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Texto do episódio
4011

Como um adendo ao curso sobre o Padre Pio, falaremos de um fenômeno extraordinário que se repetiu muitas vezes ao longo da vida desse santo e que é atestado por inúmeras testemunhas: a bilocação. Qual é a natureza desse fenômeno? Por que Deus o permite? Quais as possíveis explicações?

Alguns casos de bilocação do Padre Pio

Comecemos por narrar algumas bilocações comprovadas do Padre Pio. 

A primeira se deu em 1905, quando ele sequer era padre. Estava ele no seminário, no sul da Itália, e, de repente, viu-se numa mansão em Udine, região norte do país. Diante dele, dois extremos da vida: um pai morria no exato momento em que nascia a sua filha. A menina, chamada Giovanna Rizzani, iria se tornar, anos mais tarde, sua filha espiritual. Nossa Senhora estava apresentando-lhe a menina, deixando-a aos seus cuidados. Era uma joia bruta que o santo haveria de lapidar. 

Um dos confrades do Padre Pio, o Padre Alberto D’Apolito, conta alguns detalhes interessantes dessa história, detalhes que não encontrei em nenhum outro lugar. Diz que o morimbundo, pai da menina, era maçom e que seus companheiros de maçonaria estavam na porta do seu quarto, de tocaia, assegurando que nenhum sacerdote católico entraria para submeter-lhe aos ritos fúnebres — conforme desejava sua esposa.  

Fato é que, de repente, sua mulher, grávida, viu, do seu quarto, um frade passando. Espantada, chamou um dos empregados e perguntou quem o havia deixado passar. O outro respondeu que não havia entrado frade nenhum. Pouco depois — por causa do susto —   começaram as contrações do parto e a menina nasceu. E nasceu frágil, dadas as circunstâncias. Então, a mãe pediu um padre que a batizasse, e os maçons, enfim, deixaram-no entrar. Aproveitando o ensejo, o sacerdote também atendeu o morimbundo e deu-lhe a Unção dos Enfermos. Segundo o relato, o homem morreu dizendo: “Meu Deus, piedade! Meu Deus, tenha misericórdia!” 

Anos mais tarde, essa mesma Giovanna, então com 17 anos, estava na Basílica de São Pedro, em Roma, onde a mãe foi morar, quando lhe surgiram dúvidas sobre a Santíssima Trindade. Aflita, ela achou no templo um frade capuchinho, pediu para falar-lhe, e eles foram ao confessionário. Ali, o homem, com exemplos e metáforas, sanou os questionamentos da moça, e ela terminou muito agradecida. Por isso, pediu à amiga que a acompanhava que esperassem o monge para agradecê-lo mais uma vez. Esperaram, esperaram e nada. Dali a tanto veio o sanpietrino, espécie de zelador da Basílica, dizendo que era tempo de fechá-la. As moças então disseram o motivo da espera e perguntaram pelo capuchinho. Ele então foi ao confessionário e voltou dizendo que ali não havia frade nenhum. A Igreja estava vazia, exceto por eles três. 

No ano seguinte, Giovanna ouviu falar do Padre Pio e foi ao convento visitá-lo. Chegando lá, o santo lhe disse, entusiasmado: “Há tantos anos te esperava!” Ela respondeu que talvez fosse um engano, que eles ainda não se conheciam e que jamais haviam se encontrado. O Padre Pio então retrucou: “Eu estava lá enquanto o seu pai morria, e você nascia”.

Há quem se pergunte se essas histórias não passam de lendas urbanas, produtos da credulidade popular. E a pergunta não é sem sentido, pois realmente foram inventadas muitas lendas em torno do Padre Pio. Numa delas, inclusive, eu acreditava até pouquíssimo tempo. Diziam que, por bilocação, o Padre Pio tinha se encontrado com Dom Orione, outro santo, na cerimônia de beatificação de Santa Teresinha, na Basílica de São Pedro. Segundo se conta em vários e vários livros, o Padre Pio teria surgido no templo e caminhado de braços abertos em direção de Dom Orione, desaparecendo quando o outro foi saudá-lo. 

