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Maternidade

Maternidade e paternidade, cada um conforme seus traços peculiares, são um dom recíproco pelo qual homem e mulher não apenas participam da obra criadora de Deus, mas também refletem o amor com que Ele mesmo, no mistério da geração eterna das Pessoas Divinas, Se ama em Sua intimidade.

Texto do episódio
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I. Introdução

Dando continuidade ao nosso estudo da Carta Apostólica "Mulieris Dignitatem", do Bem-aventurado Papa João Paulo II, dedicaremos a aula de hoje ao tema da maternidade, vocação básica e caminho de realização por excelência da personalidade feminina. Falaremos no próximo encontro a respeito da virgindade e, tendo diante dos olhos o conjunto destas duas aulas ao vivo, poderemos vislumbrar sob melhores luzes como a Toda Pura e Imaculada Maria, plenamente Mãe e perpetuamente Virgem, constitui para as mulheres de todos os tempos e condições o modelo perfeito de entrega, doação e valorização quer do ser mulher, quer da nossa condição de servos e servas de Deus, pois a Santíssima Mãe de Nosso Senhor nos ajuda a compreender que o matrimônio e a virgindade, duas dimensões da vocação da mulher, enquanto pessoa, não se limitam, mas antes se desdobram e completam mutuamente [1].

II. O dom de ser mãe

Maternidade e paternidade, cada um conforme seus traços peculiares, são um dom recíproco pelo qual homem e mulher não apenas participam da obra criadora de Deus, mas também refletem o amor com que Ele mesmo, no mistério da geração eterna das Pessoas Divinas, Se ama em Sua intimidade [2]. Este amor de entrega que só o matrimônio pode garantir e resguardar cristaliza-se já na estrutura corporal mesma que diferencia ambos os sexos e lhes atribui um sentido eminentemente esponsal [3] e ordenado à formação da família: "a imagem típica da mulher", pela qual se distingue do homem e o atrai, "corresponde biologicamente ao que tem de possível mãe" [4]: seus seios e quadris sinalizam, assim, uma potencial maternidade e conferem à mãe tudo de que precisará para dar seu filho à luz e suprir-lhe as primeiras necessidades. A constituição sexual masculina, por sua vez, se apresenta como algo orientado para a paternidade e como "veículo para transmitir o seu amor à mulher". Aqui reside, mais do que sob qualquer outro aspecto, o papel claramente ativo que o homem desempenha na relação sexual: o seu sexo "está feito para expressar a ternura do amor" [5] e do carinho devida à mulher que se lhe confia e entrega no leito conjugal.

Este amor encontra sua expressão corporal também na mútua dependência física que a natureza exige para o ato de conceber uma criança; é para a mulher, contudo, que esta capacidade de gerar novas vidas tem especial significado e ressonância. De fato, a maternidade constitui uma parte importante, senão a mais comprometedora e delicada, no ato de ter um filho, porque o ser pais, ainda que diga respeito tanto ao homem quanto à mulher, realiza-se mais visível e radicalmente nesta, sobretudo no período precedente ao parto. É sobre a mãe, com efeito, "que recai diretamente o «peso» deste comum gerar, que absorve literalmente as energias do seu corpo e da sua alma." [6].

A realização desta natural disponibilidade que tem o organismo feminino para a gestação de uma criança, além das repercussões físicas que acarreta, introduz a futura mãe num processo complexo e irredutível a fatores meramente materiais. Ele comporta, pois, uma dimensão mais profunda, que afeta a interioridade psíquica da gestante e assinala, no curso normal das coisas, sua maturidade seja física, seja moral: "a mulher, carregando em si o filho, é fisiologicamente condicionada à maternidade" [7] e espiritualmente disposta ao dom de si que, tendo início já na união com o esposo, se transfigura na entrega e dedicação ao fruto do amor matrimonial. O ser mãe, nesse sentido, implica "uma comunhão especial com o mistério da vida que amadurece no seio da mulher" [8] e escapa por completo ao homem, "o qual sempre se sente «fora» do processo da gravidez e do nascimento." [9] Com efeito, se a gestante, por um lado, vai desde já admirando este mistério e, com intuição singular, compreendendo "o que se vai formando dentro de si", o pai, por outro, vê-se obrigado a cultivar sua paternidade com diferente empenho; ele deve, de certa maneira, aprender da mãe e com a mãe a sua própria paternidade [10]. Pode-se dizer que isto

