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Homilia Dominical
21 Jan 2016 - 26:01

O “livro vivo” da humanidade de Cristo

Um dia, quando Santa Teresa d'Ávila se viu impossibilitada de ler, Nosso Senhor apareceu e disse-lhe: "Não sofras, que te darei livro vivo". Curiosamente, o "livro" de que Jesus falava não era a Bíblia, mas Ele próprio.
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Homilia Dominical - 21 Jan 2016 - 26:01

O “livro vivo” da humanidade de Cristo

Um dia, quando Santa Teresa d'Ávila se viu impossibilitada de ler, Nosso Senhor apareceu e disse-lhe: "Não sofras, que te darei livro vivo". Curiosamente, o "livro" de que Jesus falava não era a Bíblia, mas Ele próprio.
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 1, 1-4; 4, 14-21)

Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra.

Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo. Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste.

Naquele tempo, Jesus voltou para a Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza.

Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam.

E veio à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga, no sábado, e levantou-se para fazer a leitura.

Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor".

Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele.

Então começou a dizer-lhes: "Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir".

*

À luz da introdução que São Lucas faz ao seu Evangelho, cabe dizer algumas palavras em relação à centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja e desfazer o grande mal-entendido – espalhado pelos protestantes e comprado por muitos católicos – de que a Palavra se resumiria às páginas da Bíblia, como se a fé cristã fosse uma "religião do Livro".

Contra essa visão perigosa, é preciso dizer que a Palavra de Deus não é um livro, mas uma Pessoa; "o Verbo de Deus se fez carne" (Jo 1, 14), não livro; o Cristianismo não é a religião "duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo" (Catecismo da Igreja Católica, § 108).

O Papa Bento XVI expressou bem essa verdade quando escreveu, na sua encíclica Deus Caritas Est, que "ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (n. 1). Sem dúvidas que um cristão deve guiar-se por "grandes ideias" e tomar importantes "decisões éticas", mas isso não se confunde com a essência do Evangelho, que é o anúncio da Pessoa divino-humana de Jesus de Nazaré. Quem considera a fé católica um mero corpo de teorias e doutrinas abstratas acaba transformando-a numa espécie de gnose – uma forma de "conhecimento oculto" que parece bonita, mas não salva.

Sobre o risco de prescindir da Pessoa do Verbo Encarnado para buscar "novidades" e correr atrás de "novas revelações", adverte São João da Cruz que, "em dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma vez nessa Palavra, e nada mais tem para falar" (Subida do Monte Carmelo, II, 22). Quem quer que queira achegar-se a Deus deve, portanto, passar por esse "único mediador", no qual "estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência" (Cl 2, 3).

Quando, em meados do conturbado século XVI, os livros em língua castelhana foram proibidos, na Espanha de Santa Teresa de Ávila, Jesus consolou-a com nada menos do que a Sua presença:

"Senti muito quando se proibiu a leitura de muitos livros em castelhano, porque alguns muito me deleitavam; e eu não poderia mais fazê-lo, pois os permitidos estavam em latim; o Senhor me disse: Não sofras, que te darei livro vivo. Eu não podia compreender por que Ele me dissera isso, pois ainda não tinha tido visões. Mais tarde, há bem poucos dias, o compreendi muito bem, pois tenho tido tanto em que pensar e em que me recolher naquilo que me cerca, e tenho tido tanto amor do Senhor, que me ensina de muitas maneiras, que tenho tido muito pouco ou quase nenhuma necessidade de livros. Sua Majestade tem sido o livro verdadeiro onde tenho visto as verdades. Bendito seja esse livro, que deixa impresso na alma o que se há de ler e fazer, de modo que não se pode esquecer!" (Livro da Vida, XXVI, 5)

A insistência de Teresa, em vários trechos de sua obra, com a humanidade de Cristo, diz muito da espiritualidade católica, repleta de ícones, estátuas, estampas – figuras sensíveis que, de várias formas, remetem à carne real e palpável que o próprio Deus invisível assumiu para a nossa salvação.

Por isso, São Lucas, ao escrever o seu Evangelho, vai atrás "[d]aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra" (v. 2), isto é, daqueles que viram, ouviram e apalparam a Palavra visível de Deus (cf. 1 Jo 1, 1-2). Os detalhes que ele conta no começo de suas páginas, principalmente sobre a vida de Maria Santíssima, legaram-lhe a fama de "pintor da Virgem", sendo muitos ícones marianos da história da Igreja atribuídos a ele.

Mais importante que saber, todavia, se tal ou qual imagem foi realmente pintada por S. Lucas, é aprender a reconhecer nos Evangelhos a Pessoa de Cristo. Foi o que o próprio Jesus ensinou a fazer quando, depois de ler uma passagem de Isaías, disse: "Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir" (v. 21). Ora, Nosso Senhor sabia bem que aquela profecia do Velho Testamento tinha a ver com o exílio da Babilônia e, portanto, já se tinha cumprido há muito tempo. Ao dizer que ela se cumpria naquele momento, portanto, Ele dava uma nova chave de interpretação para as Escrituras: o sentido místico, que ensina a "adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos reconhecendo a significação deles em Cristo" (Catecismo da Igreja Católica, § 117).

A Igreja sempre leu as Escrituras dessa forma, transcendendo o seu sentido literal e histórico e procurando dar-lhes um significado espiritual. Sob essa luz, todas as narrativas bíblicas ganham uma nova perspectiva. Isso não significa ignorar ou desprezar, por exemplo, a exegese histórico-crítica, que é um instrumento válido e importante para os estudos teológicos. O problema está em deter-se aí, transformando a Bíblia em "letra morta", sem nenhuma conexão com a vida concreta das pessoas. Afinal, não foi simplesmente para integrarem uma biblioteca ou serem estudadas que Deus nos deixou as Escrituras; em sua sabedoria, quis Ele que elas servissem principalmente ao nosso crescimento espiritual. Para tanto, é preciso que, numa santa obsessão, nos tornemos íntimos da humanidade de Cristo, o caminho fora do qual não há nem salvação nem verdadeira santidade.

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