Ocorre que, preparando esta aula, deparei-me com um documento aparentemente legítimo [1] em que Dom Orione, de próprio punho, desmente a história [2]. Isso que Dom Orione acreditava muito na santidade do Padre Pio. Tanto que, certa vez, um homem, provedor de sua família, foi até ele queixando-se de um braço que havia paralisado. Dom Orione disse que não fazia esse tipo de milagre e recomendou que ele fosse ao Padre Pio. O sujeito foi e, de fato, curou-se. Ou seja, Dom Orione não desmentiu o episódio da bilocação por incredulidade, por crer tratar-se de um fenômeno impossível. Se ele desmentiu, é pura e simplesmente porque não aconteceu; era lenda. 

Conclusão: nem tudo o que se fala de um santo é verdade. Mas, o fato de haver essas lendas não faz com que todo o resto seja mentira. Há sempre que se avaliar caso a caso, com paciência e boa vontade. E para avaliarmos os milagres envolvendo o Padre Pio, inclusive as bilocações, há, felizmente, uma fonte muitíssimo segura: o próprio santo. 

No livro “Padre Pio sob investigação: a ‘autobiografia’ secreta”, de Francesco Castelli [3], há toda a documentação da primeira visita apostólica ao Padre Pio, feita por Dom Raffaelo Rossi [4], em 1921, apenas três anos após a estigmatização. No terceiro dia de interrogatório, a 16 de junho, ele inquiriu o santo a respeito dos supostos casos de bilocação. Diga-se que, no relatório, ele fez questão de assinalar as virtudes daquele frade durante a sessão. O Padre Pio parecia, a todo momento, muito sereno e franco. Às vezes, inclusive, com uma franqueza infantil. Acompanhemos o diálogo:

Também se fala de bilocações. Que diz disso?

R. Não sei como e nem de que natureza é, e muito menos, lhe dou importância… mas apercebi-me de ter presente esta ou aquela pessoa, este ou aquele lugar; não sei se a mente é transportada para lá, ou alguma representação do lugar ou da pessoa se me apresentou; não sei se estive presente com o corpo ou sem o corpo [5].

Ou seja, o Padre Pio admite com toda clareza que elas acontecem. Então, o inquisidor cita alguns casos concretos:

Percebeu quando tal estado se iniciava e, depois, notou ter voltado ao normal?

R. Ordinariamente, acontece-me enquanto orava, a minha atenção dirigia-se primeiro para a oração e, depois, para essa representação; por fim, de repente, encontrava-me como antes.

Exponha fatos particulares.

R. Uma vez, de noite, encontrei-me junto do leito de uma enferma: a senhora Maria, de San Giovanni Rotondo; eu estava no convento, creio que orava. Teria sido há mais de um ano.

Dirigi-lhe palavras de conforto: ela pedia-me que orasse pela sua cura. Isso em essência. Particularmente, eu não conhecia essa pessoa; tinha-me sido recomendada [6].

E prossegue, narrando um outro episódio: 

Um homem (por discrição, o Padre Pio não diz o nome) foi-me apresentado ou eu me apresentei a ele, em Torre Maggiore — estando eu no convento —, e repreendi-o e censurei-o pelos seus vícios, exortando-o a converter-se, e, depois, esse homem veio aqui.
Creio que aconteceram outros casos; mas esses são os que tenho lembrança.

Contou a outros esses pressupostos casos de bilocação?

R. Não, de modo algum. É a primeira vez que eu os relato nesses termos. Parece que nem sequer os dei a conhecer ao diretor espiritual, porque nunca me senti confuso. Essas pessoas falaram-me sobre isso, mas mantive uma atitude reservada; não o neguei nem afirmei [7]. 

Anos depois, quando o Padre Pio foi censurado pelo Santo Ofício, não por causa dessa visita apostólica, mas pelas perseguições e calúnias que vinham da arquidiocese de Manfredônia e pelo relatório polêmico — para dizer o mínimo — do Padre Gemelli, anos depois, como dizia, devido à censura, ele estava sem comunicação externa, e o seu diretor espiritual, Padre Agostinho de San Marco em Lamis, foi visitá-lo. 