[...] faz parte do dinamismo humano normal do ser genitores, também quando se trata das etapas sucessivas ao nascimento da criança, especialmente no primeiro período. A educação do filho, globalmente entendida, deveria conter em si a dúplice contribuição dos pais: a contribuição materna e paterna. Todavia, a materna é decisiva para as bases de uma nova personalidade humana [11].

III. Maternidade e carreira

No entanto, sob a pressão multifária de correntes feministas, essa essencial presença da mãe tem cedido o passo cada vez mais à inserção das mulheres no mercado de trabalho e à sobrevalorização da carreira e do sucesso. De um modo geral, existe uma certa tendência, hoje bastante arraigada, a desmerecer a vida do lar. Nas últimas décadas, aliás, os media tiveram um peso importante ao propagar a impressão de que a uma mulher letrada e inteligente, arrojada e progressista, não convém ficar em casa vendo a vida passar. O desligamento progressivo das mulheres de seus lares, filhos e maridos, na verdade, viria acrescentar-se aos fatores responsáveis por gerações e gerações de crianças emocionalmente desequilibradas; pela epidemia já alarmante de indisciplina e agressividade infantil; pelo surto da atividade sexual pré-matrimonial etc. etc.

Conjugada às revoluções liberais e econômicas por que passou o Ocidente ao longo dos séculos XVIII e XIX, a ideia de que as mulheres deveriam emancipar-se da mais "antiga forma de opressão"—a dos machos sobre as fêmeas—e de dependência—a da esposa em relação ao marido—levou a um progressivo envilecimento da vida doméstica e familiar e, ao fim e ao cabo, da própria vocação à maternidade. Sob a legitimidade de supostos direitos civis, o feminismo acabou por diluir a mulher na dinâmica vazia e desespiritualizada da vida moderna, que, longe de constituir uma prerrogativa masculina, afeta e prejudica qualquer pessoa. Também a crença algo paradoxal de que a realização da identidade feminina só pode dar-se pelo total esvaziamento das noções de "homem" e "mulher" tem acentuado a crescente incapacidade de compreendermos a especificidade de cada sexo—suas formas de expressão, de relacionamento consigo e com outro etc.—e o direito de as mulheres serem integralmente mulheres, de realizarem as aspirações que lhes dita o coração e de não terem por régua a figura inconstante e dispersa do homem de hoje. "O primeiro direito da mulher", escreve Jacques Leclercq, "é o de ser ela mesma, ser mulher e não procurar meios de se desenvolver à semelhança do homem." [12]

Embora tenham vocações diferentes, homem e mulher estão associados para cumprirem juntos "a obra do gênero humano" [13] e, por isso, "têm o dever de se entregarem a ela cada um no seu lugar." [14] Nesse sentido, a mulher tem a mesma obrigação que o homem de ser útil. Isto por si só já exclui duas concepções equivocadas da vida feminina, a saber: que as mulheres estão autorizadas a levar uma existência ociosa e sem responsabilidades ou, pelo contrário, que elas devem exercer os mesmos papéis que o homem. A função habitual da mulher—trata-se, de certa forma, de sua profissão—é a de ser esposa e mãe, "função normalmente absorvente" [15] e mais desgastante do que muitas atividades masculinas. Há, pois, certa incoerência ao falar-se hoje de "mães que trabalham", como se com isso se desse a entender que as mães inteiramente dedicadas ao lar não trabalhassem de jeito nenhum. A missão e o papel primários da mulher é cuidar do lar, pois o pai, o esposo, já "consagra normalmente a sua atividade à profissão" [16]:

Uma sociedade bem organizada deve permitir a todos os seus membros que se expandam e sejam úteis, cada um em seu lugar e de acordo com as suas aptidões. Nesse ponto é que o feminismo falha, porque muitos feministas defendem ideias destruidoras da família, e destruir a família é envilecer a mulher; alma do lar, a mulher lucra na medida em que lucra a família. Quanto mais estável for a família, tanto mais garantida estará a situação da mulher, tanto mais esta ganhará em autoridade e liberdade, tanto mais respeitável se tornará a vida matrimonial, tanto mais respeitada a maternidade, tanto mais assegurado terá a mulher o pleno desenvolvimento da sua personalidade [17].

