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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 21,5-11)

Naquele tempo, algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”. Mas eles perguntaram: “Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?” Jesus respondeu: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’ E ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais essa gente! Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim”. E Jesus continuou: “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu”.

O sermão escatológico.a) Ocasião (cf. Mt 24,1ss; Mc 13,1-4; Lc 21,5ss). — V. 1s. E tendo Jesus saído do Templo, depois das disputas com os fariseus e da cena da pobre viúva, aproximaram-se dele os seus discípulos (Mt), e disse-lhe um dos seus discípulos (Mc): Olha, Mestre, que pedras e que construções! Defronte do monte das Oliveiras, na parte oriental-meridional da Cidade, construído sobre o monte Moriá, o Templo de Jerusalém fora restaurado havia pouco por Herodes I, que o fizera enfeitar de modo tão esplêndido, que ‘a sua face exterior nada tinha que o coração e os olhos não admirassem . . . Aos peregrinos se lhes afigurava de longe qual um monte coberto de neve, pois onde não a revestia ouro havia mármore do mais branco’ (Flávio Josefo, Bell. V 5, 6). — Jesus, porém, respondeu: Vês estes grandes edifícios? Não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada. A história atesta o cumprimento da profecia (cf. e.g. Flávio Josefo, Bell. VI 4, 5; VII 1, 1).

V. 3. A princípio, os Apóstolos nada disseram. Mas pouco depois, tendo percorrido o caminho (pelo vale do Cédron) e subido o monte das Oliveiras, estando Jesus sentado no monte, defronte do Templo, interrogaram-no à parte (κατ’ ἰδίαν = privadamente, em segredo) Pedro, Tiago, João e André: Diz-nos quando estas coisas (que nos anunciaste) sucederão? e que sinal haverá, quando tudo isto começar a se cumprir? Logo, perguntam: α) sobre o tempo em que o Templo será destruído, β) sobre os sinais por que se poderá conhecer a proximidade desse acontecimento. O mesmo em Lc (cf. v. 7); em Mt (cf. v. 3), no entanto, propõe-se uma questão mais ampla: α) Diz-nos quando isto (que nos anunciaste) sucederá? e β) qual será o sinal da tua vinda e do fim do mundo (συντελείας τοῦ αἰῶνος = lit. ‘consunmação do século’)? O que na Vg é adventus em gr. diz-se παρουσία [1], termo com que, nas epístolas paulinas, se exprime κατ’ εξοχήν o advento glorioso de Cristo no fim dos tempos para julgar os homens (cf. 1Cor 15,23; 1Ts 2,19; 3,13; 4,15; 5,23; 2Ts 2,1-8).

b) Natureza do sermão. — À dupla pergunta dos Apóstolos responde Jesus com um longo sermão, chamado escatológico (ἔσχατος λόγος) por referir-se aos acontecimentos últimos do mundo e da história humana; chama-se também ‘apocalipse sinótico’ por imitar em parte o estilo apocalíptico (descrição de coisas futuras mediante símbolos), dois motivos (a saber: o argumento escolhido e o gênero literário adotado) pelos quais esta é uma das passagens mais controversas de todo o Evangelho. Some-se a isso ainda outra dificuldade, que é não o saber-se ao certo a ratio de composição do discurso, i.e. se os evangelistas seguem a ordem histórica, lógica ou das próprias recordações; se tudo o que redigem foi dito por Cristo nesta mesma ocasião ou se, pelo contrário, se trata de uma συλλογή de sentenças proferidas em diversas oportunidades (Lc e.g. omite muitas ideias, cf. 17,22-37). Daí ser variadíssima entre os autores as propostas de interpretação.

c) Argumento e divisão. — Para alguns, o sermão aborda um único tema, enquanto que, para outros, abordaria dois, e isso em diferentes proporções segundo o parecer de cada intérprete:

1) A maioria dos antigos e alguns mais recentes aplicam tudo ao fim do mundo; poucos modernos, pelo contrário, preferem limitar o sermão à ruína de Jerusalém.

2) Há quem distinga duas partes autônomas e sucessivas, uma sobre a destruição de Jerusalém (vv. 4-22, ou vv. 4-28), outra sobre o fim do mundo (vv. 23 [29]-51).

3) O sermão faria referência profética a ambos os eventos simultaneamente, sobretudo nos vv. 3-14, na medida em que o juízo contra a Cidade é símbolo e tipo da consumação do século, de sorte que tudo nele se poderia aplicar tanto a um quanto ao outro acontecimento: à ruína de Jerusalém em sentido incoativo e quasi-figurado (τυπικώς), ao fim do mundo em sentido pleno e em realidade; contudo, na descrição do tipo estariam incluídos elementos aplicáveis propriamente só ao antítipo.

