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O Senhor dos Anéis

A luta contra o Mal, o peso do fardo carregado por um inocente para a salvação do mundo, o valor do amor e da amizade, a união em torno de um objetivo comum, todos esses valores cristãos são retratados de maneira fantástica na trilogia "O Senhor dos Anéis", do grande escritor católico J.R.R. Tolkien.

Texto do episódio
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No Brasil, as pessoas conhecem mais "O Senhor dos Anéis" pelos filmes dirigidos por Peter Jackson, mas a saga que saiu da pena de J. R. R. Tolkien é algo muito maior que isso. Reflete, em meio às aventuras de elfos, hobbits e outros seres fantásticos, a alma de um verdadeiro católico.

Sir John Ronald Reuel Tolkien nasceu em 1892, na cidade de Bloemfontein, no território da atual África do Sul, e já muito cedo se mudou para a Inglaterra, terra natal de seus pais. O seu pai, Arthur Tolkien, morreu em 1896, deixando mulher e filhos em uma difícil situação financeira. Quando Mabel Suffield, sua mãe, passou da religião anglicana ao catolicismo, sua família negou-lhe ajuda e ela passou o martírio de cuidar sozinha de seus filhos, para que não caíssem nas mãos de seus familiares. Por causa do excesso de trabalho e do diabetes – na época, sem tratamento –, ela veio a falecer. No seu testamento, porém, estabelecia como tutor das crianças um padre jesuíta, garantindo a elas uma educação católica. Foi de tal sorte valiosa a educação que recebeu que, de seu casamento com Edith Bratt, em 1913, advieram-lhes quatro filhos, dentre os quais um tornou-se sacerdote.

Muito embora Tolkien não tenha abordado em sua obra, de modo explícito, a questão da fé – com "O Senhor dos Anéis", ele queria simplesmente experimentar sua capacidade de aventurar-se por uma narrativa longa e que pudesse entreter os leitores –, toda ela traz, dentro de si mesma, vários valores religiosos e católicos.

Sob a perspectiva das quatro causas de Aristóteles, é possível identificar a catolicidade do livro de Tolkien na causa formal: a forma mentis, a mentalidade que inspira toda a saga é, sem sombra de dúvida, moldada pela doutrina católica. O próprio autor reconhece que a história se passa dentro de um ethos católico.

Ele nega, porém, que "O Senhor dos Anéis" se trate de uma alegoria, algo característico das obras de outro escritor cristão, o anglicano C. S. Lewis. Tolkien e Lewis eram amigos e uma das controvérsias que marcaram seus encontros esteve relacionada justamente à forma de escrever seus textos: aquele dizia não gostar de alegorias, pois considerava uma espécie de violência do autor contra o leitor; este, ao contrário, produzia-as aos montes, como é notável em seu célebre "As Crônicas de Nárnia". Por exemplo: quem entra em contato com esta obra mas não percebe, desde o início, que Aslam é Jesus Cristo, não consegue compreender o que se passa na história. A obra de Tolkien, neste sentido, é muito mais rica: substitui a construção alegórica por uma representação bem mais maleável. Por exemplo, os três protagonistas da obra, Frodo, Gandalf e Aragorn, são uma imagem do Cristo que ressuscita: Frodo chega perto da morte na Montanha da Perdição e, lá, derruba o anel; Gandalf morre enfrentando Balrog, mas ressuscita como Mago Branco; Aragorn, então rejeitado como um simples andarilho (ranger), torna-se o rei que retorna. Ao mesmo tempo, as três personagens representam as dimensões sacerdotal, profética e régia de Cristo: Frodo é Cristo-sacerdote, que se oferece em sacrifício para vencer o mal; Gandalf é Cristo-profeta, que com suas sabedorias e conselhos conduz aqueles que batalham contra o mal; e Aragorn é Cristo-rei, que, primeiro, era desprezado pelos seus, mas, depois, volta para reinar.

"O Senhor dos Anéis" deve ser um livro de cabeceira, com o qual devemos gastar o tempo, quando estivermos dispostos ao lazer. O próprio Doutor Angélico reconhece a necessidade que o homem tem de descansar a sua alma com momentos lúdicos e recreativos:

"Essas palavras e ações nas quais não se busca senão o prazer da alma chamam-se divertimentos ou recreações. Lançar mão delas, de quando em quando, é uma necessidade para o descanso da alma. E é o que diz o Filósofo, quando afirma que 'em nosso dia-a-dia, é com os jogos que gozamos de algum repouso'. Por isso, é preciso praticá-los, de vez em quando."[1]

Cultivar uma literatura como esta é importante e não só para fins recreativos, como para a melhor compreensão da própria fé cristã. Mais importante do que o que você fará com "O Senhor dos Anéis" é o que "O Senhor dos Anéis" fará com você. A temática do livro, embora não seja diretamente a questão religiosa, conduz-nos de alguma forma a esta luta contra o mal, na qual Deus está implicitamente presente. Ainda que em momento algum Tolkien fale de Deus, a personagem principal de toda a história é Ele. A obra trata de um mundo fictício, pré-cristão, no qual estamos de alguma forma sendo preparados para Cristo – da mesma forma que o Antigo Testamento preparou nossa vontade, a filosofia grega preparou nossa inteligência e os mitos prepararam as nossas paixões para a vinda do Salvador.

