No dia 10 de julho, a Igreja celebra a memória de Santa Verônica Giuliani, uma religiosa capuchinha que recebeu os estigmas de Nosso Senhor e cujo testemunho serviu de inspiração para São Pio de Pietrelcina buscar a santidade. Seu legado é tamanho que possivelmente um dia ela será proclamada “Doutora da Igreja”, sobretudo “Doutora do mistério da expiação”, uma vez que sua vida não foi outra coisa senão um modelo de como devemos nos unir à Paixão de Cristo [1].
Nas mais de 22 mil páginas de seu diário espiritual, escrito a pedido de Deus e da Virgem Santíssima, ela ensina como Jesus, tendo morrido na Cruz para nos salvar, quer que participemos dessa salvação por meio de nossos sofrimentos. Sabendo da grandiosidade desse texto, o próprio diabo vinha atormentá-la, a fim de que ela vacilasse e deixasse o assunto de lado.
Não deixa de ser curioso, portanto, o fato de que, mesmo possuindo um grande legado espiritual, Verônica ainda seja uma ilustre desconhecida para a maior parte das pessoas. Porém, os santos têm missões na Igreja que não necessariamente se iniciam em sua época. Então, apesar de ter nascido em 1660 e falecido em 1727, Santa Verônica certamente é uma grande mestra para os nossos tempos, pois ela nos ensina como o sofrimento pode ser transformado em amor.
Uma eleita de Deus
Santa Verônica nasceu no pequeno município de Mercatello, na Itália, em 27 de dezembro de 1660. Seu nome de batismo era Úrsula Giuliani. Desde muito pequena, já lhe aconteciam fenômenos extraordinários como manifestações da sua eleição, embora ainda não possuísse virtudes humanas elogiáveis e muito menos virtudes teologais que indicassem sua santidade.
Nesse sentido, é interessante observar que, a partir de 14 de agosto de 1720, enquanto ela escrevia o próprio diário, Nossa Senhora apareceu-lhe e começou a ditar coisas de sua infância das quais ela não se recordava. Santa Verônica anotava tudo exatamente como Nossa Senhora ditava, de modo que essas partes estão narradas na segunda pessoa do singular e, inclusive, aparecem por extenso as orientações de pontuação feitas pela Virgem.
Entre os diversos fatos de sua infância, a Virgem Santíssima recordou-lhe que, com um ano e meio de vida, a pequena Úrsula foi ao mercado com sua mãe e viu um comerciante trapaceando na venda de azeite e, então, com autoridade divina, ela lhe disse: “Não trapaceie na venda, pois Deus vê tudo”.
Posteriormente, com três anos, ao ouvir sua mãe e suas irmãs falarem sobre a vida dos mártires, ela passou a desejar o martírio também. Algo semelhante ocorreu quando Santa Verônica soube da vida de Santa Rosa de Lima, que se flagelava em segredo. Para imitar Santa Rosa, ela então fez pequenos nós em seu avental com a intenção de se flagelar, mas sua mãe acabou descobrindo e frustrou seus planos.
Por outro lado, há acontecimentos da infância de Santa Verônica que mostram um uso da razão muito imperfeito, como, por exemplo, quando sua família preparou vários bolos para servir às visitas, e a pequena Úrsula julgou que aquelas pessoas ricas não precisavam daquelas guloseimas, mas sim os pobres; ela, então, amassou todos os bolos, para que não fossem servidos, mas sim doados aos pobres.
Ela também fazia atos de piedade e tinha o costume de fazer pequenos altares para Nossa Senhora, e quando suas irmãs não queriam ajudá-la, fazia coisas absurdas como empurrá-las da escada, mostrando assim sua natureza colérica.
Apesar dessas peripécias, a pequena Úrsula também tinha experiências sobrenaturais. Numa ocasião em que ela colhia flores no jardim para preparar o altar de Nossa Senhora, o menino Jesus apareceu a ela, disse-lhe: “Eu sou a tua flor” e saiu correndo. Ela correu atrás dele e quando chegou no quadro de Nossa Senhora — diante do qual ela fazia os altares — encontrou o menino Jesus, nos braços da Virgem, e começou a exigir de Maria que lhe desse o menino. De tanto insistir, Nossa Senhora desceu o menino e o colocou nos seus braços.
