Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 9,18-22)
Aconteceu que Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?” Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”.
Mas Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de Deus”. Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”.
I. Reflexão
No Evangelho desta sexta-feira, São Pedro professa a fé em Jesus Cristo. É um Evangelho bem conhecido, por trazer um episódio narrado pelos três sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas. Por isso, à medida que corre o ano litúrgico, é normal que essa passagem torne a aparecer. Jesus, após um tempo buscando mostrar aos discípulos quem Ele é, finalmente lhes pergunta: E vós quem dizeis que eu sou? São Pedro responde: O Cristo de Deus. É sua famosa profissão de fé. No evangelho de Lucas, logo após essa profissão, Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém.
Por que Jesus fez isso? Não vinha Ele buscando manifestar-lhes sua identidade? O Senhor pregou o Evangelho, realizou milagres, expulsou demônios, cumpriu o que as profecias tinham previsto, chegou a ouvir de Pedro, iluminado pelo Espírito Santo, aquela profissão de fé, mas lhes proíbe agora contar o que deveriam anunciar aos quatro ventos?
Por quê? Porque a fé de Pedro, embora verdadeira, é ainda imperfeita. Pedro está certo em dizer que Jesus é o Cristo e o próprio Filho natural de Deus, mas o que nem ele nem os outros Apóstolos viram ou podiam compreender é que o Cristo havia de padecer, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia.
Aqui está o xis da questão. Jesus os proíbe de contar que Ele é o Cristo porque quer que a fé deles, embora certa em muitos pontos, esteja fundada na realidade, e não no que imaginam ou esperam. Isso é muito importante. Nós vamos à Missa todos os domingos e, junto com os outros fiéis, nos levantamos para rezar o Credo, isto é, para fazer, como Pedro, a nossa profissão de fé. Mas cremos por docilidade e com o desejo de conhecer mais a fundo as verdades da fé, ou porque nos acostumamos a repetir fórmulas em que nunca paramos para pensar?
Reservamos tempo para meditar os sagrados mistérios? Sim, as verdades da fé serão sempre misteriosas em si mesmas, o que não implica que não possamos entender nada acerca delas. Eis aqui uma tarefa que não podemos mais adiar: estudar a fé, ao menos em seus artigos mínimos e fundamentais, bem resumidos no Credo.
É também um ponto que deveríamos incluir em nosso exame de consciência antes da Confissão: dedicamos um tempo razoável, dentro do que permitem nossas obrigações de estado, a nos formar melhor na doutrina católica? É verdade, nós cremos e semanalmente professamos a fé em Jesus Cristo; mas é necessário querer conhecê-lo mais.
Afinal, quem ama quer saber tudo o que pode sobre o amado. Ora, se amamos a Cristo de verdade, nada mais natural do que querer conhecê-lo. A Deus só conheceremos plenamente no céu, onde o veremos face a face, mas já neste mundo é possível e até necessário aprofundar-se no que Ele revelou sobre si mesmo para a nossa salvação.
Jesus ordena aos Apóstolos que permaneçam calados e não saiam proclamando o que já sabem por fé, pois a fé que têm, se é verdadeira e sincera, é no entanto pouco profunda, além de insuficiente para evangelizar como convém. Isso vale também para os leigos. Os casados, por exemplo, têm o grave dever de transmitir a fé aos filhos; mas, para isso, devem eles mesmos, em primeiro lugar, saber qual é a fé a ser transmitida.
Quem não sabe o que tem a obrigação de ensinar é melhor que fique calado antes de aprendê-lo. É o que Jesus, em termos equivalentes, impõe aos Apóstolos: “Não ensineis o que não sabeis. Tendes fé porque acreditais em mim, mas vos proíbo severamente de o contar aos outros antes de vós mesmos o terdes compreendido: O Filho de homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”.
Se entrarmos hoje em qualquer igreja para fazer uma pesquisa sobre o que pensam os católicos a respeito de Jesus, é bem provável que ouçamos a resposta certa: “Jesus é o Filho de Deus feito homem”, e outras não muito precisas, quando não ambíguas e falsas: “Jesus é um iluminado”, “um guia” ou algo assim. Na verdade, não é difícil encontrar na Igreja quem pense “bem” de Jesus; o difícil é achar quem queira segui-lo com a cruz às costas. Será que não estaremos nós nesta situação, parecida com a dos discípulos há dois mil anos, que criam na glória do Cristo Senhor, mas não aceitavam a humilhação do Cristo Servo sofredor?