Contava ele que esteve em Florença para a profissão de uma religiosa. Lá, disse o Padre Agostinho, ouviu que esteve também na cidade o Padre Pio, por bilocação. Aproveitando o ensejo, o homem, a quem o santo devia obediência, perguntou: “Com que frequência você viaja à Florença?” O frade respondeu-lhe apenas com um sorriso. Agostinho narrou a história que lhe fora comunicada e perguntou ao outro se era verdade. Ao que ele respondeu humildemente: “Padre, sim.” 

Continuou então o diretor espiritual: “Mas a irmã disse que pediu que você também fosse visitar a Irmã Benjamina, e você respondeu-lhe: ‘eu não tenho esta obediência’...” [8]. 

Quer dizer, a bilocação era feita com uma espécie de mandado divino. Era uma obediência à vontade de Deus. No caso em questão, Deus quis que o Padre Pio fosse consolar aquela freira em especial, não a outra. 

O Padre Agostinho pergunta se o diálogo é verdadeiro, e o santo o confirma. 

Veja que são testemunhas muito diretas e confiáveis. É como na famosa bilocação de Santo Afonso Maria de Ligório, conforme Royo Marín relata no seu Teología de la Perfección Cristiana. Conta-se que, no dia 21 de setembro de 1774,  Santo Afonso, bispo, tendo celebrado a Missa numa pequena paróquia de sua diocese,  desabou numa poltrona e ali ficou, catatônico, durante dois dias. Quem via o espetáculo desesperava-se, a não ser um padre, que, prudente, dizia para deixarem o santo como estava. Após dois dias, ouviu-se uma campainha: era o homem que despertava, perguntando a um e outro o que lhe havia ocorrido. Quando lhe contaram do apagão, o  Santo Afonso rebateu: “Vós — disse o servo de Deus — críeis que eu estava dormindo, porém não sabeis que fui para Roma assistir ao Papa, que acaba de morrer”. Era a morte de Clemente XIV.

O rumor espalhou-se pela cidade e dias depois as notícias de Roma confirmaram o ocorrido: o Sumo Pontífice havia mesmo morrido no dia e na hora indicados por Santo Afonso. Trata-se de uma história multiplamente atestada.

Então, a primeira coisa a se concluir é que esse fenômeno da bilocação realmente ocorre na vida de alguns santos e, quanto a isso, há inúmeras provas testemunhais de fontes insuspeitas. Agora, é preciso compreender qual a natureza da bilocação [9].  

Vamos partir da seguinte pergunta: como é que os santos descrevem a bilocação? Como vimos no relato do Padre Pio, a experiência comum é de que o corpo real da pessoa, físico, fica no lugar de origem. Fica numa atividade meio robótica ou num estado aparente de sono. Já no lugar de destino — é assim que dizem — aparece algo que assume a forma do corpo do bilocado.

Pergunta: é o corpo que fica em dois lugares ao mesmo tempo? Resposta tomista: isso é contraditório e impossível. Não é possível a um corpo circunscrito estar em dois lugares ao mesmo tempo. Admira que alguns doutores da Igreja, como São Roberto Belarmino, ou filósofos sábios, como Suárez e Francelin, sejam da opinião absurda, inaceitável, de que, de fato, o corpo real e maciço apareça em dois lugares ao mesmo tempo. Isso não tem cabimento. 

Vamos então descrever o fenômeno a ver se fica mais clara a sua natureza — e a impossibilidade dessa duplicação do corpo. 

Vimos que, geralmente, de um lado está o corpo e do outro, no lugar “ad quem”, surge algo que não é o corpo mesmo. Sabe-se isso por uma série de constatações. Teve um caso em que o Padre Pio apareceu a um médico, em Roma — médico que não tinha fé. O homem tinha sido chamado para atender um paciente durante a noite. De repente, enquanto ele dirigia, apareceu-lhe um frade no banco do passageiro. O religioso disse qual era a situação do paciente, previu o procedimento que o médico tentaria utilizar e alertou que não o utilizasse, porque não iria funcionar, deixando claro o que devia fazer. O médico, que era cético, crendo que delirava, passou a mão no assento e não pode apalpar nada. 

