Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Marcos
(Mc 1, 29-39)
No Evangelho deste Domingo, Nosso Senhor vai à casa de Simão e André, cura a sogra de São Pedro de uma febre e, à tarde, depois do pôr do sol, cura muitas pessoas de diversas doenças e expulsa muitos demônios. Tratam-se de alguns dos inúmeros milagres operados por Jesus.
Todos esses fatos relatados nos Evangelhos realmente aconteceram. Hoje, infeliz e desgraçadamente, certas teologias racionalistas tendem a reputar os milagres de Cristo como “mitos”. O protestante Rudolf Bultmann, por exemplo, falava da “demitologização” do Evangelho: a modernidade, tão acostumada a avanços científicos e tecnológicos, não poderia aceitar a linguagem e o conceito de mundo expressos nas Escrituras. Seria, pois, necessário filtrá-las, para que se adaptassem ao homem contemporâneo.
O fato, porém, é que a incredulidade em relação aos milagres sempre foi uma constante na história da humanidade. O ser humano – algumas gerações mais, outras menos – sempre teve dureza de coração e dificuldade para crer nestas coisas.
Para que, então, Jesus realizava milagres? Santo Tomás de Aquino, em sua Summa contra Gentiles, ensina o seguinte:
“Costuma-se chamar de milagres [miracula] as coisas que às vezes acontecem fora da ordem constante da natureza, pois ficamos admirados de um fato quando, vendo um efeito, desconhecemos a causa, e porque uma mesma causa é às vezes conhecida por uns e desconhecida por outros, acontece que, ao verem o mesmo efeito, uns ficam admirados e outros, não. Por exemplo: o astrônomo não se admira quando vê o eclipse do sol, porque conhece a sua causa, mas quem desconhece astronomia fica admirado, porque desconhece a causa. Assim, o eclipse é para este algo admirável, mas não o é para aquele. Por isso, é admirável aquilo que tem a sua causa simplesmente oculta.”
“E é isto que justamente quer dizer o termo milagre: o que por si mesmo é capaz de causar admiração a todos. Ora, a causa simplesmente oculta para todos os homens é Deus, pois, como acima foi provado, nenhum homem, no estado da vida presente, pode aprendê-lo pelo intelecto. Por isso devem ser ditos propriamente milagres os fatos acontecidos fora da ordem comum que se vê nas coisas [quae divinitus fiunt praeter ordinem communiter observatum in rebus].”
“Há diversos graus e ordens nestes milagres. Com efeito, no supremo grau dos milagres estão aqueles nos quais algo é feito por Deus e que a natureza jamais pode fazer, como por exemplo, estarem dois corpos ocupando o mesmo lugar; o sol retroceder ou parar; o mar dividir-se para possibilitar a passagem dos transeuntes. Nestes milagres, há ainda a se considerar uma ordem. Com efeito, quanto maiores são as coisas operadas por Deus e quanto mais remotas as capacidades da natureza, tanto maior é o milagre, como maior é o milagre de o sol retroceder do que o de dividirem-se as águas. No segundo grau dos milagres estão aqueles nos quais Deus faz algo que a natureza pode fazer, mas não por aquele modo. Assim, é obra natural que um animal viva, veja e ande; mas que, após a morte, viva; após a cegueira, veja, e após o coxear, ande – isto a natureza não pode fazer. Deus, porém, às vezes o faz milagrosamente. Deve-se ainda considerar que há nestes milagres uma graduação na medida em que o que é feito distancia-se da capacidade da natureza. O terceiro grau dos milagres consiste em Deus fazer o que é comumente feito por obra da natureza, sem, no entanto, os princípios da natureza atuarem, como, por exemplo, quando a virtude divina cura alguém de uma febre naturalmente curável, ou quando chove sem interferência das causas naturais da chuva.” [1]
Os milagres narrados no Evangelho deste Domingo podem ser identificados, então, de acordo com as observações de Santo Tomás, como de segundo e terceiro graus. De todos os prodígios realizados por Cristo, porém, o maior de todos é fazer que o ser humano – cheio de egoísmo, misérias e pecados – ame com amor sobrenatural. Este é um milagre de “supremo grau” – muito maior que ressuscitar um morto ou curar um paralítico –, pois dá ao homem a vida divina, fazendo-o chegar a uma caridade perfeita, pela qual ele ama mais a Deus que a si mesmo.
Foi o que experimentaram os mártires, quando preferiram entregar a sua vida a perder a graça divina. Se é natural que o ser humano ame a Deus com suas forças naturais – encontrando “as perfeições invisíveis de Deus (...) através de suas obras” [2] –, não é natural, porém, que ele ame ao Senhor acima de si próprio e de todas as coisas, como fizeram, por exemplo, o japonês São Paulo Miki e seus outros 25 companheiros mártires – cuja memória se celebrou no último dia 6 de fevereiro. O relato de seus martírios conta que uma criança, vendo-os serem crucificados e decapitados, se enchia de uma alegria sobrenatural e cantava de alegria por saber que, morrendo, eles podiam ver Jesus.
Então, é admirável que o cego de nascença seja curado em Siloé, mas muito mais admirável é que nós, cegos e incapazes de ver a verdade de Deus, enxerguemos; é admirável que Lázaro seja ressuscitado, depois de quatro dias morto, mas muito maior é que nós, em nosso egoísmo e pecado, sejamos elevados à vida divina; é maravilhoso alimentar com cinco pães uma multidão de cinco mil homens, porém mais maravilhoso ainda é que sejamos alimentados pelo próprio Deus na Eucaristia. Recorrendo ao Evangelho deste Domingo, também é admirável que Nosso Senhor cure os enfermos e expulse os demônios; muito maior, porém – e tão extraordinário quanto “o sol retroceder ou parar” ou “o mar dividir-se para possibilitar a passagem dos transeuntes” –, é que o homem seja elevado acima de sua própria natureza e ame a Deus divinamente.
Cristo opera todos os milagres narrados no Evangelho a fim de despertar o homem para o sobrenatural. Assim, quando multiplica os pães, Ele aponta para a Eucaristia; e, quando ressuscita Lázaro, aponta para a ressurreição espiritual que acontece em todo sacramento do Batismo e da Confissão. Sem negar a existência e a historicidade dos milagres de Nosso Senhor, é possível olhar os seus prodígios e portentos com os olhos dos santos: muito maior que a multiplicação dos pães e que a ressurreição de Lázaro é o milagre extraordinário da vida de Deus no coração do homem.
Por isso, neste Domingo, não percamos de vista a razão pela qual Jesus operava milagres. Ele o fazia não só para tornar credível a Sua pregação, mas também para levar os homens ao amor. De nada adiantam bens e saúde neste mundo, se estivermos mortos espiritualmente, sem poder amar e viver a vida divina.
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