. Após o tempo previsto, José se encaminha para Nazaré, onde Jesus crescerá em total discrição, sendo acalentado pelo zelo de seu pai e sua mãe.
Algumas pessoas ficam escandalizadas diante desse mistério. Como é possível que Deus tenha passado 30 anos de sua vida escondido no abrigo de seu lar, enquanto as pessoas lá fora necessitavam da salvação? Tal é o escândalo que, para justificar o silêncio de Cristo, existem certas teorias duvidosas a respeito dos anos de discrição em que Jesus viveu ocultamente. Alguns defendem que ele teria ido para a Índia aprender com os sábios, outros, que ele teria sido raptado por alienígenas. A razão para essa incompreensão, por conseguinte, se deve ao fato de que ninguém mais é capaz de compreender que Deus tenha vindo à Terra simplesmente para ter um lar[1]
Em resposta a essas teorias, podemos ler nos escritos de São Luis Maria Grignon de Montfort, sobretudo no seu famoso Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, que Jesus "deu mais glória a seu Pai durante esse tempo de sujeição e dependência da Virgem Santíssima, do que lhe teria dado empregando esses trinta anos a fazer prodígios, a pregar por toda a Terra a converter todos os homens, do contrário, Ele o teria feito"[2]
No século XVII, o filósofo Thomas Hobbes, em seu livro Leviatã, descreveu o gênero humano como uma horda de bárbaros. A ideia de Hobbes é de que o homem seria o lobo do próprio homem (homo homini lupus). No início da era humana estaria um comportamento selvagem, que exigiria do homem, por assim dizer, uma espécie de "contrato social" para que ele alcançasse uma relativa paz. A sociedade surge, então, por meio de um acordo de conveniência, não por meio da família. Mas o mundo em que Hobbes vive é evidentemente diferente do nosso. Qualquer pessoa é capaz de enxergar que a civilização tem origem na família, considerada desde os tempos mais remotos a célula mater da sociedade. A própria fragilidade de um bebê exige a existência de um pai e de um mãe. Na era das cavernas, por exemplo, nós vemos claramente a necessidade de uma figura paterna que desse proteção à mãe e à prole diante do perigo das feras.
Todavia, há uma tendência muito negativa no pensamento atual em relação à identidade básica do ser humano. Infelizmente, não se crê mais na alma e nos laços que decorrem de sua existência. O amor deixou de figurar como uma aliança eterna com outra pessoa, uma união de "corpo e alma". E esse é o grande drama familiar moderno. De fato, a família não é - nem pode ser - um "contrato social" para limitar a selvageria do homem. A sociedade surge porque temos alma. Temos uma tendência a realizar essa união, pois nascemos para amar. Não se trata de um contrato social de oportunismo. Nós temos uma alma, uma identidade espiritual para reproduzir aqui na terra a realidade de Deus no céu. É assim que a família se torna o ambiente onde o homem aprende toda virtude.
Se o mundo fosse como Thomas Hobbes o descreve, nós precisaríamos de um policial para cada ser humano. Nós precisaríamos de um governo totalitário para impedir a guerra. Mas se promovemos a família, no entanto, promovemos um lugar onde a pessoa aprende pela virtude. Santo Tomás de Aquino nos recorda isso na Suma Teológica. Existem duas formas de impor a lei: para as pessoas más se requer a repressão, mas para as pessoas virtuosas, exige-se apenas o conselho paterno. Eis aí o significado da família. Ela é o lugar onde as pessoas virtuosas estão dispostas a aprender o conselho paterno.
Então surge diante de nós dois caminhos: seguirmos a vontade de Deus - mesmo na condição de criaturas marcadas pelo pecado -, assumindo uma aliança eterna de amor, para reproduzir já aqui na Terra a divindade do Céu, ou, então, sermos animais selvagens, necessitados de um governo tirânico que retire nossa liberdade, nossas vidas e nossos bens. A Igreja, por outro lado, vem nos recordar que fomos feitos para amar. Essa é a nossa vocação. No íntimo do ser humano existe um chamado à família, a reproduzir a união eterna com Deus. É um dado que se verifica tanto pela fé quanto pela ciência. Nossos corpos não têm sentido sozinhos, mas acompanhados. Somos naturalmente feitos para a comunhão. Com efeito, a família está presente na realidade de todas as épocas, de todos os tempos e de todos os lugares.
Os filósofos modernos, não obstante, incitam a crise familiar, concebendo o homem como uma criatura sem alma. De Hobbes a Marx, a família se torna o lugar da desigualdade, de sorte que vemos agora uma campanha mundial contra a realidade do matrimônio. As universidades, os governos, as instituições se tornaram inimigas da família e, em última análise, do próprio ser humano.
Nesta festa da Sagrada Família, portanto, somos convidados a refletir sobre esta pergunta: quem nós somos, bichos sem alma ou criaturas amadas e queridas por Deus? Ora, o ser humano é família e é família protegida pela graça do Céu. No Evangelho, vemos a mão do Criador se levantar contra o poder de Herodes, para salvar José, Maria e o Menino. Peçamos a Deus, nesse sentido, que Ele venha mais uma vez nos alertar contra os Herodes modernos que tramam contra nós. Que o anjo do Senhor venha e nos diga: "Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge".
Céus e Terras passarão, mas a família não passará.
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