O princípio e o fundamento dos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola — que, antes de tudo, servem para o homem “vencer-se a si mesmo e ordenar a sua vida sem se determinar por afeição alguma que seja desordenada” (Exercícios Espirituais, II, 21) — colocam-nos diante daquilo que é a razão de nossa existência: amar e servir a Deus.
Santo Inácio converteu-se ao cristianismo em um período tardio da Idade Média, quando a Europa dava seus primeiros passos para fora da Igreja. A peste negra e o Renascimento provocaram uma “febre de viver” entre os europeus, de modo que a moral começou a tornar-se antropocêntrica, ou seja, o homem passou a enxergar-se como o centro do mundo. E desse processo de secularização surgiu uma sociedade neopagã e avessa à religião.
É verdade, porém, que a Espanha de Santo Inácio demorou para assimilar a nova cultura renascentista, e ainda manteve as tradições cristãs por algum tempo. Mas isso não significou muita coisa. Embora ainda se comportassem como cristãos batizados, os espanhóis agiam mais por etiqueta do que por convicção. Desse modo, o cristianismo deixou de ser um caminho de salvação para tornar-se apenas uma convenção social.
Inácio, por sua vez, era um típico cristão espanhol: batizado, mas sem a certeza de que Jesus era o seu Senhor. Era um cristão de vida torta. E isso só mudaria após um acidente que sofreu, durante uma batalha pela conquista de Pamplona, quando acabou gravemente ferido. O tempo de recuperação foi a oportunidade para que ele, lendo a Vida de Cristo, decidisse desentortar a própria vida e seguisse o exemplo dos santos. Foi a partir dessa experiência, então, que Inácio formulou os seus famosos exercícios espirituais.
Os exercícios espirituais reúnem algumas meditações para que, ao longo de trinta dias de oração, a pessoa seja levada ao caminho de Deus. É verdade que eles não são mágicos, nem formam santos no prazo de um mês, mas são um método eficaz para auxiliar a pessoa a governar suas paixões, a fim de decidir-se resolutamente por Cristo. O propósito de Santo Inácio era fazer com que o coração das pessoas se apaixonasse por Jesus, por meio de uma verdadeira caminhada espiritual.
Existem muitos “bons” católicos, que participam de pastorais e outras atividades da Igreja, mas o fazem pela razão errada. Imaginem um ladrão que precisasse se submeter a uma série de exercícios de ascese para, finalmente, conseguir roubar um banco. Ninguém, em sã consciência, diria que esse ladrão é uma pessoa virtuosa. Do mesmo modo, um católico que vai à Igreja mas não serve, de fato, a Deus e aos seu irmãos, não é um católico de verdade, nem pode dizer que cumpre o primeiro mandamento. Com efeito, os exercícios de Santo Inácio servem perfeitamente para esse grupo. Vejam o que ele diz no número 23 de sua obra:
O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para que é criado. Donde se segue que o homem tanto há-de usar delas quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas, quanto disso o impedem.
Notem como Santo Inácio é um especialista no trato das coisas espirituais e nos ajuda a enxergar, com clareza, onde se encontram os nossos obstáculos à graça de Deus. A vida do homem deve estar orientada por uma hierarquia, e as coisas deste mundo devem servir-lhe para aproximá-lo de Deus. O homem, diz Santo Inácio, precisa, antes de tudo, estar focado naquela “única coisa necessária”, da qual Jesus fala para Marta, que é o louvor a Deus e a própria salvação, para que não se perca pelas seduções do pecado.
Deus deve ser a causa final de todas as nossas ações. É neste sentido que Santo Inácio ajuda-nos a escolher, entre as coisas boas, aquilo que mais está adequado à nossa vocação. É preciso escolher primeiro a Deus antes de decidir-se pela vocação matrimonial ou sacerdotal. Santo Inácio diz:
Em toda a boa eleição, quanto é da nossa parte, o olhar da nossa intenção deve ser simples, tendo somente em vista o fim para que sou criado, a saber, para louvor de Deus nosso Senhor e salvação da minha alma; e assim, qualquer coisa que eu eleger deve ser para que me ajude para o fim para que sou criado, não subordinando nem fazendo vir o fim ao meio, mas o meio ao fim (n. 169).
Infelizmente, o caminho de Santo Inácio tornou-se antiquado para muitos dentro da Igreja, que desejam transformá-la em uma casa de autoajuda. O esquema dos exercícios espirituais, entretanto, revela uma verdade acessível à razão natural, de modo que o homem, conforme progride na vida de oração, vai encontrando novas verdades, agora com o auxílio da luz sobrenatural da graça. Ao encontrar-se com Jesus, a pessoa vai se dando conta do imenso amor com que o Senhor a ama, e, assim, procura endireitar a vida e aceitar aquilo que melhor serve para estar na presença de Deus, ainda que seja algo doloroso como uma doença ou a pobreza.
Peçamos a Santo Inácio uma vida de oração verdadeira para que, assim como ele, sejamos endireitados pelo poder da graça de Deus e O tenhamos como causa final de nossas vidas.
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