4) Hoje em dia, grande parte dos autores identifica um duplo objeto, não porque ambos sejam expostos simultaneamente nem porque se fale primeiro de um, depois de outro sucessivamente, mas porque os dois se desenvolvem de modo ‘permixto’, como que escalonados mas sem confundir-se, i.e. as partes sobre o excídio de Jerusalém e as partes sobre o fim do mundo seguir-se-iam umas às outras de forma mais ou menos regular e ritmada. Também aqui cabem várias possibilidades:

α) Não poucos distinguem duas seções, correspondentes pari passu à dupla interrogação dos Apóstolos: I. sobre a ruína de Jerusalém (sinais prodrômicos: Mt v. 4-8; avisos para aquele tempo: vv. 9-14; iminência da ruína: vv. 15-20; tempo: v. 32ss); II. sobre o fim do mundo (sinais: v. 21s; avisos: vv. 23-28; iminência: 29ss; tempo: vv. 36-42).

β) Alguns seguem a mesma distinção, sustentando porém que nos vv. 4-14 estariam arrolados os sinais prodrômicos de ambos os eventos, ou descrito de modo simultâneo o tempo intermediário entre as duas ruínas, histórica e escatológica.

γ) Outros propõem a seguinte divisão: I. avisos para qualquer tempo (v. 1-14); II. avisos para a destruição da Cidade (v. 15-21); III. avisos para a segunda vinda de Cristo (v. 22 [23]-28), com uma descrição da parousia (v. 29-35); IV. exortação à vigilância (v. 36ss).

5) É fácil ver que tal diversidade se deve antes de tudo aos diferentes modos de conceber os vv. 4-14, o 15 e também os (32-)34, interpretados ora em alusão ao excídio da Cidade, ora à segunda vinda de Cristo; por último, as partes referentes à parousia podem começar no v. 21, no 23 ou mesmo no 29. — Eis o que a este respeito parece razoável propor:

Os vv. 4-14, com efeito, podem referir-se à destruição da Cidade, mas nada impede de os interpretar como monições introdutórias, cujo fim é precaver os discípulos contra o erro de uma consumação iminente (cf. v. 6).

O v. 15ss (ao menos até o v. 20) parece tratar da destruição de Jerusalém (cf. Lc v. 20ss).

O v. 23 já nos leva para outro tempo; dão-se aqui os mesmos sinais que nos vv. 5.11. Ora, como seria supérflua a repetição, pode-se concluir que o tema são os novíssimos do mundo. Mas onde começa? Se se atenta ao sentido, no v. 21 (a grande tribulação). Mas isso parece incompatível com o teor literário da cláusula (γάρ, afinal, é termo de religação com ideias já enunciadas). Não obstante, a partícula pode ser usada como religação meramente literária, não necessariamente lógica. (Lc 23b, embora o pareça, não é lugar paralelo a este.)

Logo, é possível interpretar o sermão conforme o esquema a seguir:

§ I. Monições introdutórias (vv. 4-14);

§ II. A ruína da Cidade (vv. 15-20);

§ III. A segunda vinda de Cristo (vv. 21-31);

§ IV. O tempo de ambos os acontecimentos (vv. 32-41).

NB — Se, por um lado, não se pode afirmar, como querem alguns, que o sermão se componha de estrofes e antístrofes clara e perfeitamente ordenadas, é todavia fácil reconhecer-lhe, por outro, o ritmo poético e a estrofação mais ou menos livre, com paralelismos que lembram a literatura profética.

§ I. Monições introdutórias: sinais dos tempos (Mt 24,4-14; Mc 13,5-13; Lc 21,8-19). — Os sinais mencionados nesta perícope dizem respeito à ‘consumação’, não a título de sinais precursórios, mas como condições prévias antes das quais ela não há de acontecer. Entre eles, prenunciam-se: a) pseudo-Cristos (v. 4s), b) guerras, pestilências etc. (v. 6s), c) perseguições (v. 9ss), d) arrefecimento da caridade (v. 12s), e) pregação universal do Evangelho (v. 14, Mc v. 10).

V. 4s. Jesus, em vez de responder à questão diretamente, exorta os discípulos à vigilância, mas o faz de modo a manifestar-lhes indiretamente alguns sinais do fim. Vede que ninguém vos seduza: porque virão muitos em (sob) meu nome (ἐπὶ τῷ ὀνόματί), i.e. usurpando meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e seduzirão a muitos. Isso deve entender-se como referido não tanto aos libertadores populares que encabeçavam insurreições contra os romanos (e.g. Teudas, Barcoquebas etc.) quanto aos falsos doutores e profetas que surgirão em todas as partes, sobretudo nos últimos tempos, e tentarão afastar os homens de Cristo.

V. 6. Ademais, ouvireis falar de guerras e de opiniões (ἀκοάς = rumores) de guerras, i.e. haverá conflitos perto e longe de vós. Mas os fiéis não devem turbar-se por isso, pois não é ainda o fim. À calamidade virão acrescentar-se fomes, pestilências e terremotos pelos lugares (κατὰ τόπους = em diversos lugares).

V. 8. Vós porém não deveis crer, quando virdes estas coisas, que chegou a consumação do século: Todas estas coisas, com efeito, não serão mais do que o princípio das dores (ἀρχὴ ὠδίνων). Trata-se de uma metáfora tomada das mulheres parturientes, que sentem no início certas dores que anunciam a proximidade do parto, mas que são leves se comparadas com os sofrimentos experimentados quando a criança começa sair’ (Maldonado).