Nesse caso, tratava-se de uma realidade etérea, imaterial. Há uma presença, que fala e age, mas não tem corpo. No caso em questão, o corpo real estava em San Giovanni Rotondo, mas, mesmo com o corpo ali, o santo estava atuando, localmente, em outro lugar, através de um fenômeno de aparição que nós não sabemos explicar exatamente. As teorias dos teólogos são várias — por exemplo: a condensação do ar com a ajuda dos anjos —, mas não nos interessa entrar nesse tipo de detalhe. 

Certo é que, em muitos casos, a pessoa que se vê é um tanto evanescente. Já em outros casos, a aparição atua fisicamente, como no caso em que o Padre Pio apareceu a um confrade doente num hospital em Foggia. Disse que o homem sairia daquela situação e terminou deixando a marca de sua mão na vidraça. Quando o frade se deu conta, viu a marca na vidraça e entendeu que não fora um sonho, que o Padre Pio tinha estado ali de verdade. Pouco depois, veio um frade a San Giovanni Rotondo e informou o Padre Pio do burburinho que estava causando o depoimento do confrade, que jurava ter recebido a visita do irmão santo. Padre Pio respondeu com uma pergunta: “E você duvida?”.

Noutra feita, Padre Pio havia admoestado Giovana Rizzani, aquela mesma, porque a moça, por escrúpulos, andava sempre e sempre confessando pecados já perdoados. O santo a proibiu daquilo e disse que, se repetisse, tomaria um tapa na cara. Dito e feito. Estava a jovem fora de San Giovanni Rotondo e, novamente por escrúpulos, deu de confessar pecados inexistentes. Recebeu a absolvição e, assim que levantou-se para cumprir as penitências, tomou um sopapo tão estalado que o confessor, assustado, abriu a cortina para ver a origem do barulho. 

Tem também o caso, que contamos no curso, do industrial que estava numa Missa, no norte da Itália, e teve a nítida impressão de que o celebrante era o Padre Pio. Cismado, foi depois na sacristia e, magicamente, o sacerdote não tinha absolutamente nada a ver com o frade. Daí o homem resolveu ir a San Giovanni Rotondo. Chegando lá, o Padre Pio, sempre bem humorado, perguntou: “Precisou dessa vez eu ir buscá-lo?”. Quando esse mesmo homem voltava para casa, de carro, à noite, dando de cochilar no volante, subitamente sentiu um soco na boca do estômago. Acordou com a dor, freou bruscamente e, logo a frente de si, passou um trem a todo vapor. Assustado, o homem voltou ao convento, para passar a noite, e, no dia seguinte, foi ter com o Padre Pio, que lhe disse: “Ora, não sabe que não pode dirigir naquelas condições?”.

Do ponto de vista filosófico, podemos dizer que há duas formas de se estar presente. A primeira, a normal, é a presença circunscritiva. O ser, em sua quantidade corpórea, está em determinado lugar (ubi) do espaço. Mas também é possível fazer-se presente pela ação. As realidades espirituais podem estar presentes num lugar enquanto agem num outro. E, nesse outro lugar, por milagre, intervenção divina, ocorre algo como uma aparição — uma aparição, evanescente ou concreta, que pode inclusive realizar atos físicos.  

Leonardo Penitente assinala filosoficamente essa distinção da presença: “O modo da presença dos entes incorpóreos — como as naturezas angélicas e as almas, por exemplo — não é circunscritivo, ou é também chamado de presença definitiva” [10]. 

Esse último caso trata-se da presença por operação. O anjo, por exemplo, na medida em que não tem corpo, não está, materialmente, em lugar algum. O anjo está onde ele age. Logo, também o santo, espiritualmente, por agir em outro lugar. Eis a possibilidade da bilocação. O corpo do santo permanece num canto, mas, em espírito, ele age em outro. Não há um mesmo corpo aparecendo corporalmente em dois lugares. Há, de um lado, a presença corpórea e, do outro, a atuação espiritual.

