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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 15,9-11)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena”.

No Evangelho de hoje, Jesus, ainda na Última Ceia, acaba de contar a parábola da videira e dos ramos; agora fala do amor: “Permanecei no meu amor”. A fé é o meio pelo qual permanecemos unidos ao Cristo. É a primeira fase da vida espiritual. Até mesmo os pagãos ou os que ainda estão no pecado precisam começar pela fé.

Ora, a união que a fé provoca em nós não é um faz-de-conta. As pessoas têm hoje uma visão muito pueril de fé. Acham que fé é sentimento de confiança. Sentimento é um fenômeno do cérebro, e a fé não acontece no cérebro, mas na alma. Na alma, vemos a verdade revelada pelo Cristo. No ato de crer, somos iluminados pelo ressuscitado; então, por esse toque da graça, verdadeiramente começamos a caminhar. Isso pode acontecer quer se esteja em pecado, quer em estado de graça.

O ato de fé pode sempre ser feito. É evidente, no entanto, que, para quem está em estado de graça, ele se torna mais completo. Por quê? Porque ele se completa com a caridade, com o amor: “Permanecereis no meu amor, se guardardes os mandamentos”, ou seja, se estivermos em estado de graça, obedecendo às leis de Cristo, permaneceremos no seu amor. Isso quer dizer que a fé íntegra não é deformada pela falta de amor.

A fé deformada pela falta de amor, sim, é importante, e — pelo amor de Deus —, se você tem fé mas não está em estado de graça, saiba que sua fé é preciosa, é a tábua de sua salvação, pois é o que irá conduzi-lo à conversão final, verdadeira e mais profunda; porém, quem está em estado de graça tem essa fé moldada — digamos assim — pela caridade, pelo amor de Cristo. Por isso ele diz: “Permanecei no meu amor”.

O que isso quer dizer na prática? Lembremos que, no Evangelho de ontem, Jesus dizia “Sem mim nada podeis fazer”. Nossos atos de amor, quando começamos a amar as pessoas e a Cristo nelas, não provêm de nós. Se são verdadeiros atos de amor, são uma ação do ressuscitado em nós; então, o mecanismo espiritual é esse: nos atos de fé que fazemos, vamos recebendo graças, as quais começam a transformar nossa vida por meio das virtudes. Assim nos tornamos capazes de amar realmente.

Crescendo de fé em fé, vamos crescendo também de amor em amor, de paciência em paciência, de fortaleza em fortaleza, de castidade em castidade, de fidelidade em fidelidade. Vamos crescendo, crescendo, crescendo…. Permanecendo em Cristo pela fé, as outras virtudes crescerão também. Isso é muito importante; mas, para que isso aconteça, é necessário obediência aos mandamentos!

Portanto, procure se confessar com freqüência e esteja sempre em estado de graça. Busque realmente estar em sintonia com Deus porque, se você não estiver em estado de graça, sua vida espiritual até poderá existir, mas estará “capenga”. Para usar a terminologia de Santo Tomás de Aquino, grande teólogo, a fé está “informe”, ou seja, ela não recebeu o “formato” maravilhoso do amor e da caridade. “Permanecei no meu amor”. Então, obedeçamos aos mandamentos. Quem desobedecer, busque a confissão!

* * *

COMENTÁRIO EXEGÉTICO

V. 9. Outro efeito da união com Cristo: o amor. Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. É uma comparação, não uma igualdade, ou seja, ‘não segundo o mesmo grau, mas por semelhante razão’. [1] Deus escolheu a humanidade de Cristo, sem qualquer mérito antecedente, para estar unida à pessoa do Verbo, e enriqueceu-a com todos os dons da graça. Assim também trata Jesus a seus discípulos. — Permanecei no meu amor, i.e., cuidai para não perderdes o amor com que vos amo. [2]

V. 10. Declara em seguida como hão de permanecer no seu amor: do mesmo modo que ele permanece no amor do Pai, a saber, pelo cumprimento de sua vontade. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, i.e., sob tal condição, continuarei eu a vos amor, e provareis vós que realmente me amais; assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai (i.e., os cumpri e pus em prática; cf. Jo 10,17s) e, por isso, permaneço no seu amor, com o qual me ama enquanto homem. 

