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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 18, 15-20)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Se teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, à sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão. Se ele não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas. Se ele não vos der ouvido, dize-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja ele ouvir, seja tratado como se fosse um pagão ou um pecador público.

Em verdade vos digo, tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. 19De novo, eu vos digo: se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que quiserem pedir, isto vos será concedido por meu Pai que está nos céus. Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome eu estou ali, no meio deles”.

I. Reflexão

Celebramos hoje a memória de Santa Clara de Assis, mais conhecida como a fundadora, junto com São Francisco, das Clarissas, o ramo feminino da família franciscana. No entanto, pouca gente conhece os méritos e as virtudes desta santa. Os filmes que retratam a vida de São Francisco, de forma geral, apresentam Santa Clara como uma figura subalterna, quase uma menina “apaixonada” que, após Francisco se converter e virar frade, finalmente se consagrou a Deus. Mas essa caricatura está muito longe da verdadeira Clara. Santa Clara foi virtuosa desde a infância e sempre pensou em se consagrar a Deus. Vivendo a pureza virginal, ela fizera um voto íntimo de se entregar a Jesus. No entanto, não sabia como tudo iria acontecer.

Mas Deus, que fala pelos acontecimentos da vida, suscitou no coração de São Francisco aquela louca e santa paixão pelo Cristo pobre. São Francisco começou a viver como pregador e penitente e, apaixonado pela dama, a “senhora pobreza”, se entregou totalmente a Cristo. É interessante notar que o amor de São Francisco pela pobreza era, na realidade, amor a Cristo. Era pelo Cristo pobre, nascido numa manjedoura, pequenino e frágil, que ele estava apaixonado. Ora, como uma alma pode se unir a Jesus? São Francisco encontrou um caminho: o da pobreza, ou seja, seguir os passos de Jesus, sequela Christi, imitando-o até na pobreza. De fato, unir-se a uma pessoa é unir-se à vontade dela; logo, unir-se a Jesus é unir-se à vontade dele, configurando-se a Ele o mais possível, como a esposa se une ao esposo. Esse é o método de Francisco de Assis, seguido também por Santa Clara.

No entanto, para conseguir consagrar-se a Deus seguindo os passos de seu pai espiritual, Clara teve de enfrentar a família, nobre e cheia de projetos para ela. Com grande coragem e valor, ela saiu escondida de casa, consagrou-se a Deus e entregou seus belos cabelos loiros à tesoura, cobrindo-se então com um véu negro, entregue a Cristo pelos votos de pobreza, obediência e castidade. A família quis demovê-la da decisão, mas Clara procurou refúgio na igreja. Ela sabia que o templo não poderia ser violado, por isso fez um gesto ousado, que nenhuma mulher da época faria: subiu ao presbitério e agarrou-se ao altar, descobrindo a cabeça e mostrando assim o cabelo raspado. Diante disso, os parentes não ousaram mais levá-la para casa. Mas Clara foi aos poucos vencendo ainda mais a família, de forma que muitos de seus familiares também se consagraram a Deus. A irmã, Inês, e até a mãe passaram a seguir a regra de Francisco, uma regra muito simples em que o caminho de configuração a Cristo, à vontade de Nosso Senhor, é a santa pobreza.

Como todos os santos, Clara foi crescendo em sabedoria graças à sua convivência com Nosso Senhor, e chegou a tornar-se uma poderosa intercessora. Mesmo após a morte de São Francisco (à qual ela assistiu à distância, dentro da clausura, razão por que é considerada padroeira da televisão), ela continuou a viver as virtudes e era consultada inclusive por papas, que pediam sua intercessão convencidos de que Jesus nada iria negar àquela santa esposa. Sua vida de penitência chegou até a prejudicar-lhe um pouco a saúde, mas nem as dores nem as doenças poderiam demover a santa, morta com sessenta anos, depois de longos sofrimentos oferecidos por amor a Deus, numa perfeita configuração a Cristo, a exemplo de São Francisco de Assis.