Mais raramente pode se dar o contrário. Deus, por sutileza, transporta o corpo real para um lugar e deixa no ponto de origem um símile, uma aparência de corpo. Isso pode ocorrer, por exemplo, em casos de monges de clausura, para não criar uma confusão na comunidade. 

Nota sobre o ceticismo e a credulidade

Essa é a explicação teológica que julgo mais sensata com base nos relatos mais recentes, especialmente os do Padre Pio. E, quanto a isso, vale gastar algumas palavras.

O Padre Pio, para mim, biograficamente falando, foi um marco muito grande. Porque no seminário fui treinado para o ceticismo, inclusive com o viés dos parapsicólogos. Na época, lia os livros e fui a palestras do Padre Quevedo, que sempre se esforçava por demonstrar que não havia nada de sobrenatural nesses fenômenos supostamente místicos. O Padre Pio causou em mim uma mudança muito grande. Porque seus milagres enormes, ocorridos no nosso tempo, no século XX, foram amplamente documentados, estudados, devassados por médicos e cientistas de boa e de má vontade. Podia se dizer que os milagres medievais eram conversa fiada, lendas urbanas criadas pela fabulosa crendice popular. E realmente é difícil, nesses casos, separar o real do lendário. A documentação ou é muito antiga e insuficiente ou simplesmente não existe [11]. 

É importante levarmos isso em consideração. Quando falamos de santos e de santidade, não podemos cair nem no ceticismo, nem numa credulidade excessiva. Nem tudo é mentira, mistificação e irracionalismo; assim como nem tudo é verdade patente a que devemos nos apegar sem nenhuma contestação. Na história da Igreja, infelizmente, existem esses fenômenos de entusiasmos. As pessoas ficam empolgadas com um grande santo e começam, num marketing inocente, a aumentar a história. Daí que, de aumento em aumento, a narrativa final sai muito diferente do fato, como num telefone sem fio. 

Por isso, recomendo imensamente que assista ao curso do Padre Pio. Ali há a chance de conhecer um santo dos nossos tempos, com milagres portentosos realizados outro dia. E tudo documentado, às claras, fora daquela névoa fantástica que muitas vezes paira sobre as narrativas medievais.

Com a palavra, os naturalistas

Voltando à análise do fenômeno da bilocação, vejamos as três hipóteses levantadas por Royo Marín para tentar explicá-lo: a intervenção divina, a intervenção do demônio e o distúrbio parapsicológico. A primeira é simples: há uma pessoa santa, para quem Deus incumbe uma missão especial. Para tanto, Ele mesmo permite que ela aja sem as limitações do espaço. A segunda é uma paródia da primeira: se Deus pode promover esse fenômeno aos seus santos, o demônio pode fazer o mesmo com seus escravos, os feiticeiros e os sacerdotes satanistas. 

No caso do Padre Pio, fica evidente, pelas virtudes do homem, que a segunda opção é impossível. Porém, Royo Marín também cataloga a explicação naturalista, que é a terceira. Digo que meramente cataloga porque ele pessoalmente não via possibilidade de uma explicação natural. Listou-a porque, pelo que lhe constava, ela existia. E de fato existe. 

Suponha que Joãozinho é o meu dirigido espiritual. Estando Joãozinho a quilômetros de distância, eu, por psi-gamma, uma capacidade de conhecimento à distância, posso, como que por telepatia, travar comunicação com ele. Como me conhece, ele acaba sendo inconscientemente influenciado e produz a minha imagem, que pode ser mais ou menos física. Em suma, essa é a explicação parapsicológica. 

Que isso exista natural ou parapsicologicamente, não discuto; pois não sou parapsicólogo. Mas o fato é um só: isso não se aplica aos casos dos santos como o Padre Pio. O capuchinho, como vimos, aparecia a pessoas que sequer o conheciam. Ora, seria por si só um grande milagre ele fazer uma pessoa que jamais o tenha visto na vida produzir, mentalmente, a sua imagem — com voz, movimento e sopapos. 