V. 11. Eu vos disse isto, i.e., exortei-vos a permanecerdes unidos a mim, para que 1.º a minha alegria (ἡ χαρὰ ἡ ἐμή) esteja em vós, i.e., para que a alegria, íntima e inefável, que tenho eu por estar unido ao Pai, também a experimenteis vós (guardadas as proporções) por estardes unidos a mim, ou: para que, vendo-vos permanecer em mim, possa eu me alegrar dos frutos de vossa perseverança; — e ao mesmo tempo, pelo influxo eficaz do meu amor em vós, para que 2.º esta vossa alegria se complete (gr. πληρωθῇ), i.e., seja plena, chegue à perfeição etc. (cf., e.g., Fp 2,2; 1Ts 2,19).

Para S. Agostinho, ‘a minha alegria em vós’ = sobre nós, sobre a nossa predestinação e futura bem-aventurança; ‘a vossa alegria’ = união com Cristo, a graça nesta vida e a alegria suprema na outra pela glória.

S. Tomás de Aquino, super Ioh., 15, l. 2 (ed. Turim, nn. 1997–2004)

Acima advertiu o Senhor aos discípulos que nele permanecessem, aqui mostra o que é nele permanecer; e isto triplamente. 1. Primeiro, <mostra> que permanecer nele é permanecer no seu amor; — 2. segundo, mostra que guardar os seus mandamento é permanecer no seu amor, onde: ‘Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor’ (v. 10); — 3. terceiro, mostra que a observância da caridade é o seu mandamento, onde: ‘Este é o meu mandamento’ etc. (v. 12).

1. Acerca do primeiro faz duas coisas: a) primeiro, recorda o benefício dado aos discípulos; b) segundo, exorta-os a perseverar, onde: ‘Permanecei no meu amor’ (v. 9).

a) Diz, pois, em primeiro lugar que o fato de permanecermos em Cristo se deve à sua graça, a qual é efeito do seu amor: ‘Eu amei-te com amor eterno’ (Jr 31,3). Com o que se patenteia que todas as nossas boas obras são um benefício do amor divino. Não seriam nossas, com efeito, se a fé não operasse pelo amor; nem amaríamos, se primeiro não fôssemos amados. E por isso, recordando este benefício, diz: ‘Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei’ (v. 9).

N.B. — Mas há que notar que a palavra ‘como’ às vezes denota igualdade de natureza, às vezes semelhança de ação. Equivocados, queriam os arianos que a palavra ‘como’ importasse igualdade, e por isto, que já fora expresso antes mais de uma vez, concluíam que ele era menor do que o Pai. Mas isto é falso; e por isso, segundo Agostinho, deve-se dizer que a palavra ‘como’ significa semelhança de graça e de amor: pois o amor com que o Filho ama os discípulos é certa semelhança do amor com que o Pai ama o Filho.

Com efeito, dado que amar alguém é querer-lhe o bem, o Pai ama o Filho α) segundo a natureza divina, enquanto lhe deseja o seu próprio bem infinito, comunicando-lhe natureza numericamente idêntica à que ele mesmo possui; supra, 5,20: ‘Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que faz’. — β) Ama-o também segundo a natureza humana: ‘Quando Israel era menino, eu o amei, e chamei do Egito o meu filho’ (Os 11,1), a saber, para que fosse a um tempo Deus e homem.

Ora, de nenhum destes modos o Filho amou os discípulos, pois não os amou para que fossem Deus por natureza nem para que estivessem unidos a Deus em pessoa; mas por certa semelhança disso os amou, para que fossem deuses por participação da graça: ‘Eu disse: “Sois deuses”’ (Sl 81,6); ‘Por quem nos deu estas preciosas e magníficas promessas, a fim de que assim vos torneis participantes da natureza divina’ (2Pd 1,4). Além disso, para terem <com Cristo> unidade de afeto: porque ‘o que está unido ao Senhor é um só espírito com ele’ (1Cor 6,17); ‘Os que ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos’ (Rm 8,29).

Assim, pois, é maior o bem que Deus Pais comunicou ao Filho segundo ambas as naturezas do que o bem comunicado pelo Filho aos discípulos, embora se assemelhem, como foi dito.

b) ‘Permanecei no meu amor’ (v. 9), como se dissesse: ‘Pelo fato de haverdes recebido tão grande benefício graças ao meu amor, permanecei nele’, i.e., ‘a fim de que me ameis’; ou: ‘Permanecei no meu amor porque eu vos amo’, i.e., ‘em minha graça, a fim de não perderdes os bens que vos preparei’. E esta é a exposição mais côngrua, de modo que o sentido é: ‘Que persevereis neste estado’, qual seja, ‘o de serdes amados por mim por efeito da graça’; ‘Cada um permaneça no estado em que se encontrava quando foi chamado’ (1Cor 7,20); ‘Quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele’ (1Jo 4,16).