Outro fato sobrenatural é que, quando seus familiares voltavam da Missa, ela sentia um odor divino que exalava daqueles que comungavam. A pequena Úrsula imaginava que aquilo era algo normal, que todos eram capazes de sentir. Além disso, quando ela ia à Missa, enxergava o menino Jesus dentro da hóstia consagrada. E, quando recebeu a primeira Eucaristia, com dez anos de idade, sentiu um fogo abrasador em seu coração. Achando que aquilo era experimentado por todos, perguntou ingenuamente aos seus familiares: “Quanto tempo dura esse fogo depois que comungamos?”
Uma santa configurada ao Cristo Crucificado
Podemos dizer que Santa Verônica começou a despontar para a santidade e ser provada nas virtudes a partir da adolescência, quando se iniciaram as distrações mundanas que o pai lhe sugeria, com a intenção de dissuadi-la do sonho de ser religiosa. Em seu diário, ela conta que o pai a levava para pequenas recreações e isso lhe diminuía o fervor. Seu pai fez de tudo para ela não ser religiosa, de modo que ela adoeceu fortemente e só melhorava quando alguém lhe falava sobre a vida religiosa. Por causa disso, seu pai não teve outra alternativa, senão ceder ao desejo da filha, permitindo que ela seguisse a própria vocação.
Com 16 anos, Santa Verônica foi visitar suas irmãs que eram religiosas no mosteiro das Clarissas em Mercatello. Por essa ocasião, uma de suas irmãs tentou convencê-la a não ser religiosa, o que provocou uma resposta contundente de Verônica: “Muito me admira a Senhora, que é religiosa, não seguir o exemplo de Santa Clara de incentivar as vocações e ainda me dizer para buscar distrações mundanas”.
Devido a esse episódio, ela resolveu buscar um convento em que houvesse uma regra mais penitente. Assim, com 17 anos, ingressou no convento das monjas Capuchinhas de Città di Castello, onde foi recebida com o nome de Verônica. No início da vida religiosa, ela sentiu grande angústia por estar no convento, apesar de ter certeza de sua vocação. Sua alma estava em paz e convicta, mas seu corpo estava inquieto e se sentia oprimido pelas paredes do mosteiro. Com isso, ela começou a perceber o antagonismo que muitas vezes existe entre as aspirações da alma e as paixões do corpo.
Além disso, o demônio também começou a tentá-la e apareceu na sua cela, como se fosse a mestra de noviças, dizendo que não era para se confessar mais com seu diretor espiritual, pois já havia boatos de que eles tinham um caso e aquilo seria um grande escândalo para a congregação. Tempos depois, ela descobriu que aquelas não eram ordens da mestra, mas tentações do demônio.
Uma das grandes marcas da vida de Santa Verônica foi sua configuração a Cristo, na sua Paixão, sofrendo com Ele pela conversão dos pecadores. Tanto que no leito de morte, ela chamou suas irmãs de mosteiro e lhes disse: “O amor se fez encontrar, digam isso a todas as religiosas. Esta é a causa do meu sofrimento” [2].
Esses sofrimentos a que ela se referia não eram apenas dores naturais resultantes de algum problema de saúde, mas fenômenos sobrenaturais e extraordinários que lhe proporcionaram a dolorosa oportunidade de se unir a Cristo. Entre esses acontecimentos, está o fato de que, com 21 anos, ela recebeu em sua cabeça uma coroa de espinhos, experimentando imensurável dor, que permaneceu até sua morte. Além das mortificações que fazia para se oferecer em sacrifício pela conversão dos pecadores, Nosso Senhor concedeu-lhe a experiência extraordinária da transverberação do coração, bem como a realidade dos estigmas. Por fim, seus últimos 33 dias de vida foram marcados por intenso sofrimento no leito de morte.
Vemos, portanto, que Santa Verônica Giuliani foi tão agraciada com fenômenos extraordinários que, embora isso não seja algo imitável, porque se trata de pura obra da graça de Deus, deve, contudo, ser conhecido, a fim de que busquemos o principal do ensinamento dela, que é a união por amor aos sofrimentos de Jesus.
Aqueles que têm dificuldade de entender esses sofrimentos de Santa Verônica possuem, na verdade, uma dificuldade de compreender o Cristo Crucificado. O próprio São Paulo, na Carta aos Colossenses, já destacava a necessidade de nos unirmos a Nosso Senhor em sua Paixão: “Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo” (1, 24). Todo o sofrimento na vida de Verônica estava vinculado à realidade da esposa que se configura ao Divino Esposo, Jesus Cristo. Nesse sentido, ela assume o papel da Igreja enquanto esposa.
