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O itinerário da vida mística

“Como a bem-aventurança não é outra coisa que a fruição do Sumo Bem, e dado que o Sumo Bem está acima de nós, ninguém pode tornar-se bem-aventurado se não se elevar acima de si mesmo, não por ascenso corporal, mas do coração” (Itinerarium I, 1).

Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 12,1-8)

Naquele tempo, Jesus passou no meio de uma plantação num dia de sábado. Seus discípulos tinham fome e começaram a apanhar espigas para comer. Vendo isso, os fariseus disseram-lhe: “Olha, os teus discípulos estão fazendo o que não é permitido fazer em dia de sábado!”

Jesus respondeu-lhes: “Nunca lestes o que fez Davi, quando ele e seus companheiros sentiram fome? Como entrou na casa de Deus e todos comeram os pães da oferenda que nem a ele nem aos seus companheiros era permitido comer, mas unicamente aos sacerdotes? Ou nunca lestes na Lei, que em dia de sábado, no Templo, os sacerdotes violam o sábado sem contrair culpa alguma?

Ora, eu vos digo: aqui está quem é maior do que o Templo. Se tivésseis compreendido o que significa: ‘Quero a misericórdia e não o sacrifício’, não teríeis condenado os inocentes. De fato, o Filho do Homem é senhor do sábado”.

Celebramos hoje a memória de São Boaventura, teólogo e Doutor da Igreja que, com sua vida e doutrina, ensina os fiéis de todos os tempos a amar profundamente a Jesus Cristo. Ainda pequeno, Boaventura foi acometido por uma doença tão grave, que até seu pai, médico de formação, perdeu as esperanças; a mãe, porém, católica piedosa, alcançou pela intercessão de São Francisco de Assis a cura do filho.

Anos mais tarde, em Paris, capital intelectual da Europa no séc. XIII, o jovem estudante Boaventura teve a oportunidade de conhecer em primeira mão a Ordem franciscana, cujo exemplo de penitência e ânimo apostólico o encheu de entusiasmo. O próprio Boaventura chegou a confessar que o que mais lhe chamou a atenção nos franciscanos foi o frescor que infundiam por onde passavam, como se fossem a Igreja nascente: pobres como Cristo em Belém, mas cheios de fervor na imitação das virtudes do Senhor.

Em São Francisco de Assis, Boaventura viu realizado o grande ideal de configuração a Cristo, porque, apesar de não ser padre ordenado, Francisco mostrou que é o amor a Jesus que a Ele nos assemelha. Com efeito, assim como nos tornamos semelhantes às criaturas à medida que a elas nos apegamos, assim também é pelo amor unitivo com Nosso Senhor que, desembaraçados dos laços que nos prendem às coisas da terra, nos tornaremos mais e mais semelhantes ao nosso divino modelo, segundo a ordem do mesmo Cristo: “Sede santos, como o vosso Pai celeste é santo” (Mt 5,48).

Peçamos hoje a São Francisco e a São Boaventura que nos ajudem a alimentar em nossos corações a chama da caridade, para que, ardentes de amor seráfico, nos possamos unir tanto a Cristo nesta vida, que mereçamos nunca nos separarmos dele na outra. — São Boaventura, rogai por nós.

* * *

Do Opúsculo Itinerário da mente para Deus, de São Boaventura  (Séc. XII)
(Cap.7,1.2.4.6: Opera omnia,5,312-313)                                 

A sabedoria mística revelada pelo Espírito Santo

Cristo é o caminho e a porta. Cristo é a escada e o veículo, o propiciatório colocado sobre a arca de Deus (cf. Ex 26,34) e o mistério desde sempre escondido (Ef 3,9). Quem olha para este propiciatório, como rosto totalmente voltado para ele, contemplando-o suspenso na cruz, com fé, esperança e caridade, com devoção, admiração e alegria, com veneração, louvor e júbilo, realiza com ele a páscoa, isto é, a passagem. E assim, por meio do lenho da cruz, atravessa o mar Vermelho, saindo do Egito e entrando no deserto, onde saboreia o maná escondido. Descansa também no túmulo com Cristo, parecendo exteriormente morto, mas experimentando, tanto quanto é possível à sua condição de peregrino, aquilo que foi dito pelo próprio Cristo ao ladrão que o reconhecera: Ainda hoje estarás comigo no Paraíso (Lc 23,43).

Nesta passagem, se for perfeita, é preciso deixar todas as operações intelectuais, e que o ápice de todo o afeto seja transferido e transformado em Deus. Estamos diante de uma realidade mística e profundíssima: ninguém a conhece, a não ser quem a recebe; ninguém a recebe, se não a deseja; nem a deseja, se não for inflamado, até à medula, pelo fogo do Espírito Santo, que Cristo enviou ao mundo. Por isso, o Apóstolo diz que essa sabedoria mística é revelada pelo Espírito Santo (cf. 1Cor 2,13).

Se, portanto, queres saber como isso acontece, interroga a graça, e não a ciência; o desejo, e não a inteligência; o gemido da oração, e não o estudo dos livros; o esposo, e não o professor; Deus, e não o homem; a escuridão, e não a claridade. Não interrogues a luz, mas o fogo que tudo inflama e transfere para Deus, com unções suavíssimas e afetos ardentíssimos. Esse fogo é Deus; a sua fornalha está em Jerusalém. Cristo acendeu-a no calor da sua ardentíssima paixão. Verdadeiramente, só pode suportá-la quem diz: Minha alma prefere ser sufocada, e os meus ossos a morte (cf. Jó 7,15). Quem ama esta morte pode ver a Deus porque, sem dúvida alguma, é verdade: O homem não pode ver-me e viver (Ex 33,20). Morramos, pois, e entremos na escuridão; imponhamos silêncio às preocupações, paixões e fantasias. Com Cristo crucificado, passemos deste mundo para o Pai (cf. Jo 13,1), a fim de podermos dizer com o apóstolo Filipe, quando o Pai se manifestar a nós: Isso nos basta (Jo 14,8); ouvirmos com São Paulo: Basta-te a minha graça (2Cor 12,9); e exultar com Davi, exclamando: Mesmo que o corpo e o coração vão se gastando, Deus é minha parte e minha herança para sempre! (Sl 72,26). Bendito seja Deus para sempre! E que todo o povo diga: Amém! Amém! (cf. Sl 105,48).

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