Ora,

Uma vez que a mulher foi feita para a família e em especial para a maternidade, a divisão do trabalho entre a mulher e o homem realiza-se naturalmente, cabendo à mulher a direção do lar e ao homem, o trabalho externo. Mas, como é o trabalho externo o que permite a família viver, o homem é normalmente o sustentáculo da família e a mulher deve estar protegida contra todo o abandono eventual. [...] Para que a família seja estável e respeitada, o que é preciso é reter o homem. A mulher será livre, respeitada, soberana, na medida em que a família for estável [18].

Em vista disso, não se pode considerar normal e nem mesmo aconselhável que uma mulher casada se dedique a uma profissão ou qualquer outra atividade que a tire ou separa do lar [19]. É lógico que as mulheres, quando exercem uma profissão, têm toda a capacidade e competência necessárias para realiza-la com perfeição; a vida doméstica, porém, exige-lhes mais presença do que o trabalho. Isto não quer dizer que, em determinadas circunstâncias, elas não possam procurar um emprego. O ritmo da vida moderna quase sempre o exige e impõe. Mas não se trata, é óbvio, de um "tudo ou nada": ou a mãe passa o dia inteiro fora de casa a trabalhar ou se enclausura para sempre na cozinha. O fato é que, seja em casa, seja numa outra ocupação, a mãe, assim como o pai, acaba não podendo escapar ao trabalho, mas isso não significa dizer que ela tem necessariamente todo o tempo ocupado, de sorte a não poder fazer mais nada [20].

O conflito que muitas mulheres têm hoje experimentado entre o cuidado familiar e a manutenção de um emprego se deve, em parte, à falsa e disseminadíssima ideia de que, ao contrário dos homens, as mulheres conseguem fazer várias coisas simultaneamente: é o mito da multitarefa [21] acrescido às virtudes femininas. A experiência de pelo menos seis décadas, no entanto, tem demonstrado que, na esmagadora maioria das vezes, isto não apenas não é verdade como, na prática, os efeitos de uma vida desfocada tendem a ser bastante desastrosos. Ora, se é verdade que as mulheres são de certo modo mais dispostas a realizar muitas tarefas ao mesmo tempo, também é verdade que elas, como qualquer outro ser humano, não as podem fazer todas igualmente bem; é preciso um mínimo da atenção e individualização no que se está fazendo—e isto se torna tanto mais necessário quanto mais grave e importante é a tarefa a que nos dedicamos. A mulher moderna, assim, se não despreza de todo nem a família nem o ter filhos, deseja no mínimo abraçar o mundo; e ela acaba assoberbada com uma multidão de afazeres esgotantes: ou o trabalho se torna um peso ou a família, um martírio.

A solução proposta para tal conflito é a chamada sequenciação (sequencing), isto é, um plano de vida em que se procure dar ao lar ao menos tanta atenção quanto ao trabalho. A estratégia básica deste método é permanecer em casa com os filhos durante o período de desenvolvimento infantil em que a presença da mãe no lar é imprescindível para o crescimento normal e saudável da criança. Há muitos indícios de que a permanência da mãe em casa é altamente positiva para os pequenos [22]:

— "As crianças que recebem os primeiros cuidados em creches (durante o primeiro ano de vida) mostraram níveis de aprendizagem e compreensão mais baixos que as outras, e problemas emocionais e no estudo ao chegarem aos oito anos" [23].
— Uma síntese de 88 estudos de ampla escala chegou à conclusão de que um cuidado não paterno de mais de 20 horas semanais provoca um inconfundível efeito negativo no desenvolvimento sócio-emocional, no comportamento e no carinho dos filhos [24].
— Dez estudos de diferentes países relacionaram o ambiente de creches com o comportamento agressivo e negativo das crianças, e com a decrescente cooperação com os seus iguais e os adultos [25].
— Em 2001, o Times informava que um estudo "tinha mostrado que há uma conexão entre o tempo que a criança passa na creche e certos traços como agressão, desconfiança e desobediência... [e que] essas descobertas eram válidas independentemente do tipo ou qualidade dos cuidados, do sexo da criança, do status socioeconômico da família ou de as mães lhes darem depois uma atenção delicada em casa". As crianças educadas pela mãe "apresentam um terço dos problemas de comportamento que os que apresentam as que passam o dia todo na creche" [26].

Trata-se sobretudo de uma questão de prioridade. A mulher que deseja ser mãe, mas não exclui a possibilidade de uma carreira, tem de perguntar-se a si mesma: quais lembranças terei daqui quarenta, cinquenta anos: meus sucessos no consultório, na empresa, no fórum—realizações passageiras—ou os momentos em que passei ao lado dos meus filhos—destinados à felicidade eterna—, as ocasiões em que lhes pude ensinar algo valioso para a vida? Na verdade, as mulheres devem lembrar-se de que ficar em casa quando os filhos ainda são pequenos e requerem a presença materna não significa que não se possa, no futuro, recomeçar a vida profissional e reingressar no mercado de trabalho. Crescidas as crianças, a mãe tem todo o direito e liberdade de desprender-se um pouco do lar, a fim de crescer profissionalmente ou contribuir, se for o caso, para o orçamento familiar.

Referências

  1. Cf. João Paulo II, Carta Apostólica “Mulieris Dginitatem” (MD), de 15 ago. 1988, n. 17 (AAS 80 [1988] 1692-3).
  2. Cf. G. Cappelli, «Paternidade/Maternidade», verbete in: VV.AA. Lexicon: Dicionário Teológico Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003, p. 575.
  3. V. João Paulo II, 80.ª Catequese, de 28 abr. 1982. Disponível em (sítio): <goo.gl/SNK5F3>. Acesso em: 8 set. 2015.
  4. Mikel G. S. Garai, Saber Amar com o Corpo. Trad. port. de J. Dionísio de Almeida. Lisboa: Rei dos Livros, 1994, p. 29.
  5. Id., p 35.
  6. Cf. MD., n. 18.
  7. G. Cappelli, op. cit., loc. cit.
  8. MD, loc. cit.
  9. G. Cappelli, op. cit., loc. cit.
  10. MD, loc. cit.
  11. Id., ibid.
  12. Jacques Leclercq, A Família. Trad. port. Emérico da Gama. São Paulo: Quadrante; Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), [s./d.], p. 300, § 53.
  13. Id., ibid.
  14. Id., ibid.
  15. Id., p. 301.
  16. Id., ibid.
  17. Id., ibid.
  18. Id., ibid.
  19. Cf. id., p. 305.
  20. Cf. id., ibid.
  21. V. Dave Crenshaw, The Myth of Multitasking. São Francisco: Jossey-Bass, 2008.
  22. Dados extraídos de Thomas G. Morrow, O Namoro Cristão. Trad. port. de Claudio Rigo. 2.ª ed., São Paulo: Quadrante, 2001, pp. 193-4.
  23. D. L. Vandell e M. A. Corasantini, “Childcare and the Family: Complex Contributors to the Child Development”, in: K. McCartney, Child Care and Maternal Employment. São Franciso: Jossey-Bass, 1990.
  24. C. Violata e C. Russell, Effects of Non-maternal Care on Child Development: a Meta-analysis of Published Research. Conferência apresentada no LV Congresso anual da Canadian Psychological Association. Penticon, British Columbia, 1994.
  25. Haskins R., “Public School Aggression among Children with Varying Daycare Experience”, in: Child Development, vol. 56, 1985, pp. 689-703.
  26. S. G. Stolberg, “Link Found Between Behavorial Problems and Time in Child Care”, in: New York Times, de 19 de abr. 2001; cf. G. Flanagan, “Daycare is Harmful to Children”, in: Liberation Journal.

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