NB — Entre os judeus, era opinião comum, fundada na revelação do AT e desenvolvida de múltiplas formas por autores de apócrifos, além de frequente nos escritos rabínicos, a de que precederia a aparição do Messias um tempo de tribulação e dores, chamado pelos talmudistas Cheblô shel Mashîach (חֵבְלוֹ שֶׁל מָשִׁיחַ), dor do Messias (i.e. do tempo do Messias) ou, antes, ‘tribulações’ messiânicas; em gr. diz-se ὠδῖνες (dores de parturiente, dores veementes etc.). Estas dores englobam: calamidades (e.g. guerras, fome, seca, perseguições etc.); perturbações cósmicas; tribulações também espirituais (e.g. domínio de homens perversos, apostasia dos fiéis, crescimento da impiedade e da corrupção moral etc.). Tudo isso afligirá os homens durante muito tempo, mas também lhes dará entrada à era Messiânica, purificados do pecado como que por um parto (Zorell).

V. 9-13. Após as calamidades físicas, virão tribulações morais: os fiéis cristãos serão perseguidos, entregues à morte e odiados por todas as nações (Mt); mesmo dentro da Igreja, alguns irão trair e odiar aos outros (cf. Mt 10,17s). Aqui, entre o v. 9a–9b de Mt, inserem Mc e Lc duas profecias (a delação aos reis e governantes e a promessa de auxílio do Espírito Santo), antecipadas por Mt nas instruções aos Apóstolos (cf. 10,17-22). Levantar-se-ão falsos profetas, que seduzirão a muitos (cf. v. 5), e a tal ponto grassará a iniquidade (ἡ ἀνομία), i.e. o ódio a Cristo e a perseguição aos fiéis, que se resfriará a caridade, i.e. a observância da lei divina, o amor a Cristo etc., de muitos (τῶν πολλῶν = muitíssimos, de um grande número etc). Mas o que, entre todas essas adversidades, perseverar até ao fim, este será salvo. O mesmo exprime Lc com outras palavras (v. 19): Na vossa paciência (ἐν τῇ ὑπομονῇ ὑμῶν = pela vossa constância, perseverança) possuiries (ind. fut. κτήσεσθε = ireis adquirir; ou imp.: κτήσασθε = adquiri!) as vossas almas, i.e. a salvação de vossas almas (cf. Mt 10,22b).

Nota sobre a apostasia. — Entre os presságios do fim próximo do mundo, conta-se uma amplíssima deserção da fé (defectio a fide). A isto parecem referir-se às palavras de Cristo no Evangelho: Quando vier o Filho de homem, julgais vós que encontrará fé sobre a terra? (Lc 18,8), com o que se insinua claramente que serão raros os fiéis cristãos. A causa disso, entre outras, é a seguinte: Porque se levantarão falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes milagres e prodígios, de tal modo que (se fosse possível) até os escolhidos seriam enganados (Mt 24,24). O Apóstolo, por sua vez, fala da apostasia geral associando-a ao advento do Anticristo: Ninguém de modo algum vos engane, porque isto não se dará sem que antes venha a apostasia (ἡ ἀποστασία), e sem que tenha aparecido o homem do pecado, o filho da perdição (2Ts 2,3). — Mas como se dará essa deserção religiosa, é difícil determiná-lo. Porém duas coisas são certas: 1) haverá uma grande apostasia dos homens ou, antes, conforme alguns, das nações, que darão as costas à antiga religião para professar na prática, quando não expressamente, um ateísmo social; 2) essa apostasia trará consigo uma gravíssima corrupção moral, como o Senhor mesmo o indicou: Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também quando vier o Filho de homem. Comiam, bebiam, tomavam mulher e marido, até o dia em que Noé entrou na arca e veio o dilúvio que exterminou a todos. Como sucedeu também no tempo de Ló: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; mas, no dia em que Ló saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, que exterminou a todos. Assim será no dia em que se manifestar o Filho de homem (Lc 17,26-30) [2].

Referências

  1. A palavra (do verbo πάρειμι = lit. ‘estou aqui’, ‘estou presente’), em sentido próprio, significa ‘presença’; na linguagem comum, era sinônimo de ‘advento’, ‘vinda’, ‘chegada’ etc., embora fosse utilizada já desde o séc. III a.C. para designar κατ’ εξοχήν o advento solene de um rei ou do imperador, acompanhado de pompa triunfal, a alguma província, ‘o qual advento era de suma importância para a região, pois com ele tinha início uma nova era’ (Zorell, Lexicon). Cristo, sem dúvida, deve ter usado a voz aramaica vulgar me’tîtâ, mas quando o Evangelho começou a ser pregado em língua grega, os discípulos passaram espontaneamente a usar seu equivalente mais solene.
  2. A.-A. Paquet, Disputationes Theologicæ… Quebec, 1903, p. 473s.

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