2. Aqui mostra o que é permanecer em seu amor, e a) primeiro mostra o que é guardar o seu mandamento; — b) segundo, manifesta-o por um exemplo, onde: ‘Assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai’ (v. 10); — c) terceiro, desfaz uma dúvida, onde: ‘Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós’ (v. 11).

a) Diz, pois: ‘Permanecei no meu amor, e o fareis se guardardes os meus mandamentos’; assim, com efeito, ‘permanecereis no meu amor’. De fato, a observância dos mandamentos é efeito do amor divino, não só daquele com que nós amamos, mas daquele com que ele mesmo nos ama. Ora, o fato de ele nos amar nos move e ajuda a cumprir os seus mandamentos, os quais não podem ser cumpridos senão pela graça: ‘A caridade consiste nisto: em não termos sido nós os que amamos a Deus, mas em ter sido ele que nos amou’ (1Jo 4,10).

b) Dá disso um exemplo, ao dizer: ‘Assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai’. Assim como o amor com que o Pai o ama é exemplo do amor com que ele nos ama, assim quis que sua obediência fosse exemplo da nossa. Cristo, com efeito, mostrou ter permanecido no amor do Pai, porque em tudo guardou os seus mandamentos. Pois α) suportou a morte: ‘Fez-se obediente até à morte, e morte da cruz’ (Fp 2,4); — e β) absteve-se de todo pecado: ‘Ele, que não cometeu pecado e em cuja boca se não encontrou engano’ (1Pd 2,22). O que se há de entender em relação a Cristo enquanto homem; supra, 8,29: ‘Não me deixou só, porque eu faço sempre aquilo que é do seu agrado’. E por isso diz: ‘Permaneço no seu amor porque nada me mim, enquanto homem, é contrário ao seu amor’.

c) Para não crerem que os adverte a que guardem os seus mandamentos em proveito próprio, e não dos discípulos, diz: ‘Eu vos disse isto’, i.e., que guardeis os meus mandamentos, para o vosso próprio bem, a saber: a fim de que ‘a minha alegria esteja em vós’. O amor, com efeito, é causa de alegria, pois cada um se alegra com a coisa amada. Ora, Deus ama a si e a criatura, sobretudo a racional, à qual comunica o bem infinito. Cristo, portanto, alegra-se de dois bens desde a eternidade, a saber: do seu bem e do do Pai: ‘Cada dia me deleitava, recreando-me continuamente diante dele’ (Pv 8,30); e o bem da criatura racional: ‘Achando as minhas delícias em estar com os filhos dos homens’ (Pr 8,31), i.e., em comunicar-me aos filhos dos homens: e deles se alegra desde a eternidade: ‘Tu serás a alegria do teu Deus’ (Is 62,5).

Quer, pois, o Senhor que, pela observância dos seus mandamentos, nos tornemos partícipes de sua alegria; por isso diz: α) ‘Para que a minha alegria’, pela qual me alegro de minha divindade e da do Pai, ‘esteja em vós’, o que nada mais é do que a vida eterna, a qual é a alegria pela verdade, como Agostinho diz; como se dissesse: ‘Para que tenhais a vida eterna’; ‘Então porás tuas delícias no Onipotente’ (Jó 22,26). — β) ‘E a vossa alegria’, pela qual me alegro de minha humanidade, ‘seja plena’. Pois os bens de que nos alegramos são ou imperfeitos ou imperfeitamente possuídos; e por isso a alegria nesta vida não pode ser plena. Mas será plena, quando entrarmos perfeitamente na posse dos bens perfeitos: ‘Entra no gozo de teu senhor’ (Mt 25,21).

Referências

  • Tradução adaptada de H. Simón; G. G. Dorado, CSSR, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, p. 907s, n. 675.

Notas

  1. J. Corluy, SJ, Commentarius in Evangelium S. Joannis (Gantes: C. Poelman, 1899) 411.
  2. J. Huby, SJ, Le discours de Jésus après la Cène (Paris: Beauchesne, 1942) 79: ‘Permanecei no amor que tenho por vós… pois se meu amor é fiel, não se impõe; de vós depende que nele pemaneçais ou dele que vos afasteis. Sempre que fala aos discípulos, Jesus supõe que, se há abandono, separação, é o homem quem toma a iniciativa de o deixar. Ele, no que de si depende, permanece’.

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