Um dos grandes problemas da pedagogia moderna é que as histórias que antes eram narradas com toda a tranquilidade para nossas crianças têm desaparecido. Elas foram substituídas por fábulas ideológicas, que lhes querem transmitir outros valores. Para evangelizar uma pessoa, é necessário recuperar essas histórias fantásticas que têm sido abandonadas por certos "educadores" contemporâneos; é importante que sejam introduzidas nela as categorias cristãs - como numa casa é preciso que haja primeiro os cômodos, para depois ser colocada a mobília. A fantasia é importante para criar espaços e preparar o terreno para Jesus.

De que modo, então, Deus é o protagonista de "O Senhor dos Anéis"? O tema principal de toda a saga é a destruição de um anel. O anel da invisibilidade é a potência terrível do pecado original, a tentação do ser humano de colocar-se no lugar de Deus. Existem duas formas de agir dentro da história: há aquelas pessoas que, em contato com a realidade, deixam transformar a sua alma pela verdade e existem aquelas que preferem transformar a verdade, manipulá-la e pervertê-la. Os elfos têm aquele primeiro tipo de ação, benigna; eles são artistas, são co-criadores, eles criam, mas junto com Deus: fazem poesia, cantam e essas coisas são capazes de mudar os corações. Do outro lado, há os orcs, que querem perverter o mundo real – e representam, de certo modo, a "mentalidade revolucionária".

Durante a narrativa, Tolkien abre uma janela para mostrar que a história é apenas uma preparação para o Evangelho que virá. No primeiro livro – A Sociedade do Anel –, Gandalf diz a Frodo:

"Por trás disso havia algo mais em ação, além de qualquer desígnio de quem fez o Anel. Não posso dizer de modo mais direto: Bilbo estava designado a encontrar o Anel, e não por quem o fez. Nesse caso você também estava designado a possuí-lo. E este pode ser um pensamento encorajador"[2].

Percebe-se na fala do Mago Branco a existência de um "desígnio", de uma providência que age por detrás da história.

Outro exemplo de transcendência, de abertura ao divino, está em O Retorno do Rei. Quando Frodo e Sam estão já perto da Montanha da Perdição, em uma região que "parecia cheia de estalos, rangidos e ruídos dissimulados" e onde "o céu noturno estava pálido e baço", Sam avista uma estrela:

"Lá, espiando por entre os restos de nuvens sobre uma rocha pontiaguda nas montanhas, Sam viu uma estrela branca reluzir por uns momentos. Sua beleza arrebatou-lhe o coração, quando desviou os olhos da terra desolada, e ele sentiu a esperança retornar. Pois como um raio, cristalino e frio, invadiu-o o pensamento de que afinal de contas a Sombra era apenas uma coisa pequena e passageira: havia luz e uma beleza nobre que eram eternas e estavam além do alcance dela."[3]

Quando o ser humano se depara com muitas notícias ruins, com uma realidade às vezes pouco entusiasmante, com uma autêntica "Sombra", devolve-lhe esperança o fato de que, para além de toda a maldade e violência deste mundo, para além de toda a transitoriedade das realidades terrenas, há "luz e uma beleza nobre (...) eternas".

Aqui se introduz o que Tolkien chama de eucatástrofe: quando o pior está acontecendo, quando a situação está ruim, quando tudo parece desesperador, acontece o contrário da catástrofe – uma "boa catástrofe". Por que as coisas são assim em "O Senhor dos Anéis"? Porque foi precisamente isto o que aconteceu 2000 anos atrás, com a ressurreição de Cristo. A partir da leitura de todas as lendas e mitos antigos, é possível perceber esta linha de continuidade: há um ambiente bom, perturbado por uma maldade, e que, depois, é redimido de alguma forma. No Evangelho, isto que estava presente apenas nos mitos fez-se carne, fez-se história. Aquilo que todos os mitos previam e que o esforço racional humano apenas alcançava imperfeitamente aconteceu de modo pleno em Cristo.

"O Senhor dos Anéis" tem essa capacidade extraordinária de conduzir-nos ao abismo para tirar-nos de lá. É a razão presente não só na literatura, mas também na música – nas composições de Mozart, por exemplo – e em outras modalidades artísticas. Todas elas, transparecendo a Beleza, conduzem ao cume da redenção, que se realizou na história: a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Referências

  1. Suma Teológica, II-II, q. 168, a. 2
  2. J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel, capítulo 2.Edição em PDF
  3. J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, capítulo 2.Edição em PD

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