Além disso, Santa Clara mostrou-se sempre uma grande mãe para com suas filhas espirituais. É famoso o episódio em que o convento dela foi invadido por sarracenos. Trata-se de um fato interessante historicamente. Em plena Idade Média, o imperador Frederico II havia se revoltado contra o Papa e fora por ele excomungado. O sacrílego monarca contratou então um exército de mais de 20.000 muçulmanos para perturbar a Itália, o território pontifício, onde também se encontrava Assis. Os sarracenos chegaram até às portas do convento, e Clara, embora doente, foi carregada pelas irmãs até as portas (ou uma das janelas) e fez ali uma oração com o Santíssimo Sacramento em mãos, alcançando de Cristo a promessa de que ela e as irmãs seriam protegidas dos violentos invasores. Eis sua grande confiança em Jesus sacramentado!

Que Santa Clara interceda por nós e nos ensine a seguir os passos de Cristo, conformando-nos em tudo nossa vontade à dele. Pelo desapego e a pobreza, ela conseguiu uma plena união com Jesus. Que também nós consigamos, cada um em seu estado de vida, seguir esse exemplo e, cheios de amor a Cristo sacramentado, ser protegidos em tudo pelo Senhor, nosso divino esposo.

II. Comentário exegético

A correção fraterna (cf. Mt 18, 15-18; Lc 17, 3). — Depois da parábola da ovelha perdida, devido a certa semelhança entre perder-se (gr. πλανᾶσθαι) e pecar (gr. ἁμαρτῆσαι) fala-se da necessidade de levar o irmão pecador ao arrependimento.

V. 15ss. Se pecar (alguns codd. acrescentam: contra ti [gr. εἰς σέ], i.e., de modo a causar-te dano) de qualquer forma, mas mortalmente ou em matéria grave o bastante, um teu irmão, i.e., todo fiel católico, unido a ti pela mesma fé, vai e corrige-o entre ti e ele só, por pudor e discrição; se te ouvir, ganhaste para Deus e para o céu o teu irmão, condenado antes à perdição. “Salvastes o que perecia, e lucraste para Deus e para o céu o que era réu da geena e de Satanás; não só isso: também para ti o lucraste, porque ambos havíeis sofrido alguma perda por vossa discórdia… Pela salvação do outro também nós lucramos nossa salvação, diz São Jerônimo” (a Lapide, In Matt. 18, 15).

Se porém te não ouvir, não descanses ainda nem te dês por vencido, mas toma contigo uma ou duas pessoas, de forma que mais facilmente o réu conheça a própria culpa, para que pela palavra de duas ou três testemunhas, i.e., pela tua e pela da(s) testemunhas(s) que trouxeres, se decida toda a questão (cf. Dt 17, 6; 19, 15). Com estas palavras do Deuteronômio, o Senhor proibíra no AT condenar o réu sem antes demonstrar o crime pela autoridade de ao menos duas ou três testemunhas. — Se os não ouvir, dize-o à Igreja, i.e., aos que presidem ao conjunto dos fiéis, para que eles, pela autoridade de que estão investidos, castiguem e evitem escândalos; se não ouvir a Igreja, considera-o como um gentio e um publicano, i.e., evita-lhe a presença e o convívio, assim como os judeus faziam com os pagãos e os publicanos [1].

Deve-se rejeitar a interpretação das palavras dizei-o à Igreja que lhe dá este alcance: “Tornai conhecido o pecado na Igreja”, i.e., “perante os fiéis”. Isso, com efeito, contradiz o que é dito em seguida: Se não ouvir a Igreja etc., que não pode entender-se em sentido coletivo (“a Igreja inteira”), mas apenas metonímico (a parte principal pelo todo = “as autoridades a Igreja), já que os fiéis, enquanto coletividade, não podem pronunciar sentenças (o que, em qualquer sociedade, é por natureza prerrogativa de alguns) e, enquanto leigos, não têm autoridade para tomar decisões, impor castigos etc. (o que, na Igreja, é por direito divino competência da sagrada hierarquia).

