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Texto do episódio
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Nesta aula, é abordado o polêmico caso do menino britânico Charlie Gard, de 10 meses de idade, que nasceu com uma doença genética rara — até então incurável —, cujo efeito sobre seu organismo é o esgotamento do DNA mitocondrial. Seus pais querem levá-lo para os Estados Unidos, a fim de submetê-lo a um tratamento experimental, na esperança de curá-lo. No entanto, o hospital britânico no qual Charlie se encontra não quer liberá-lo e decidiu que a única coisa a ser feita é deixá-lo “morrer com dignidade”, pois, de acordo com o hospital, o tratamento pretendido pela família não seria eficaz. Os pais recorreram na Justiça inglesa, em três instâncias, e posteriormente, apelaram ao Tribunal Europeu, sem obter êxito.

De início, é preciso destacar três pontos relevantes em relação a este caso concreto: i) a moralidade da decisão, que está sendo tomada, de interromper o tratamento do bebê Charlie Gard; ii) o fato de um hospital e um Estado arrogarem para si o direito, que pertence aos pais, de tomar tal decisão; iii) a salvação eterna deste bebê.

Começando pelo último ponto — sem entrar em especulações teológicas acerca das crianças que morrem sem o Batismo —, o importante aqui é que, pelas informações obtidas, Charlie Gard já foi batizado validamente. Embora ninguém esteja tratando desse ponto, ele é indispensável, pois, além da saúde física dessa criança, os pais devem preocupar-se também com sua salvação eterna, como o fizeram.

Quanto ao primeiro ponto — sobre a moralidade ou não da interrupção do tratamento —, é preciso dizer que a decisão do hospital não é totalmente insensata. Sua razoabilidade baseia-se na alegação de que está ocorrendo uma insistência terapêutica para um problema que, segundo o hospital, não tem solução. Por outro lado, os pais pesquisaram e constataram que, nos EUA, existe um tratamento experimental do qual já participaram algumas crianças que sobreviveram. Em termos de bioética, portanto, nenhuma das partes está agindo de forma absolutamente imoral, pois trata-se de uma questão complexa e estritamente prudencial.

Para constatar isso, podemos recorrer ao Manual de bioética I - Fundamentos e ética biomédica, do Cardeal Elio Sgreccia, no qual são apresentados quatro critérios indicativos para decidir sobre essas questões:

1º) Na falta de outros remédios, é lícito recorrer, com o consentimento do doente, a outros meios postos à disposição da medicina mais avançada, mesmo que estejam ainda num estágio experimental e não isento de certo risco;

2º) É também lícito interromper a aplicação de tais meios, quando os resultados não correspondem às esperanças neles postos. Mas ao tomar essa decisão, dever-se-á levar em consideração o justo desejo do doente e de seus familiares, bem como o parecer dos médicos realmente competentes;

3º) É sempre lícito contentar-se com os meios normais que a medicina pode oferecer. Não se pode, portanto, impor a ninguém a obrigação de recorrer a um tipo de tratamento que, por mais que esteja em uso, não está, todavia, isento de perigos ou é, por demais, oneroso;

4º) Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência, tomar a decisão de renunciar a tratamentos que ofereçam prolongamento precário e difícil da vida, sem a interrupção, todavia, dos tratamentos normais devidos aos doentes em casos semelhantes [1].

Esses critérios bioéticos demonstram quão complexo é o caso em questão, pois, ao mesmo tempo que é possível “renunciar a tratamentos que ofereçam prolongamento precário e difícil da vida” [2], também é lícito buscar terapias medicinais “que estejam ainda num estágio experimental e não isento de certo risco”. Trata-se, portanto, de juízos prudenciais, nos quais se deve considerar “o justo desejo do doente e de seus familiares”, com o “parecer dos médicos competentes”; e não por meio de uma decisão unilateral dos médicos e do Estado, como está ocorrendo.

Aqui, entramos no segundo ponto, acerca da ingerência do hospital e do Estado na decisão que pertence aos pais. Embora o que eles estejam sugerindo não seja explicitamente a morte do menino, mas a interrupção do seu tratamento, é perceptível que esta postura está em consonância com uma agenda globalista que apresenta a “morte com dignidade” como um ato de “compaixão” para com o doente, a fim de promover a legalização da eutanásia.

Além de observarmos o Estado apoiar e subsidiar uma “cultura de morte” que, por meio do aborto e da eutanásia, ataca o início e o fim da vida humana, percebemos também uma constante tentativa de diminuir ao máximo o pátrio poder, enquanto autoridade que é exercida pelos pais sobre seus filhos — como observamos estarrecidamente a candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, afirmar que as crianças não pertencem aos pais e que não devem ser educadas por eles. 

No caso específico do bebê Charlie Gard, o hospital e o governo estão arrogando para si uma decisão que, por direito natural, pertence aos pais. Essa tomada de poder abre inúmeros precedentes, nas mais diversas situações, favorecendo a interferência do Estado na autoridade da família, para impor sua vontade de forma totalitária, como já ocorre na Suécia e na Noruega, onde os pais perdem a guarda dos filhos por não os submeterem à doutrinação estatal, ou na Alemanha, em que um casal foi condenado à prisão por não aceitar a ideologia de gênero

Em suma, a delicada situação do menino Charlie Gard é retrato dramático de um grande problema do mundo atual. Enquanto grupos opostos ficam a discutir, no caso específico, acerca da moralidade de continuar ou não com o tratamento, esconde-se a verdadeira causa eficiente desse embate: o Estado está tomando para si um poder que não lhe pertence.

Referências

  1. Elio Sgreccia, Manual de bioética I - Fundamentos e ética biomédica, São Paulo: Edições Loyola, 2009, pp. 717.
  2. Como foi o caso do Papa João Paulo II, que, aos 85 anos e com um quadro clínico bastante delicado, optou, juntamente com seus conselheiros, por permanecer na residência do Vaticano, sem recorrer a esforços médicos extraordinários, uma vez que não havia mais grandes esperanças de tratamento. Esse exemplo consiste em uma situação de ortotanásia, no sentido de uma morte natural sem intervenção médica, que é totalmente distinta da eutanásia, compreendida enquanto uma morte induzida.

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