Uma das realidades sobrenaturais que mais lhe trouxe sofrimentos — em todos os âmbitos — foram os estigmas, que ela recebeu em 5 de abril de 1697, aos 37 anos. Depois de passar por um intenso momento de contrição e purgação, Verônica teve a visão de Jesus Crucificado, com Nossa Senhora das Dores aos pés da Cruz. Nessa visão, a Virgem Maria pediu ao seu filho que ela fosse agraciada com os estigmas. Jesus lhos concedeu por meio de cinco raios de luz que saíram da Cruz, quatro em forma de cravos e um de lança. A partir de então, ela passou a ter os estigmas não só de forma invisível, como queria, mas também de forma visível, pois Nosso Senhor desejava o testemunho público de configuração a Ele.
Tal graça, no entanto, trouxe também o sofrimento eclesial, uma vez que as próprias religiosas Clarissas denunciaram-na ao Santo Ofício. Ela, que era mestra de noviças, teve de renunciar ao cargo, e o Santo Ofício ordenou que o bispo investigasse o ocorrido. Durante esse período, ela ficou trancafiada numa cela escura e sem janelas por muitos dias, sem poder receber a Eucaristia nem rezar no coro da igreja. Não obstante, ela vivenciou esses sofrimentos com muita tranquilidade, visto que, numa visão anterior, Jesus já lhe tinha revelado que ela haveria de sofrer, e pediu que renovasse seus votos religiosos aos pés dele.
Assim, mesmo sendo investigada pelo Santo Ofício, ela viveu em firme obediência [3]. Depois de muitas investigações, interrogatórios e análise de médicos — que buscaram curar, sem sucesso, suas feridas —, o Santo Ofício reconheceu a veracidade de seus estigmas e ela foi reabilitada no cargo de mestra de noviças.
Durante esse período, ocorreu-lhe também o fenômeno da união de corações, de tal forma que o coração dela e o de Maria tornaram-se um só. Então, ela notou logo que, na verdade, o coração de Maria era o coração de Jesus, pois Maria se configurou em tudo ao seu Filho. Deste modo, os corações de Jesus, de Maria e de Verônica eram três num só.
Nos últimos 10 anos de sua vida, ela desempenhou o cargo de abadessa do mosteiro. Mesmo sendo uma mística, ela tinha um senso prático muito aguçado e desenvolveu um trabalho extraordinário, expandindo os prédios do mosteiro e instalando neles água encanada. O próprio bispo aconselhava-se com a abadessa Verônica acerca do governo da diocese e reconhecia que ela seria capaz de governar um império.
Santa Verônica Giuliani como mestra espiritual
Considerando que sempre orientamos nossos alunos a não dar muita importância a fenômenos extraordinários — por não serem parâmetro para uma vida de santidade —, pode parecer que estejamos nos contradizendo ao fazer esta aula ao vivo sobre uma santa cuja vida foi marcada por tantos acontecimentos dessa ordem. No entanto, precisamos compreender a relevância espiritual de Santa Verônica Giuliani, contextualizando o sentido dos milagres e feitos extraordinários em sua vida.
Basicamente, existem dois tipos de milagres: i) aqueles que visam fortalecer a fé das pessoas; ii) e aqueles que mostram que o sobrenatural de Deus é verdadeiro e que Ele quer transformar as almas. É nesse segundo grupo que se enquadram as manifestações sobrenaturais na vida de Santa Verônica Giuliani, ou seja, elas tinham o propósito de mostrar, desde cedo, o quanto Deus queria transformar a alma daquela pequena menina.
Vendo essas manifestações fantásticas e sobrenaturais do quanto Deus quis e fez para transformar a alma de Santa Verônica, podemos compreender que isso — que nela foi visível e palpável — acontece também nos outros santos, embora, muitas vezes, seja de forma invisível.
A união do coração de Santa Verônica aos Corações de Jesus e Maria é uma verdade espiritual para nós também: precisamos colaborar com a graça de Deus para transformar o nosso coração miserável, unindo nossos sofrimentos ao sofrimento de Cristo na Cruz. E a forma mais eficaz de unirmo-nos a Cristo é através da Virgem Santíssima, consagrando-nos a Cristo por meio de Maria. Nesse sentido, Santa Verônica é um exemplo luminoso de consagração a Nossa Senhora, pois tudo ela entregava a Maria, e por isso viveu um grande amor a Jesus, pelas mãos de Maria.
Que Santa Verônica Giuliani, mestra espiritual do Padre Pio, seja também nossa mestra, ensinando-nos a amar a Cristo em todas as circunstâncias. Não procuremos, pois, os fenômenos extraordinários, mas busquemos viver o amor extraordinário, de tal modo que, unidos ao Amado, aconteçam, invisivelmente, prodígios portentosos em nossos corações.
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