Tomemos o caso — também narrado no curso — do general Luigi Cadorna. O militar havia amargado uma humilhante derrota em Caporetto, durante a Primeira Guerra Mundial. Diante daquela desonra, com tantos italianos mortos, ele cogitou o suicídio. Pegou a pistola e ia se matar. De repente, apareceu-lhe um frade e, no último minuto, o dissuadiu. 

Ora, esse general não sabia minimamente da existência de um Padre Pio e menos ainda o santo sabia do militar. O frade, no sul da Itália, há tantos e tantos quilômetros; o general, lá no norte, na fronteira com a Áustria. 

Concedendo que exista a tal telepatia, fica a pergunta: como esse general, no seu inconsciente, iria produzir a imagem daquele frade redondamente desconhecido? Lembremos que, em 1917, ano do ocorrido, o Padre Pio não tinha os estigmas visíveis e não era conhecido por ninguém. Era um monge dum convento escondido nas montanhas do empobrecido sul da Itália. Não é minimamente possível que o general tivesse recebido notícias de um frade que, nesta época, prestava serviço militar no hospital de Nápoles entre um e outro acesso de febre. 

Ou seja, se existe bilocação natural, explicada por fenômenos paranormais, ela não explica tudo. É o mesmo, aliás, que ocorre com a tentativa de explicação dos estigmas do Padre Pio por via parapsicológica. Essa é a grande dificuldade dos cientificistas. Depois de encontrar uma suposta explicação científica para um dado fenômeno, passam, numa forçação de barra, a explicar, da mesma maneira, fenômenos meramente análogos. O que eles não enxergam é que a suposta descoberta, fora do caso concreto, vira abstração, e que essa abstração não se aplica necessariamente a outros casos concretos. Explicar um santo com as mesmas categorias que se explica um desvairado ou um charlatão é, por si mesmo, um desvario ou uma charlatanice.

Além das explicações parapsicológicas, naturalistas, há também as explicações dos espíritas. Eles falam de ectoplasma, corpos fluidos que aparecem em outro lugar e coisas desse viés. O Cardeal Lepicier, no livro “O Mundo Invisível” [12], faz uma analogia entre a bilocação dos santos e a hipótese da personalidade subconsciente e subliminar, alegada pelos espíritas.

No entanto, quando se estuda as explicações espíritas sobre a bilocação e fenômenos análogos, o primeiro obstáculo é a falta de comprovação histórica, documental. O Padre Quevedo, por exemplo, no livro “As Forças Físicas da Mente”, ataca abertamente um famoso teórico espírita, o Bozzano, dizendo que o homem compulsivamente forjava dados para dar subsídio e credibilidade a uma pseudociência. 

Essa, aliás, é uma tentação em que nós, católicos, não podemos cair, como nesse caso da suposta bilocação do Padre Pio na beatificação da Santa Teresinha. Seria muito bom se tivesse acontecido o encontro do Padre Pio com o Dom Orione, ali na Basílica de São Pedro. A história é muito bonita, mas, ao que tudo indica, é falsa. E, por mais que tenhamos algum apego sentimental a ela, devemos abandoná-la como uma falsidade. É preciso lembrar que a mentira sempre é pecado, mesmo que nos pareça muito piedosa.

Seja como for, há nas teorias espíritas essa falta de comprovação. Como no caso das tais viagens astrais, que é para eles a bilocação. Nos vários casos relatados, é muito difícil saber se houve mesmo um passeio pelo mundo da lua ou se tudo não passou de mera fantasia. Na prática, o que se vê são apenas esses estímulos para abrir a mente, para permitir-se certas experiências; coisa que pode parecer inofensiva, mas mexe com uma área perigosa, já que a fantasia é muitas vezes alvo da ação demoníaca.

Como vimos no caso dos santos, a bilocação é uma obediência. A pessoa não força essas viagens; é Deus quem as envia, para cumprir um desígnio. Não há que se “aceitar o convite de fazer essa experiência”. Isso seria brincar com fogo.