Dubium: “Mas então peca quem não faz esta correção? Agostinho: ‘Se não corriges, torna-te pior calando-te que ele pecando’. Mas, embora seja verdade que todos estão obrigados a corrigir, alguém dirá que a isto só compete ex officio aos prelados, aos demais por caridade. Ora, às vezes o Senhor permite que os bons sejam punidos com os maus. Por quê? Porque não corrigiram os maus. No entanto, diz Agostinho que às vezes devemos desistir [de corrigir], ‘se temes que, por causa desta correção, eles não se hão de emendar, mas tornar-se ainda piores’. Igualmente, se temes que assim a Igreja sofrerá perseguição, não pecas; mas se desistes para não ser lesado nos bens temporais, para evitar incômodos ou algo do gênero, então pecas: Repreende o sábio, e ele te amará (Pr 9, 8) [2].

V. 18. É incerto se este v. foi dito por Cristo em conexão com os precedentes ou se, pelo contrário, se trata de um λόγιον inserido aqui pelo evangelista como complemento e explicação das palavras dize-o à Igreja etc. É mais provável a primeira hipótese: com efeito, dá-se a razão por que o fiel desobediente à Igreja deve ser tratado como pagão, a saber, o que sentenciam os prelados é sentença de Deus mesmo.

N.B. — As palavras deste v. não conferem a cada um dos Apóstolos, muito menos a cada um dos simples fiéis (como fantasiaram os protestantes) [3], o poder conferido pouco antes a São Pedro (cf. Mt 16, 19). Em nada, pois, derrogam ao primado petrino. De fato, Cristo constitui os Apóstolos participantes do privilégio concedido a Pedro, mas colegialmente, i.e., cum Petro et sub Petro, como o uso do plural indica suficientemente [4]. Seja como for, o sentido do texto parece ser o mesmo de Mt 16, 19: Cristo conferiu à Igreja o poder de ligar e desligar, i.e., não só de perdoar pecados, mas de determinar, dentro do que lhe cabe, o que é lícito ou ilícito. Cristo prometeu, desta forma, que tudo o que Pedro decretasse enquanto administrador e dispensador (cf. Is 22, 22; Ap 3, 7ss) do reino dos céus seria válido e rato aos olhos de Deus; noutras palavras, conferiu-lhe o poder de promulgar leis e, consequentemente, de exigir por força o cumprimento delas. O mesmo se diga, mutatis mutandis, dos bispos em suas dioceses [5].

A oração comum (cf. Mt 18, 19s). — Não há que buscar com demasiada insistência a conexão lógica entre estes vv. e os precedentes. Provavelmente, todo o nexo entre eles depende mais da mente do evangelista, que reuniu num só ponto estas ideias por se referirem todas, de um modo ou de outro, à comunidade cristã ou à vida interna da Igreja. — V. 19. Ainda vos digo que, se dois de vós, i.e., de meus discípulos, se unirem entre si em mútua concórdia sobre a terra, i.e., em qualquer lugar do mundo, a pedir qualquer coisa, esta lhes será concedida por meu Pai, que está nos céus. Daí se vê o quão grata seja a Deus a concórdia e a mútua estima entre os fiéis. — V. 20. Dá a razão do v. precedente: Porque onde se acham dois ou três, i.e., muitos discípulos, congregados em meu nome, por causa de mim, agindo em minha causa, aí estou eu no nome deles, em virtude de minha presença não só divina, pela qual estou em todas as parte, mas também de graça e de assistência, para ouvir e acolher suas preces, para dirigir-lhes os corações e propósitos etc.

