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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 12, 46-50)

Naquele tempo, enquanto Jesus estava falando às multidões, sua mãe e seus irmãos ficaram do lado de fora, procurando falar com ele. Alguém disse a Jesus: “Olha! Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar contigo”. Jesus perguntou àquele que tinha falado: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

Com grande alegria celebramos hoje a festa de Nossa Senhora do Carmo. Quem é Nossa Senhora do Carmo? Nossa Senhora é sempre a Mãe de Jesus, única e irrepetível. Acontece que, ao longo dos séculos, as pessoas foram dedicando-se a Deus na oração e na vida contemplativa, e um grupo de monges da Terra Santa resolveu reunir-se no Carmelo, um monte bastante verdejante, cheio de vegetação, coisa rara na Terra Santa, de clima um pouco árido, com a vista para o mar. Naquela região, desde o Antigo Testamento, se reuniram discípulos do profeta Elias. Quando chegou o cristianismo, diz a tradição que eles, dedicados à vida consagrada, se converteram, reconheceram que Jesus era o Messias previsto e começaram a viver ali mesmo como monges cristãos. Essa tradição foi transmitida ao longo dos séculos de forma oral. E ao que tudo indica, as escavações feitas no Monte Carmelo dão conta de que existem, sim, sinais de vida monástica muito antigos, anteriores aos cruzados da Idade Média, isto é, à época em que pela primeira vez tivemos notícia escrita dos monges do Carmelo. O fato é que essa tradição monástica, que chegou até o Ocidente por inúmeras vias, foi difundida pelo mundo graças à Ordem carmelita.

Trata-se, além disso, de uma tradição muito ligada à Nossa Senhora. Por quê? Porque Nossa Senhora sempre foi venerada como modelo da vida contemplativa. Dizem os carmelitas: “O Carmelo é todo mariano” porque Nossa Senhora, com o seu Coração Imaculado, é o ideal de cristão consagrado a Deus. Ora, como é o coração de um consagrado a Deus? Aqui vêm as comparações tão caras à tradição carmelita. O coração do santo, da alma em estado de graça, para usar uma comparação do Livro dos Provérbios, “é o jardim das delícias onde Deus gosta de passear”, o que remete à situação de Adão e Eva no paraíso. Houve um jardim originário. Esse jardim, em grego, chama-se παράδεισος, isto é, paraíso. É o Éden, é o jardim das delícias onde Adão e Eva, ainda em estado de graça e amizade com Deus, viviam em colóquios amistosos com Ele. O Livro do Gênesis, no capítulo 3, diz que Deus descia para passear com nossos primeiros pais à hora da brisa da tarde. De fato, o jardim foi perdido, mas a tradição carmelita nos diz que, se bem não tenhamos mais acesso ao paraíso terrestre, Deus fez algo mais extraordinário: replantou-o pela graça no nosso coração. É o mistério da inabitação. Deus, amigo que gosta de passear em nosso interior, habita agora em nossa alma. Ora, se é verdade que Deus está no coração dos justos, como não estará Ele no Coração santíssimo de Nossa Senhora?!

Celebrar Nossa Senhora do Carmo é celebrar o fato de que a Virgem Maria era o jardim onde Deus mais gostava de passear. Deus veio do céu, à brisa da tarde. Ao anúncio do Anjo, Ele veio não só para passear, mas para habitar no Coração da Virgem Maria. Ela é o jardim das delícias, o esplendor do Carmelo, decor Carmeli; é a flor do Carmelo, flos Carmeli, o paraíso antes perdido que agora existe no Coração Imaculado. Nela, Deus refez o jardim, o seu paraíso! É Nossa Senhora do Carmo, hortus conclusus, o jardim fechado onde Deus, na intimidade, gosta de passear. Contemplando este mistério maravilhoso, podemos dirigir-nos com confiança à nossa Mãe bendita e, colocando-nos debaixo do seu santo escapulário, pedir: “Minha Mãe, revesti-me com o vosso hábito e protegei o meu coração, esse jardim das delícias de Deus”. O santo escapulário nos foi dado por Nossa Senhora como muralha para guardar o nosso coração. Nossa Senhora, como o querubim do Gênesis, está de guarda à porta do paraíso do nosso coração para que, diante das armadilhas de Satanás, diante das investidas e dos ataques do demônio, estejamos sempre seguros. Ela é a protetora do escapulário. Ser devoto de Nossa Senhora do Carmo é ser devoto destes mistérios. Nossa Senhora prometeu a São Simão Stock que iria proteger o nosso estado de graça. Ela mandaria seus anjos para guardar o dom mais precioso que temos: nossa amizade com Deus, o jardim onde Ele passeia e quer estar com seus filhos e amigos. — Que Nossa Senhora do Carmo nos proteja, e que nós, que carregamos o santo escapulário, sejamos verdadeiramente filhos dedicados a ela. Contemplemos sempre o mistério desse jardim belíssimo que é o Coração de Maria, modelo do que Deus quer fazer com o nosso.

