Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Mateus (Mt 25, 31-46)
Neste Domingo – o último do ano litúrgico –, a Igreja celebra a Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo. No Evangelho, Nosso Senhor se apresenta como o Rei e Juiz glorioso que virá no fim dos tempos, para fazer a divisão das ovelhas e dos cabritos, dos bons e dos maus, dizendo a uns: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!”; e a outros: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”.
Mas, qual o sentido de celebrar uma festa dedicada a Cristo Rei? Foi o Papa Pio XI quem a instituiu, em 11 de dezembro de 1925, com a publicação da encíclica Quas Primas. Neste documento, o Santo Padre manifestava o desejo de divulgar “quanto possível o conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador” [1] e opor “um remédio eficaz à peste que corrói a sociedade humana”, chamada laicismo, “com seus erros e atentados criminosos” [2]. Ao falar sobre o reinado de Cristo, Pio XI sublinhava que, embora esta realeza fosse “principalmente interna” e de “ordem espiritual”, seria um “erro grosseiro denegar a Cristo Homem a soberania sobre as coisas temporais todas, sejam quais forem” [3]. Ou seja, Cristo é rei não somente no Céu, mas também na Terra, tendo influência direta sobre os poderes deste mundo.
Em 1925, o mundo acabava de sair da Primeira Grande Guerra e assistia à ascensão de governos políticos fortemente contrários à Igreja. Foi nessa época que surgiram o nacional-socialismo na Alemanha, o fascismo na Itália, o socialismo na Rússia e no leste da Europa, sem falar do regime anticlerical de Plutarco Elías Calles, no México, que deu origem à Guerra dos Cristeros. Diante deste cenário, o Papa decide nadar contra a correnteza e lembrar aos reis do mundo o primado de Nosso Senhor.
Hoje, embora não haja tantos regimes totalitários declarados, os homens têm disfarçado a sua tirania: ao invés de usar armas, implantam a “ditadura do relativismo”, perseguindo os cristãos e condenando-os a guardarem a sua fé em uma gaveta, sem manifestá-la publicamente, sob a alegação de que “o Estado é laico”. Por isso, os ensinamentos de Pio XI na Quas Primas ainda são muito necessários para o tempo atual.
As lições dessa encíclica se resumem em três:
Primeiro, que Cristo deve reinar nas inteligências, nas vontades e nos corações dos homens [4].
Segundo, que “aos governos e à magistratura incumbe a obrigação, bem assim como aos particulares, de prestar culto público a Cristo e sujeitar-se às suas leis” [5]. Ou seja, Nosso Senhor é rei também dos líderes das nações. Embora o Estado seja laico – e exista realmente uma separação da Igreja e do Estado –, também os chefes políticos do mundo possuem consciência; e esta, uma vez formada adequadamente, é chamada a dar testemunho da lei de Deus inscrita no coração dos homens. É luminoso o exemplo de reis que – sendo cristãos e sabendo que “importa obedecer antes a Deus do que aos homens” [6] – não assinaram decretos contrários à sua consciência e à sua fé. Nisto está, de fato, o verdadeiro “poder político da Igreja”: sua influência consiste em evangelizar os corações. Só assim os destinos dos países poderão ser transformados.
Terceiro, que a Igreja tem os seus direitos. “Instituída por Cristo, que lhe deu a forma orgânica de sociedade perfeita, exige, em virtude deste direito, que dimana de sua origem divina e que ela não pode abdicar, a plena liberdade, a independência absoluta do poder civil. No desempenho de sua divina missão, de ensinar, reger e conduzir à eterna felicidade todos os membros do reino de Cristo, não pode, de modo algum, depender de vontade estranha” [7]. A separação entre Igreja e Estado lembra que os cristãos, embora devam submeter-se às autoridades legitimamente constituídas, são livres para desobedecer em matérias que contrariem a lei de Deus – lei que está acima de todos os soberanos da terra. Os mártires da época do Império Romano são um modelo luminoso dessa verdade, pois preferiram a morte a prestar culto a César. “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” [8]: os cristãos obedecem ao poder político, mas ele não é Deus. Por isso, existe a chamada “objeção de consciência”, que é cláusula pétrea na Constituição Federal brasileira [9]. Diante de presidentes, parlamentares, ministros e juízes que vêm à tona com leis e sentenças iníquas, que contrariam a própria lei natural, inscrita no coração dos homens, é preciso dizer “não” e repetir, com o Autor Sagrado: “Importa obedecer antes a Deus que aos homens”.
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