Comentário espiritual.a) A estrutura da Igreja: A Igreja é, desde o início e por instituição divina, uma sociedade hierárquica, com distinção de estados, poderes e deveres: de um lado, os simples fiéis (Ecclesia discens), chamados a aprender e a obedecer; de outro, as autoridades eclesiásticas (Ecclesia docens), cuja missão é ensinar e reger, todos porém em estrita fidelidade às legítimas normas canônicas, às verdades da fé e ao espírito de caridade fraterna, porque somos todos membros de um só Corpo místico. — b) A finalidade da correção: Ora, assim como cada um cuida do próprio corpo e procura a saúde de suas partes, assim também nós devemos zelar pelo bem de nossos irmãos, para que a Igreja resplandeça na santidade de seus vários membros e estes, por sua vez, alcancem o fim pelo qual foram a ela incorporados: a salvação eterna. Devemos, pois, chamar a atenção de quem peca e se desvia do reto caminho, não só pelo bem-estar da comunidade, mas para que sejamos verdadeiramente unos em Cristo, cujos laços de amor se consolidarão para sempre no céu. Por isso a correção fraterna não tem nunca o objetivo de “vingar-se” de injustiças ou ofensas privadas, mas busca, antes de tudo, reconduzir a quem pôs sua alma em perigo e preservar os pequeninos, que poderiam escandalizar-se com o erro dos irmãos maiores.

Referências

  1. Cf. M.-J. Lagrange, Évangile selon saint Matthieu. Paris, J. Gabalda (ed.), 1923, p. 355: “A atitude a ser observada pelo fiel para com o pecador contumaz supõe que a Igreja pronunciou um julgamento de exclusão, a excomunhão, bem conhecida pela sociedade judaica, o qual só podia ser pronunciado pelas autoridades constituídas”. (V., do mesmo autor, L’Évangile de Jésus-Christ. Paris, J. Gabalda [ed.], 1932, p. 272s.)
  2. Santo Tomás de Aquino, Super Matt. XVIII, l. 2, n. 1517; cf. a Lapide, In Matt. 18, 15: “De modo ordinário, a correção fraterna obriga apenas quando o pecado é grave, ou mortal. Embora Caetano, Valência e D. Soto pensem que também estamos obrigados a corrigir quando o pecado é venial, isso, em geral, não parece verdadeiro nem é observado na prática, a menos que do venial se siga um grave dano ou escândalo; do contrário, corrigir e ser corrigido de cada pecado venial, além de ser moralmente impossível, seria para quem corrige um ônus tão intolerável como para o corrigido”.
  3. O Concílio de Trento, Sess. 14, c. 6 e cân. 10, condenou solenemente a doutrina portestante (cf. DH 1684, 1710 [= D 902, 920]).
  4. Cf. M.-J. Lagrange, op. cit., loc. cit.: “[O Senhor] não estava revogando o poder concedido a Pedro como ao administrador principal de sua casa; estava, em vez disso, associando-os [os demais Apóstolos] àquele que tinha as chaves. A passagem do singular para o plural é aqui muito significativa. Ela significa, pelo menos, que o poder não foi dado a cada cristão, e este sentido foi justamente condenado pelo Concílio de Trento: ut quivis habeat potestatem remittendi peccata”.
  5. Todos os bispos, tomados individualmente, têm sobre seus respectivos súditos jurisdição ordinária e imediata, plena (em sua própria ordem) e particular, embora subordinada. Sendo a Igreja uma sociedade absolutamente una e monárquica, há de ser regida sempre pelos Apóstolos e seus sucessores, mas sub Petro principe e seus sucessores e dependentemente deles. Enquanto a potestade do romano pontífice é suma, universal e plenamente sui iuris, a dos bispos está circunscrita por certos limites e não é plenamente sui iuris (cf. Leão XIII, Encíclica “Satis cognitum”, de 29 jun. 1896: ASS 28 [1895-6] 737; DH 3309 = D 1961), razão por que não podem estatuir nada acerca do regime de toda a Igreja nem contra os decretos do romano pontífice, que tem autoridade para limitar e restringir o poder deles, inclusive em suas próprias dioceses, por meio de reservas papais. Cf., v.gr., Pio VI, Constituição “Auctorem fidei”, de 28 ago. 1794, erro 6 (DH 2606 = D 1506): “A doutrina do sínodo [de Pistoia] pela qual professa ‘estar convencido de que o bispo recebeu de Cristo todos os direitos necessários ao bom governo de sua diocese’, como se ao bom governo de cada diocese não fossem necessárias as ordenações superiores referentes quer à fé e aos costumes, quer à disciplina geral, cujo direito compete aos sumos pontífices e aos Concílios gerais para toda a Igreja: é cismática e, como mínimo, errônea”.

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