Acontece que — para repetir um ditado que já virou trocadilho — quem quiser um Cristo sem cruz acabará com a cruz sem Cristo. Esse é o problema. Abracemos a Cristo como Ele mesmo se revelou. Saibamos que a cruz é necessária, não porque o cristão “goste” de sofrer, mas porque é o caminho redentor escolhido por Deus, um Deus de amor que se dispôs a morrer por nós na cruz.
II. Comentário exegético
V. 18. Aconteceu que, estando só orando (gr. εἶναι αὐτὸν προσευχόμενον κατὰ μόνας, lt. cum solus esset orans), em vez de solitariamente, para significar que estava longe das turbas, mas se encontravam com ele os seus discípulos. Interrompendo a oração, Jesus interrogou-os… De fato, é evidente que a cláusula estando só orando refere-se menos à oração atual que ao tempo e ao lugar escolhidos para entregar-se à oração, já que não faria sentido interpretá-la como simultânea ao ato de orar (= “enquanto orava, interrogou”); diz-se, pelo contrário, que, no lugar e no tempo escolhidos para orar longe das turbas, entre um momento e outro de oração, interrogou Jesus os seus discípulos. E com razão fez a pergunta em tempo de recolhimento, para começar a manifestar-lhes com o espírito devido o mistério de sua paixão e morte, além de os fortalecer para o martírio. Nada disso, com efeito, pode ser entendido e vivido sem oração. — Dizendo: Quem dizem as multidões que sou eu?
V. 19. Responderam e disseram: Uns dizem que João Batista, outros que Elias, outros que ressuscitou um dos antigos profetas. — V. 20. Ele disse-lhes: E vós quem dizeis que sou eu? Pedro, respondendo, disse: O Cristo de Deus. Lc. não narra nem a resposta completa de Pedro nem as palavras que o Senhor lhe disse em seguida; cf. o comentário exegético a Mt 16.
V. 21. Mas ele, increpando-os com tom severo, para significar uma intimidação seguida de uma ordem, a saber: mandou que o não dissessem a ninguém…, i.e. que ele era o Messias. Sabia, com efeito, que isso não devia ser pregado antes de sua ressurreição, uma vez que (como provaram mais tarde os acontecimentos), tão-logo o aclamaram Messias, prontamente o delataram a Pilatos como réu de lesa-majestade e digno de ser crucificado. Tenha-se presente que Jesus ensinava ser o Cristo de Israel mais por fatos (milagres) e doutrina (o Evangelho do Reino) que pela afirmação expressa de o ser, razão por que não queria, antes de ressuscitar, ser conhecido publicamente pelo título de Messias.
V. 22. Acrescentando: É necessário que o Filho de homem padeça muitas coisas, que seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que seja morto e ressuscite ao terceiro dia. Após ter instruído os discípulos e tê-los levado a crer que Ele era o verdadeiro Messias, Jesus começa a revelar-lhes sua futura paixão e morte, a fim de os afastar do anseio de glórias humanas e dos outros bens temporais próprios dos reinos deste mundo; de fato, esperava-se um Messias que fosse um grande rei, sob cujo cetro seria reerguido em seu antigo esplendor o reino de Israel. Assim, para que não se deixem seduzir por vãs ambições, propõe-lhes Cristo as humilhações de sua paixão e morte.
O primado petrino em Lc. e Jo. — “Ora, não é Pedro, e só ele, o único a quem Cristo, pelas palavras καὶ σύ ποτε ἐπιστρέψας στήρισον τοὺς ἀδελφούς σου (Lc 21,31ss), entregou, juntamente com o dever e o direito de confirmar os irmãos, o principado no episcopado e o primado entre os bispos? Enfim, não foi Pedro, e só ele, o único a quem o Bom Pastor, além do qual nenhum pastor pode chamar-se bom, confiou tanto as suas ovelhas como todos os seus cabritos: βόσκε τὰ ἀρνία μου, ποίμαινε τὰ πρόβατά μου (Jo 21,15s) [1], para que, com sumo cuidado pastoral e no exercício de seu dever como principal pastor, os abraçasse e pastoreasse? Ora, assim como este pastorado ecumênico que Cristo, vencedor do pecado, da morte e do inferno, entregou a Pedro deve ser considerado o cumprimento da já prometida prerrogativa de [ser o] fundamento e o príncipe de toda a Igreja, assim também a economia de que o Salvador do mundo, ressuscitado dentre os mortos, usou para com Pedro (cf. Mc 16,17; Lc 24,1; 1Cor 15,3ss) responde adequadamente à dignidade e à autoridade do pastor universal” (C. Schrader, de unitate romana i §166).
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