* * *

A Mãe e os irmãos de Jesus (cf. Mc 3,31-35; Lc 8,19ss). — Mateus e Marcos mencionam este breve episódio no mesmo ponto da vida pública, ao passo que Lucas o situa após a parábola do semeador. São oportunas, todavia, ambas as ocasiões. Não se sabe ao certo, em todo o caso, admitida a ordem que seguem Mateus e Marcos, se os irmãos do Senhor dos quais aqui se fala são os mesmos que, em Mc 3,21, tencionavam prender o Senhor. Poder-se-ia admitir como mais verossímil a identidade entre uns e outros, não fosse o caso de os primeiros virem acompanhados da Virgem Santíssima, enquanto os segundos foram à procura de Cristo por julgá-lo “fora de si”. De fato, seria indigno da Mãe de Deus estar envolvida, mesmo que só de corpo presente, nessas tentativas imprudentes. Logo, uma vez que a razão de terem vindo os parentes de Cristo para falar-lhe não nos é revelada, devemos confessar nossa ignorância; mas, ao mesmo tempo, afirmar como certo que, se a Mãe de Jesus estava entre eles, a razão só poderia ser boa e piedosa. — Ora, como, estando Jesus ainda a falar, alguém do meio do povo lhe dissesse (com que intenção, não se pode inferi-lo do Evangelho): Olha! Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, respondeu o Senhor com a mão estendida para os discípulos: Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai…, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Duas coisas, por conseguinte, nos ensina Cristo com essas palavras: a) que a pregação evangélica não deve ser condicionada nem interrompida por motivos de sangue; b) que do Evangelho, i.e., da santa fé católica surge uma nova forma de parentesco, mais espiritual e por isso mais profunda e duradoura.

N.B. A expressão irmãos do senhor (o mesmo vale para irmãs) não significa de modo algum irmãos germanos, mas apenas consanguíneos por diferentes graus de parentesco. Assim pensa São Jerônimo e de longe a maioria dos católicos. — a) Isso se segue como corolário do dogma da virgindade perpétua de Maria [1]. — b) Confirma-o o uso bíblico da palavra irmão (hebr. ’ach, gr. ἀδελφός); com inúmeros exemplos tanto do Antigo como do Novo Testamento se demonstra que a expressão significa não apenas irmãos germanos, mas quaisquer parentes. Ló, e.g., é chamado irmão de Abraão (cf. Gn 13,8;14,12) e Jacó de Labão (cf. Gn 29,15), embora nenhum dos dois fosse irmão, mas sobrinho; a mulher ou esposa é chamada irmã (cf. Ct 4,9); também se chama irmãos aos amigos e aos membros da mesma cidade ou tribo etc. (cf. Ex 2,11; 2Rs 2,26; Mt 25,40; At 11,29 etc.). — c) Ainda que se fale muitas vezes dos irmãos do Senhor, ninguém, além de Jesus, é chamado filho de Maria, assim como Maria não é chamada mãe de ninguém a não ser de Jesus. — d) Se a bem-aventurada Virgem Maria tivesse outros filhos, Jesus, ao morrer, não poderia ter dito: Mulher, eis aí o teu filho (ὁ υἱός σου); João, com efeito, não era ὁ υἱός, o filho, muito menos o primeiro entre os filhos. Além disso, os outros filhos (entre os quais estaria o Apóstolo Tiago Menor, irmão do Senhor: cf. Gl 1,19) veriam isso como uma afronta, como se não tivessem cuidado ou responsabilidade pela mãe.

e) Tampouco faltam razões para pensar que os ditos irmãos do Senhor eram, na verdade, primos maternos ou paternos de Jesus. De fato, a Maria que é chamada mãe de dois deles, Tiago e José (cf. Mt 27,56; Mc 15,40.47; Lc 24,10), é chamada também irmã de Maria, Mãe de Jesus (cf. Jo 19,25); ora, a palavra irmã pode ser entendida aqui de dois modos: α) em sentido estrito, enquanto significa que a primeira Maria era filha dos pais de Nossa Senhora, Joaquim e Ana; β) ou em sentido amplo, na medida em que o marido dela, Cléofas (c.f Jo 19,26), seria irmão de São José, o que já foi atestado por Hegesipo (cf. Eusébio, HE iv 22), palestino do séc. II. Nada impede, de resto, que se admitam ambas as hipóteses. — Ademais, como afirma o mesmo Hegesipo, Tiago e Simão eram primos paternos do Senhor, e ao menos Simeão era filho de Cléofas. Estas são as palavras dele, preservadas por Eusébio: “Depois que Tiago, chamado o Justo, padeceu o martírio como o Senhor, pela mesma razão, outro filho do tio dele [de Cristo ou de Tiago?], Simão de Cléofas, foi constituído bispo, que todos indicaram por ser o segundo primo do Senhor”. Acresce que Judas era irmão de Tiago (cf. Lc 6,16; Jd 1,1), como atesta também Hegesipo (cf. Eusébio, HE iii 20): “Naqueles tempos [i.e. de Domiciano], ainda viviam alguns da família do Senhor, sobrinhos daquele Judas que era chamado irmão dele segundo a carne. Estes eram acusados de ser da estirpe de Davi” [2].