Acontece que toda a antropologia por detrás do espiritismo é falsa, pois trata o corpo humano como se não fosse parte do que essencialmente nós somos. Somos, indissociavelmente, corpo e alma. O espírita, porém, trata o corpo humano como uma carapaça descartável. Daí que a alma, leve e esvoaçante, saia daqui e vá ali. É uma visão muito distorcida do ser humano. 

Conclusão

Ficou claro que a bilocação é um fenômeno bastante complexo. Há várias formas de explicá-lo e nós, vendo essa variedade, devemos dar glória a Deus. O amor de Deus não tem limites. Tudo ele faz para o nosso bem. Para o nosso bem, chega mesmo a revogar os limites do espaço e permite que seus santos, estando num lugar, ajam concretamente num outro, aconselhando, confortando, corrigindo, evitando mortes. Tantas são as maravilhas de Deus! O santo biloca, mas é Deus a presença criadora, salvífica e amorosa em todos os lugares. 

Diante desses mistérios, perguntemos como salmista: “Para onde irei? Para onde fugirei?” Para Deus não tem lugar. O seu amor não tem limites.

Referências

  • Padre Agostino da San Marco in Lamis, Diario. 3. ed. San Giovanni Rotondo: Edizioni Padre Pio da Pietrelcina, 2012.
  • Francesco Castelli, Padre Pio sob investigação: a “autobiografia” secreta. Trad. de Paulinas (Lisboa). 3. ed. Lisboa: Paulinas, 2012.
  • Alexis Lépicier, O Mundo Invisível . São Paulo: Molokai, 2019.
  • Leonardo Penitente, Bilocação: sua possibilidade, natureza, conceito e os casos reais rigorosamente documentados. Campinas: Ecclesiae, 2019.
  • Antonio Royo Marín, Teología de la perfección Cristiana. BAC: Madri, 1954.
  • Solignac, A., “Multilocation”, in: AA.VV., Dictionnaire de Spiritualité. vol. 10, coll. 1837–1840. Paris: Beauchesne, 1980.

Recomendações

Notas

  1. O documento consta num site de postuladores da causa de beatificação de Dom Orione.
  2. Na ocasião, teriam lhe apresentado um livro do jornalista Alberto Del Fante, que, de ateu, tornou-se devoto e grande propagador da devoção ao Padre Pio. 
  3. Francesco Castelli, Padre Pio sob investigação: a “autobiografia” secreta. Trad. de Paulinas (Lisboa). 3. ed. Lisboa: Paulinas, 2012.
  4. Frade carmelita descalço que na época era bispo e depois foi feito Cardeal.
  5. Francesco Castelli, Padre Pio sob investigação: a “autobiografia” secreta. Trad. de Paulinas (Lisboa). 3. ed. Lisboa: Paulinas, 2012, p. 264.
  6. Ibidem, p. 264.
  7. Ibidem, p. 264-265.
  8. Padre Agostino da San Marco in Lamis, Diario. 3. ed. San Giovanni Rotondo: Edizioni Padre Pio da Pietrelcina, 2012, p. 94.
  9. Sugestões bibliográficas: para uma tratativa, digamos assim, profunda e resumida, leia-se o livro Teología de la Perfección Cristiana, do Royo Marín, a partir da página 846. Agora, para uma pesquisa maior e com resultados bem interessantes, recomendo o livro: “Bilocação: sua possibilidade, natureza, conceito e os casos reais rigorosamente documentados”, de Leonardo Penitente, publicado pela Ecclesiae.
  10. Leonardo Penitente, Bilocação: sua possibilidade, natureza, conceito e os casos reais rigorosamente documentados. Campinas: Ecclesiae, 2019.
  11. Por exemplo, o famoso “Dictionnaire de Spiritualité”, no tomo 10, traz, a partir da coluna 1873, um artigo de E. M. Solignac sobre a multilocação. Ali, o autor trata esse problema das fontes históricas e vai demonstrando que vários milagres atribuídos a este ou aquele santo pareciam não ser verdadeiros.
  12. Alexis Lépicier, O Mundo Invisível . São Paulo: Molokai, 2019, p. 106.

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