Essa exposição, no entanto, parece ir de encontro com o fato de o Apóstolo Tiago que é chamado irmão do Senhor (cf. Gl 1,19) ser chamado também filho de Alfeu em Mt 10,3, o que se pode explicar de dois modos: α) ou consideramos que Cléofas, ou Clopas, é a mesma pessoa que Alfeu, o qual, como era costume, teria dois nomes (e.g., João Marcos, Tomás Dídimo, Mateus Levi etc.); de fato, é possível que os nomes Alfeu e Cléofas (ou Clopas, Κλωπᾶς) equivalham ao mesmo nome, Chalpai (חֲלפי), pronunciado com maior ou menor suavidade. — β) Ou se trata de duas pessoas distintas, de forma que Alfeu seria casado com Maria, irmã de Cléofas e de São José, da qual nasceram Tiago e José, enquanto Cléofas seria pai de Simão de Judas, todos eles, portanto, primos de Cristo. Para outros autores, a Maria esposa de Alfeu seria filha de Cléofas, de sorte que o genitivo de Cléofas seria de origem, não de posse.

Referências

  1. É de fé divina e católica definida que a bem-aventurada Mãe de Deus Maria Santíssima foi e permaneceu sempre e perfeitamente virgem, antes, durante e depois do parto, com virginidade de corpo (integridade física inviolada) e de mente (disposição perpétua de abster-se de toda e qualquer prática venérea, inclusive por simples desejo). Cf. e.g. a definição solene do Concílio de Latrão, de 649, no cânon 3 (DH 503): “Se alguém não professa… que depois do parto permaneceu inviolada a sua [de Maria] virgindade, seja condenado”, e a declaração de Paulo IV, ao condenar na bula “Cum quorumdam hominum” (DH 1880), de 1555, a seita dos unitários, que afirmavam que “a beatíssima Virgem Maria não… permaneceu sempre na integridade virginal, a saber: antes do parto, no parto e perpetuamente depois do parto” (ante partum scilicet, in partu et perpetuo post partum). Uma explicação ao mesmo tempo sucinta e detalhada dessa doutrina encontra-se disponível nesta resposta católica.
  2. Cf. J. Knabenbauer, Commentarius in Evangelium secundum Matthæum. 3.ª ed., Paris: P. Lethielleux (ed.), 1922, p. 565s: “É coisa conhecidíssima que, entre os hebreus, o nome irmão designa não somente o irmão germano e uterino, mas também qualquer parente ou consanguíneo (cf. Gn 14,16; 13,9; 24,48; 29,12; 2Sm 10,13 etc.). Ora, os irmãos do Senhor, Jacó, José, Simão e Judas, eram filhos de Maria, irmã da Mãe do Senhor, i.e., de Maria esposa de Cléofas (cf. Mt 27,56; Mc 15,40.47; 16,1; Jo 19,25). E São Jerônimo escreve: ‘Nós, como está no livro que escrevemos contra Helvídio, entendemos que os irmãos do Senhor são primos do Salvador, filhos de Maria, tia de Cristo, a qual é chamada mãe de Tiago Menor, de José e de Judas, que em outro evangelho são chamados irmãos do Senhor. Ora, que os primos são chamados irmãos, toda a Escritura o demonstra'. — Hegesipo (cf. Eusébio, HE iv 30.4) diz que Cléofas era irmão de José. Segundo Orígenes (cf. PG 13, 876), no evangelho [apócrifo] de Pedro se dizia que eles eram filhos de José e sua primeira esposa, opinião que Jerônimo rejeita como delírio dos apócrifos, e Santo Tomás também observa contra ela: ‘Cremos que, assim como a Mãe de Jesus foi virgem, também José o foi, porque [Deus] confiou a Virgem a um virgem tanto no fim como no princípio’. Que eles não podem, de modo algum, contra os racionalistas e muitos outros, ser considerados irmãos germanos e uterinos de Jesus, é evidente com base nas passagens citadas e também em Lc 1,34: Porque não conheço varão”.

Notas

  • A segunda parte do texto (a partir dos três asteriscos) é uma tradução levemente adaptada, com alguns acréscimos e omissões de nossa equipe, de H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 4.ª ed., iterum recognita a J. Prado. Marietti, 1930, vol. 1, p. 248s, n. 162; p. 344, n. 236.

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